Texto apresentado no 1° Congresso internacional do Centro Celso Furtado, realizado que acontece de 15 a 17/8, no Rio de Janeiro.

Texto apresentado no 1° Congresso internacional do Centro Celso Furtado, realizado que acontece de 15 a 17/8, no Rio de Janeiro.

As interpretações correntes da ciência econômica frequentemente não levam em conta a importância da dimensão política no seu campo de estudo. E entretanto o fator político tem uma enorme relevância em todo o processo econômico: o grau de estabilidade da ordenação política das sociedades aumenta ou reduz a previsibilidade das consequências dos atos econômicos; alarga ou estreita a confiança
dos atores econômicos nas suas previsões, interferindo decisivamente na iniciativa dos seus atos. São bem reconhecidas, ademais, as alterações da produtividade econômica resultantes do estado psicológico das sociedades produzido pela atividade política. Assim também, vários outros condicionamentos do processo, imponderáveis pela lógica econômica, têm origem essencialmente política.

Mas o principal desses fatores ou condicionamentos é a definição dos fins pretendidos pela condução econômica de uma nação, e das diretrizes do modelo econômico mais adequado a esses fins. São decisões fundamentais, eminentemente políticas.

E há momentos especiais na história das sociedades em que a dimensão política assume uma importância particularmente relevante, extraordinária, no processo de desenvolvimento econômico. São precisamente os momentos em que ocorrem mudanças significativas nos fins da política, que são os fins da sociedade ou da nação, e se alteram correspondentemente os meios movimentados pela economia, isto é, o chamado modelo econômico. Eu creio que o Brasil de nossos dias está vivendo, desde o início do século, um desses momentos de crescimento da influência política. O marco da mudança do cenário político é o fato extraordinário da eleição do torneiro mecânico Luiz Inácio Lula da Silva Presidente da República.

O significado desta revolução política é a virada da atenção nacional para dentro do País, é a descoberta, pelo Brasil, do povo brasileiro, que assume um protagonismo da cena principal, não mais como mero figurante das ações. É a descoberta do potencial criativo desse povo, não apenas no campo das artes, já antes reconhecido, mas no campo da produção econômica e especialmente do próprio desempenho político.

Um potencial que havia sido percebido sessenta anos atrás, na epopeia da construção de Brasília e da ocupação do imenso território interior, e foi esterilizado pela ocupação militar da política. O processo político criativo dos anos cinquenta poderia ter tido continuidade e avanço no período João Goulart; por uma série de motivos, que não cabe aqui discutir, foi truncado. E a chama se reacendeu, com mais intensidade, com a eleição de Lula.

É na política que se definem os fins de uma comunidade, de uma nação. As forças dominantes do capital, desde a ocupação militar, impuseram claramente seus fins no Brasil como se fossem os do povo como um todo: o crescimento da produção em geral, e especialmente do business financeiro, depois dos militares. Encaparam essa fraude com o manto neutro e nobre da ciência, como se os fins comunitários pudessem ser todos resumidos no PIB nacional e no consumo conspícuo a ele associado. O PIB, e a economia, que são meios, ganharam a caracterização de fins: a felicidade da Nação passou a se medir pelo seu PIB e pelos seus bancos. Celso Furtado, nosso maior pensador, preocupava-se muito com essa distorção que resulta de um primado dos meios sobre os fins imposto pela força política do capital. No seu texto “Criatividade Cultural e Desenvolvimento Dependente”, inserido na última publicação “Ensaios sobre Cultura”, destaca bastante este ponto.

Quem fala pelos fins é a política, não é a economia, e o Desenvolvimento, no seu conceito maior, é um processo sempre definido e conduzido pela política, mesmo que enrustida essa condução pela aclamação da técnica ou da ciência econômica, como nas últimas décadas vinha ocorrendo neste mundo globalizado.

