Cúpula dos Povos: não existe desenvolvimento se não for inclusivo
O debate "Os movimentos sociais e o desenvolvimento inclusivo com democracia e soberania nacional" realizado pelas fundações Perseu Abramo e Maurício Grabois, no dia 19/6,, durrante a Cúpula dos Povos, contou com a participação do secretário Nacional de Movimentos Sociais do PT, Renato Simões, da secretária Nacional de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti, do secretário Nacional de Meio Ambiente do PCdoB, Aldo Arantes, do diretor da CTB, Joilson Cardoso, e do presidente da UNE, Daniel Iliesco. A mesa foi coordenada por Iole Ilíada e Adalberto Monteiro.
Os expositores analisaram o contexto de crise internacional em que se realiza a Rio +20 e falaram sobre o esgotamento do modelo neoliberal. Eles foram unânimes em reafirmar que não existe perspectiva de desenvolvimento sem inclusão social, ou seja, com distribuição de renda e combate à exclusão social. A participação dos movimentos populares também foi destacada pelos representantes da CUT, da CTB, da UNE e dos representantes dos setoriais do PT e do PCdoB como fundamental no processo de desenvolvimento com sustentabilidade.
Querem colocar um band aid verde na crise
Para Renato Simões, secretário Nacional de Movimentos Sociais do PT, o mundo vive hoje uma crise do capital, que se traduz no esgotamento do modelo neoliberal. "Essa crise é extremamente importante na historia do capitalismo, pois ela articula diversas dimensões como a econômico-financeira, a energética, a alimentar, a ambiental. E ela não se resolverá nos próximos anos", declarou Simões. Para ele, a crise mostra como a desregulamentação econômica, a liberdade sem fim dos fluxos de capital e a hegemonia do capital financeiro, foram também o elemento central na destruição do meio ambiente no mundo. Isso porque a destruição dos recursos no planeta estariam orientados na órbita da acumulação do capital.
Nos últimos anos, segundo Simões, vem se constituindo, na América Latina, alternativas políticas, com governos que nascem da resistência ao neoliberalismo e que buscam superá-lo, como marco politico dos seus estados nacionais. Ele citou o exemplo da resistência da Venezuela ao golpe que retirou Hugo Chavez do governo, e a eleição de Lula, ambos em 2002. Esses movimentos políticos vem promovendo avanços nas alianças entre partidos políticos e movimentos sociais.
O dirigente petista constatou que as críticas e denúncias feitas durante os anos 1980 e 1990 – que foram a base dos movimentos operário, estudantil, camponês e popular – foram acertadas como demonstra a crise atual, porém ainda não existe no horizonte uma saída socialista para essa crise. Tanto o capital como a esquerda buscam alternativa para superá-la. O que orienta a esquerda, segundo Simões, é a luta para aproveitar esse momento de fragilidade do capital e elaborar um modelo procura integrar as dimensões da inclusão social das massas pobres e da classe trabalhadora dos países em crise, da soberania nacional, da democracia e da sustentabilidade.
Em relação aos dois eixos do debate que vem sendo travado na Rio +20 – o da economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável, e a erradicação da pobreza e a governança para o desenvolvimento sustentável -, Simões defendeu que é preciso diferenciar o que pensam os partidos de esquerda e os movimentos populares daqueles que querem colocar um band aid verde na crise. "Não podemos permitir que se confunda economia verde com capitalismo verde, para que os algozes que combatemos virem os salvadores do planeta", concluiu.
Ele também elencou quatro elementos que ilustram o momento que o Brasil vive hoje na área da sustentabilidade. O primeiro, se refere ao marco institucional dos compromissos internacionais que o país assumiu, particularmente em Kopenhague, e que não se consolidaram como consenso no mundo, e a importância do compromisso de o governo brasileiro – mesmo sem ter sido pactuado, haver colocado metas para sustentabilidade. Isso mostra, segundo Simões, que é preciso reafirmar os compromissos internacionais que Brasil assumiu. O segundo, seria o avanço na elaboração conceitual do que é sustentabilidade para superar a dualidade que às vezes coloca os movimentos sociais em confronto com ambientalistas. O terceiro, seria a força política que resulta da ação unitária para traçar uma agenda comum. E o quarto, é a agenda agenda nacional comum entre movimentos sociais, partidos e governo, que permitam promover os avanços necessários, promover a integração continental, e, na critica ao neoliberalismo, construam suas alternativas.
