A sanção da Lei 12527/2011 —mais conhecida como Lei do Acesso à Informação ou Lei da Transparência— foi recebida com certa resistência por parte de determinados setores do funcionalismo público.

Pela lei, toda instituição pública deve divulgar “a remuneração e subsídio recebidos por ocupante de cargo, posto, graduação, função e emprego público, incluindo auxílios, ajudas de custo, jetons e quaisquer outras vantagens pecuniárias, bem como proventos de aposentadoria e pensões daqueles que estiverem na ativa, de maneira individualizada, conforme ato do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão”.

Os que temem a divulgação dos seus vencimentos por receberem supersalários, vantagens indevidas ou valores acima do teto salarial são justamente o alvo principal da lei —que possui esse caráter de auxiliar na fiscalização e, portanto, no combate à corrupção.

Aos demais, é importante notar o caráter de mudança na cultura política nacional. Em se tratando de serviço público, um dos componentes é a publicidade das informações, preceito constitucionalmente estabelecido. Afinal, se é a sociedade que paga o salário do servidor, é razoável que ela tome conhecimento desse valor.

Ocorre que há a ideia latente, difundida mais entre determinadas categorias profissionais de destaque, de sigilo salarial. Essa ideia foi sendo arraigada no imaginário político nacional desde o período colonial, tendo permanecido como prática da elite dominante. Na Ditadura, ganhou força no controle das informações que circulavam dentro e fora do Estado, tendo os métodos de violência colaborado decisivamente para isolar a sociedade dos dados que deveriam ser públicos. Tal ideia sustenta-se, essencialmente, no interesse de usar o aparelho estatal para beneficiar alguns.

Do ponto de vista da cultura política, é contra esse conjunto historicamente assentado que a nova lei vai atuar, tendo potencial de, na próxima década, inovar e produzir novas práticas de relação entre Estado e sociedade. É um grande avanço no controle dos atos públicos pelos cidadãos, sem dúvida, mas igualmente na valorização do serviço público, porque permite reconhecer o funcionalismo pelo que recebe.

De sua parte, mostrando sua total sintonia com a nova lei e seus objetivos, o Executivo Federal publicou decreto determinando a divulgação das informações. Inclusive, já na instituição da Comissão da Verdade, ocorrida no mesmo dia em que entrou em vigor a Lei da Transparência, foi divulgado quanto cada um dos sete integrantes receberá para desempenhar suas tarefas: R$ 11.179,36.

Foram criados também os Serviços de Informações ao Cidadão (SICs), um para cada órgão público federal, que terão a responsabilidade de receber, tramitar e responder aos pedidos de divulgação de informações.

A associação do que fixa a nova lei com a digitalização das informações públicas tem enorme potencial para, num futuro breve, ampliar o poder de controle da sociedade sobre o uso do dinheiro público. Mas também ampliará o controle sobre os programas e objetivos dos governos, ou seja, melhorará os mecanismos de participação e controle social para além do direito de eleger e de votar. Esse é um importante aperfeiçoamento em nossas instituições, que fortalecerá o ambiente democrático.

Para chegarmos lá, é preciso que a sociedade e as autoridades responsáveis, após um período para adaptações à nova lei, cobrem dos órgãos públicos o respeito aos novos preceitos legais de transparência. A imprensa também tem um papel importante nisso, seja a dos meios tradicionais, seja a digital, que hoje já exerce um controle social muito maior do que há uma década.

O caminho é insistir para que essa nova legislação seja disseminada, incorporada e enraizada no dia a dia da máquina pública, para que de fato possamos quebrar o velho paradigma. Quando falamos em melhorar a gestão pública e reduzir o espaço para a corrupção, leis como a do Acesso à Informação são bons exemplos da direção a ser seguida.

*José Dirceu, 66, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT