Atuais e antigos companheiros são agressores em 42% dos casos

A pesquisa Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado, da Fundação Perseu Abramo, estima que em 42% dos casos de estupro os agressores são antigos ou atuais namorados e cônjuges das vítimas. Essa estimativa coincide com os dados recém-divulgados do Mapa da Violência 2012, elaborado pelo Instituto Sangari, com base em dados do Ministério da Saúde. Segundo o levantamento, 42,5% dos diversos tipos de violência contra a mulher que chegam ao conhecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) são cometidos por pessoas que têm com a vítima esse tipo de vínculo. Considerando-se as mulheres entre 20 e 49 anos, a taxa chega a 65%.

Muitos casos, porém, não chegam ao conhecimento do SUS. Principalmente os casos de violência psicológica e moral. A assistente de gestão Valéria*, 25 anos, sofreu esse tipo de agressão durante cinco anos de relacionamento. “Era sempre alguma coisa relacionada ao meu afastamento do lar, das atividades domésticas, do meu fi lho. Ele falava que eu trabalhava demais, estudava demais, que eu era egoísta, só pensava em mim e no meu futuro”, relata.

A separação foi a solução encontrada por ela, que não quis denunciar o marido. “A pessoa é num momento um monstro, que ninguém conhece, que ninguém vê, só você conhece aquela face da pessoa. No dia seguinte, é a pessoa mais doce do mundo, é aquele cara que você conheceu. Isso que faz você demorar a tomar uma atitude. Mas não vou fichar o nome do pai do meu filho por uma coisa que ele mesmo possa corrigir, que ele mesmo possa procurar um psicólogo, procurar ajuda espiritual, sem precisar colocar a polícia no meio”, argumenta Valéria.

Feminicídio

Muitas mulheres, no entanto, não se separam nem denunciam os parceiros, o que pode levar ao agravamento da situação. “Nos casos que envolvem a condição de gênero, desigualdade de poder e dominação masculina, a morte de mulheres na maioria das vezes é decorrente de situações abusivas contínuas, em geral de mulheres que nunca denunciaram seus parceiros ou, se o fizeram, não foram adiante com a denúncia, ou mesmo se foram, não resultou em punição”, informa a doutora Maria de Fátima Araújo, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Violência e Relações de Gênero, da Unesp de Assis.

Segundo o Mapa da Violência 2012, nos últimos 30 anos, a taxa de homicídios de mulheres no Brasil praticamente dobrou – de 2,3 para 4,4 casos a cada 100 mil mulheres. Esse aumento coloca o país em 7º lugar numa lista que compara essa taxa entre 84 países.

“O aumento nos casos de feminicídio deve-se, acima de tudo, à persistência de uma estrutura machista e patriarcal na cultura brasileira, que produz e legitima relações de poder desiguais entre homens e mulheres, autorizando homens a verem suas companheiras como suas propriedades e, portanto, a livremente dispor de seus corpos e vidas pela violência”, explica a especialista em segurança pública Thandara Santos, militante da Marcha Mundial das Mulheres.

Lei sem Estado

Prestes a completar seis anos de criação, a Lei Maria da Penha não tem sido bem aplicada e ainda não foi suficiente para melhorar definitivamente a situação das mulheres, na percepção de Thandara. “O aumento das denúncias, sem o respaldo na proteção do Estado, constrói terreno ainda mais perigoso às mulheres vítimas de violência doméstica, porque as coloca debaixo do mesmo teto do agressor, já ciente da denúncia e das possíveis punições legais”, argumenta.

Para Thatiane Coghi Ladeira, coordenadora do centro de defesa da mulher Casa Viviane dos Santos, zona leste de São Paulo, a falta de investimento em qualificação dos agentes do Estado, como a polícia, é preocupante. “Nós ainda dependemos muito da visão dos profissionais que estão operando a política. No geral, o que acontece é que os valores morais se sobrepõem ao que está regulamentado na lei”, denuncia.

A mulher que é destratada nas delegacias e não consegue registrar a agressão em boletim de ocorrência pode denunciar o caso nas corregedorias e ouvidorias da Polícia nos estados. A defensora pública Ana Paula Meirelles, colaboradora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, explica que a Defensoria Pública do Estado de São Paulo pode “encaminhá-la para outra delegacia, ou se for o caso até ajuizar alguma medida mesmo sem o boletim de ocorrência, cabendo ao juiz decidir se vai ou não ser necessária a instauração desse boletim”.

A falta de padronização no atendimento realizado por profissionais que atuam no combate à violência contra a mulher foi criticada por pesquisadoras da área em abril, em audiência da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga a violência contra a mulher. De acordo com Thandara Santos, “o principal resultado que podemos esperar dessa CPMI é a constatação fundamentada de que a rede de proteção prevista pela Lei Maria da Penha não está sendo efetivada na maior parte dos estados, o que coloca as mulheres vítimas em perigo constante”.

A votação do relatório da CPMI estava prevista para 7 de agosto, aniversário da Lei Maria da Penha. Porém, a relatora da comissão, senadora Ana Rita (PTES), anunciou no final de abril que o prazo pode ser prorrogado para o aprofundamento das investigações.

* Nome fictício

 

Conheça a pesquisa

Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado, da Fundação Perseu Abramo, em parceria com o SESC