Desenvolvimento sustentável não se limita à questão ambiental
O secretário Nacional de Meio Ambiente do PCdoB, Aldo Arantes, enfatizou que a crise atual não é meramente econômica, mas sim do capitalismo em diversas vertentes. A superação da crise ambiental, segundo Arantes, só vem com a superação do próprio capitalismo e enquanto não houver um processo de transformação mais absoluto, isso não será possível. Arantes afirmou que avanços estão ocorrendo na América Latina e que os BRICS são um contraponto à hegemonia americana do passado. De um lado, segundo ele, está o modelo cambaleante, que se caracteriza pela hegemonia do capital financeiro em crise, e de outro, o modelo sustentável, que tem como centro – o crescimento da economia, a inclusão social.
"O Brasil anunciou redução do desmatamento em 70% e tem buscado alternativas de matriz energética mais limpa, investindo em energia eólica e solar. A China também, e além disso, busca reduzir emissões. China é campeã mundial de energia eólica, passou na frente dos Estados Unidos e da Alemanha", disse Arantes. A Rio + 20, portanto, inicia com países capitalistas em crise e os países em desenvolvimento trazendo alternativas, projetos diferenciados.
Arantes disse ainda, que o documento conjunto assinado pelo PT e pelo PCdoB "Por um desenvolvimento sustentável inclusivo com democracia e soberania nacional", expressa uma convergência de pontos de vistas de dois partidos políticos importantes e que isso pode ser irradiado para outros partidos de esquerda e progressistas, criando uma corrente, para colocar uma visão mais adequada no tratamento da questão ambiental.
Ele afirmou que o problema enfrentado atualmente diz respeito ao conceito de desenvolvimento sustentável, que tem três dimensões – a econômica, a ambiental e a social, e que não podem ser tratados separadamente, ma que um determinado segmento do movimento ambientalista trata a questão de forma absolutista, só com o enfoque ambiental. "O homem é parte da natureza, portanto, eles não podem ser separados", disse o dirigente do PCdoB, que alertou que a separação de natureza e homem é um problema grave, porque cria obstáculos para solucionar problemas como o da fome.
Para Arantes, o que se está criando hoje é o neoliberalismo ambiental, que cria agências ambientais nos moldes da Organização Mundial do Comércio. O Brasil, segundo ele, tem resistido a essa corrente.
O dirigente comunista também fez um chamamento para que o Brasil se abra para a Amazônia, assim como fez o ex-presidente Juscelino Kubtschek quando decidiu transferir a capital do país para o seu interior. A Amazônia, segundo ele, não é patrimônio da humanidade, e sim, do Brasil, e o desenvolvimento sustentável para a região deve ser defendido por todos.
Arantes finalizou sua participação no debate afirmando que os conflitos presentes na Rio +20 só mudam com intervenção dos movimentos populares.
Os movimentos sociais tem a responsabilidade de impulsionar o governo
Para a secretária Nacional de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti, não existe desenvolvimento se não for inclusivo. O país já teve modelos de crescimento, mas não teve distribuição de renda.
O questionamento que os movimentos sociais devem fazer, segundo Rosane, é: desenvolvimento para quê e para quem. A dirigente sindical cutista afirmou que "o desenvolvimento tem que ser para as pessoas, homens e mulheres, que vivem no planeta. Não se limita ao ambiental; precisa ter a dimensão social, política e econômica. Não podemos pensar uma política sem inclusão social. Nos orgulhamos dos programas sociais, mas não garante o processo de inclusão total dessas pessoas."
E tudo isso, segundo ela, significa que é preciso aprimorar os programas sociais, os direitos trabalhistas, eliminar o trabalho escravo no país, acabar com as diferenças salariais entre homens e mulheres, entre brancos e negros, ter liberdade de organização sindical e dos movimentos sociais. A educação, para ela, precisa vir em primeiro plano, porque se o país não investir em educação agora, terá muita dificuldade no futuro.
