O preconceito, por definição, é irracional; é algo que está formado e instalado no subconsciente antes e fora do uso da razão. A razão quase sempre rejeita o preconceito e se sobrepões a ele, mas ele continua lá, subjugado mas pronto a subir à tona e se manifestar ao menor descuido da razão.

Existe, sim, o preconceito contra judeus em nossas sociedades cristãs. Fortemente condenado pela razão, está hoje bastante reduzido e controlado, mas continua instalado lá no fundo das almas. É um preconceito que reconhece a inteligência privilegiada de uma raça (o preconceito compreende os judeus como
raça) de onde saíram os três homens geniais que mudaram nossa visão de mundo nos últimos 150 anos: Marx, Einstein e Freud; mas considera esta inteligência da raça aplicada principalmente no projeto de dominação do mundo através do poder do dinheiro. O preconceito gera, claro, um sentimento antissemita subjacente ao pensamento dos povos cristãos, um sentimento que foi muito aplacado no meio do século passado, chegando perto de um arrependimento, com a revelação dos hediondos crimes dos nazistas.

O antissemitismo não existiu no tempo de Jesus entre gregos e romanos que dominaram o mundo. O Império tratava os judeus como qualquer outro povo dominado, autogovernado e respeitado na sua religião, nos seus costumes e suas leis. Mesmo após a cristianização de Constantino, o Império Romano, do Ocidente e de Bizâncio, não perseguiu judeus. Assim também o Império de Carlos Magno e os reinos europeus da Baixa Idade Média. Acrescente-se que o mundo islâmico desse mesmo tempo, os Califados de Bagdá e de Córdoba, também não tratavam mal os judeus.

Quando e por quê teria então nascido e se aprofundado este preconceito? No mundo cristão, acho que foi na transição do primeiro para o segundo milênio, no meio da Idade Média, quando surge a ideia de purificar e fortalecer o Cristianismo, eliminando as heresias que espocavam por todos os lados; quando foi lançada a ofensiva das Cruzadas para conquistar Jerusalém e os lugares santos. A rejeição dos judeus, o povo que condenou Jesus, seria uma decorrência imediata e, do meio para o fim da Idade Média, nasceu e cresceu o antissemitismo, paralelamente ao combate feroz às heresias. Resultou na hediondez da Inquisição, que massacrou barbaramente judeus e heréticos. Os judeus foram expulsos da França, da Inglaterra e da Espanha. A Holanda, por tolerância interessada, e a América, por afastamento longínquo, foram seus refúgios principais.

Passando da história ao presente, ficou encravado o preconceito antissemita no inconsciente coletivo do mundo cristão, o sentimento irracional e absurdo, esta que é a consequência mais negativa da religião. Não sei o que se passou no mundo islâmico, mas lá, obviamente, o sentimento escalou para animosidade aberta em razão do conflito político e territorial na Palestina.

Este conflito de sessenta anos há muito virou beligerância armada entre Israel e quase todo o mundo muçulmano. E a grande e permanente tensão deste conflito possivelmente foi causa do crescimento de um nacionalismo de direita no seio do povo de Israel, e de uma consequente política de força e opressão sobre povo palestino. Esta política é evidentemente condenável, inaceitável sob o ponto de vista da ética e da justiça, e tem sido alvo de fortes ataques de todos os grupos de centro e de esquerda nos países ocidentais, inclusive no Brasil.

*Roberto Saturnino Braga, ex-senador (PT/RJ), membro do Conselho Curador da FPA e autor de O curso das idéias: A história do pensamento político no Brasil e no Mundo, publicado pela EFPA.

 

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