Seus sócios não tinham direitos trabalhistas. Empresários então trocavam seus assalariados por eles, até via ‘cooperfraudes’. No desespero, muitos aceitavam

Em 28 de junho, a Câmara aprovou o projeto de lei 4.622, que se tornará a Lei das Cooperativas de Trabalho do Brasil. São oito anos de negociações. Ela lança luz sobre os conflitos no mundo do trabalho brasileiro nas últimas décadas.

Em 2003, Lula assume seu primeiro mandato e cria no Ministério do Trabalho e Emprego a Secretaria Nacional de Economia Solidária.

Ao assumir a secretaria, encontrei Rozany Holler, que era vice-presidente da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB). Ela relatou que as cooperativas estavam sendo fechadas pela fiscalização. A alegação: precarizavam os direitos trabalhistas de assalariados, substituídos por seus membros. Como estes são considerados autônomos, não tinham direito a salário mínimo, descanso remunerado, FGTS, 13º salário e demais direitos consignados na CLT.

Era época de desemprego em massa como nunca. Muitos aceitavam trabalho só por algum salário, abrindo mão de todos os outros direitos.

Membros de cooperativas não são assalariados, mas sócios. Não têm patrão, não há de quem exigir o cumprimento de direitos trabalhistas.

Cooperativas podem ser contratadas por empresários para realizar tarefas. Se sobra de mão de obra desesperada, é vantajoso para empregadores substituir seus assalariados por cooperados, cujo custo não é onerado por direitos trabalhistas.

Efetivamente, em 2003 se multiplicavam cooperativas de trabalho falsas, formadas por empresários que demitiam seus empregados e os obrigavam a se filiar a uma cooperativa. Essas cooperativas não eram de seus pseudosócios (os trabalhadores), mas do empresário. Eram, portanto, falsas, conhecidas como cooperfraudes -numa cooperativa autêntica, os cooperados tomam decisões em assembleia. A fiscalização não distinguia cooperfraudes de cooperativas autênticas.

Fomos verificar como isso estava sendo enfrentado pelo mundo. Na Europa, leis de defesa das cooperativas de trabalho estavam em adoção. Exigiam que fossem garantidos direitos trabalhistas aos sócios, mesmo sem patrões. A relação do sócio com a cooperativa foi reinterpretada: o coletivo da sociedade cooperativa tem os mesmos deveres em relação ao sócio individual que o empregador em relação ao empregado.

A lógica da interpretação é que direitos do trabalho são parte dos direitos do homem. Enquanto houver trabalhadores por conta alheia, com direitos dos quais não podem abrir mão, e trabalhadores por conta própria, que não gozam desses direitos (e então têm uma vantagem competitiva no mercado de trabalho), os últimos sempre serão preferidos pelos empregadores. Custam bem menos.

Em época de falta de trabalho, ambos serão prejudicados: cooperados porque não são assalariados, estes porque não terão emprego.

A nova lei resolve os impasses, pois determina que todos os trabalhadores, por conta alheia e própria quando associados em cooperativa, têm os mesmos direitos.

Cooperativas de baixa renda que agora não ganham o suficiente para garantir aos sócios os seus novos direitos terão prazos para elevar sua renda, com o auxílio do Programa de Fomento das Cooperativas de Trabalho (Pronacoop), previsto na lei.

É nosso compromisso obter para os cooperados de baixa renda benefícios tributários já concedidos a autônomos individuais pelo Supersimples e uma elevação do valor de seus produtos e serviços, com formação, assistência técnica e inserção no sistema de comércio justo e solidário.

Trata-se de estender os benefícios do programa Brasil sem Miséria aos agrupamentos carentes da própria economia solidária.

*Paul Singer, 80, é secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Luiza Erundina)