Rosane também falou sobre a premência de se traçar estratégias de soberania alimentar para os milhões de pessoas que vivem no planeta e a necessidade de aprofundar o debate sobre a reforma agrária "que está parada no Brasil".
A conquista da democracia é outro ponto fundamental para que um país tenha a sua soberania. E para que se exerça democracia plenamente, deve haver liberdade de expressão para todos. "A liberdade de expressão é um direito humano; os indígenas, os quilombolas precisam ter espaço para colocar sua pauta", disse Rosane.
Sobre a relação movimento social-partido-governo, a dirigente cutista enfatizou que os movimentos sociais tem a responsabilidade de impulsionar o governo e que políticas públicas precisam ser políticas de Estado.
Economia verde é uma forma de atenuar a crise do capitalismo
O dirigente da CTB, Joilson Cardoso, declarou que tem pouca esperança em relação ao que vai acontecer na Rio +20 e que ela se realiza num momento crucial, em que o capitalismo hegemonizado pelos Estados Unidos está em crise, em princípio econômica, mas que no fundo é estrutural. Segundo Cardoso, o capitalismo vive uma de suas maiores crises, mas ele tem capacidade de se recuperar. "Sabemos a quantidade de dinheiro que foi injetado para manter o sistema financeiro em pé", afirmou Cardoso.
A economia verde não passa de uma forma de atenuar crise do capitalismo, segundo Cardoso. Para ele, o remédio amargo do neoliberalismo perseverou durante anos e esta seria a alternativa que seus defensores estão apresentando.
Os movimentos sociais e partidos de esquerda tem um consenso de que não defendem um desenvolvimento qualquer, mas sim o sustentável. Para Cardoso, "se é para concentrar, não nos serve, precisa levar em conta a vida dos povos do planeta. É inconcebível que em um país tenha consumo exacerbado enquanto outro povo é privado de tudo, colocando em cheque até mesmo a cultura desses povos.
Limites do governo não são limites dos movimentos e dos povos
O presidente da UNE, Daniel Iliesco, disse ser urgente denunciar perspectiva do capitalismo verde, pois a mudança da cor não resolve nada. Segundo Iliesco, não há sustentabilidade nos marcos do capitalismo que se baseia na exploração dos povos, sem respeito aos trabalhadores, da guerra que permanece no Iraque e na Siria.
Ele também alertou para a necessidade de refutar propostas como a de criação de uma agência ambiental nos moldes da OMC e também a confusão, engendrada no movimento social, imposta pelas organizações internacionais e reforçada pela mídia, sobre o conceito de desenvolvimento sustentável, para que não se caia em ciladas.
Iliesco defendeu a afirmação de conceitos importantes e que devem servir como bandeira dos movimentos sociais como o comprometimento com o multilateralismo, a erradicação da pobreza e do analfabetismo, a diversidade social e a defesa da memória e da verdade, para romper cultura de silêncio. Ele também falou sobre a solidariedade dos povos calcada no trabalho decente, em trabalho e educação como binômio fundamental para agenda de mobilizações concretas.
"A Amazonia é dos nossos povos e precisa ser defendida por todos, porque ali estão recursos hídricos, naturais, a riqueza científica e tecnológica. Tudo isso tem que ser dos brasileiros", disse Iliesco que acredita que deve ser realizada uma campanha para que se conscientize o país de que é preciso defender a ocupação consciente, planejada e política.
Os movimentos sociais devem pressionar os governos no avanço de uma agenda de transformações reais, segundo Iliesco.
Sobre os investimentos em educação, Ilesco afirmou que "o momento é histórico e surpreendente que ainda não tenhamos os 10% do PIB para a educação. Esta é uma luta central".
O presidente da UNE disse ainda que os limites do governo não são limites dos movimentos e dos povos dos países frente aos desafios colocados para todos. Para ele, agora é tempo de constituir uma agenda de mobilização, a unidade do povo e do movimento social organizado.