A esfera política se realiza através do Estado — o Estado Nacional até agora – e por isso mesmo o capital quer reduzir as dimensões do Estado para elidir a política e mais facilmente impor seus fins. Eliminam-se os fins qualitativos, comunitários, coletivos, e exacerbam-se os fins individuais, de consumo crescente, em favor dos fins do capital, embuçados no processo. A globalização da economia, que resultou dos fantásticos progressos da comunicação e do transporte, foi aproveitada pelo capital para impor a sua política invisível, os seus próprios fins multiplicativos, através do amesquinhamento dos Estados Nacionais. Desse
amesquinhamento faz parte a desmoralização da política e dos políticos, cada vez mais corrompidos pelo próprio capital.

O mundo parece estar acordando desse falseamento ao enfrentar agora a crise das economias mais ricas provocada pelos excessos do capital financeiro. O Brasil, todavia, acordou antes da crise: a partir de 2002 retomou sua vocação de efetividade política estatal, que se tinha revelado com nitidez a partir da Revolução de 30 e atingido sua maturidade nos anos cinquenta do século passado. Com um Estado presente e proativo, o Brasil enfrentou bem a primeira onda da crise em 2007, e procura responder ao impacto maior e mais forte da segunda onda nos dias presentes, valendo-se do comando político da economia e das poderosas agências estatais do seu sistema bancário, ampliadas em sua ação.

A nova configuração dos fins nacionais se caracteriza pela retomada do crescimento econômico com nova feição: (1) com taxas de PIB mais modestas do que as do período progressista do passado, mas com uma firmeza ou garantia maior, fundada numa participação mais larga do mercado interno e continental sulamericano, além de uma grande diversificação do mercado externo; (2) com a preocupação da
consolidação das instituições da democracia, incluindo formas de participação maior da sociedade nas decisões de governo, juntamente com objetivos fortes e bem marcantes no campo da distribuição de renda e da justiça social; (3) com uma ascensão pronunciada do nível de autoestima nacional associada a um grau bem maior de autonomia na política externa, e a uma presença internacional muito mais relevante e globalmente reconhecida. São os novos fins nacionais definidos pela política brasileira.

As projeções de evolução do nosso quadro político não abrem perspectivas de grande probabilidade para uma mudança de qualidade e de direção desses fins nacionais definidos há dez anos. As correntes militantes organizadas em torno da definição alternativa, de volta a uma política neoliberal, parecem em declínio duradouro, mesmo considerada a hipótese de que, com o agravamento provável da crise mundial, a economia brasileira entre em um período de estagnação. As ações da oposição ao grupo que implantou a linha dos fins acima referidos concentram-se não na crítica dessa política mas nas denúncias de corrupção, repetindo a tática do moralismo corrosivo udenista do passado, que só se impôs no poder através do golpe militar, hoje completamente inviável.

Assim é que, a meu juízo, é provável a manutenção da nova linha dos fins referidos, pelo menos por mais um extenso período, que deverá ultrapassar a comemoração da efeméride dos duzentos anos de Nação Brasileira. O seguimento desta linha não hesitará na adoção de medidas de aprofundamento da resposta à crise internacional, como algum tipo de controle cambial e de intensificação dos investimentos estatais indispensáveis, assim como não abandonará a busca explícita do objetivo da redistribuição de renda e da justiça social, nem abrirá mão do controle estatal da exploração do pré-sal e do consequente desenvolvimento das indústrias fornecedoras e dos importantes avanços tecnológicos, que constituirão o maior legado dessa exploração.

A linha de aprofundamento democrático terá obviamente continuidade, assim como a da afirmação dos direitos humanos fundamentais, inclusive com a revelação das ações criminosas até agora escondidas, praticadas pelo Estado no regime militar.

Terá seguimento também a política externa de afirmação da autonomia e de integração sulamericana, que atravessa um momento de notável ampliação e fortalecimento, com o ingresso da Venezuela com seu gigantesco potencial energético.

Evidentemente são opiniões, essas aqui expressas, não são verdades. As previsões políticas estão completamente fora do âmbito das ciências exatas.

*Roberto Saturnino Braga, foi senador pelo PT/RJ, preside o Instituto Solidariedade e integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. Contato: [email protected]

 Atualizado em 24/8/2012