O congresso da CUT e a conjuntura política
O 13º Congresso Estadual da CUT-SP é realizado num contexto em que voltam a se reunir amplas condições para derrotar as elites políticas e empresariais que transformaram nosso estado na principal trincheira de oposição ao projeto democrático que avança em escala nacional desde a histórica vitória popular de 2002.
O 13º Congresso Estadual da CUT-SP é realizado num contexto em que voltam a se reunir amplas condições para derrotar as elites políticas e empresariais que transformaram nosso estado na principal trincheira de oposição ao projeto democrático que avança em escala nacional desde a histórica vitória popular de 2002.
Enquanto no plano federal os governos Lula e Dilma possuem como identidade o esforço de retomada do crescimento econômico, com distribuição de renda, recuperação dos salários, ampliação do crédito, geração de empregos, diplomacia soberana, combate à miséria e disposição ao diálogo com os movimentos sociais, a hegemonia tucana em São Paulo persiste há 17 anos impondo a conservadora agenda neoliberal.
Os dois projetos são absolutamente opostos. No âmbito nacional, cresce a percepção entre os trabalhadores de que, após cinco séculos de dominação elitista, o imperativo democrático de observar os interesses dos mais pobres começa a ser levado em conta. Embora o ritmo dos avanços no plano federal não responda a todos os anseios e demandas dos setores mais organizados e conscientes da classe trabalhadora, do movimento sindical e das organizações populares, o antagonismo entre os dois projetos é evidente.
Pela primeira vez em nossa história, vai se consolidando no Brasil um novo modelo político, econômico e social. Seu eixo principal está orientado pelos princípios da inclusão e distribuição de riquezas. O desemprego que pautou como pesadelo as décadas de 1980 e 1990, dá lugar a vários segmentos de pleno emprego. A massa salarial cresce, ao mesmo tempo em que os trabalhadores exigiram e conquistaram regras apontando na direção de um salário mínimo que chegue aos patamares de dignidade propostos pelo Dieese e pela OIT. A nação descobre o potencial de seu mercado interno.
O Brasil deixou para trás os vínculos de subordinação financeira ao FMI e ao Banco Mundial. Tornou-se credor líquido em divisas, atrai capitais e investimentos num fluxo até maior que o desejável. Desempenhou um papel decisivo no sepultamento do projeto Alca e lidera nos organismos regionais a quebra do odioso bloqueio imposto pelos Estados Unidos na OEA contra Cuba, assim como rechaça as aventuras golpistas que forças reacionárias do Brasil e dos países vizinhos lançam contra governos de esquerda que se multiplicam na área.
Erros cometidos pelo governo federal na aplicação da política econômica são prontamente denunciados pela CUT e pelos sindicatos combativos, gerando quase sempre respostas positivas. As escorchantes taxas de juros começam a ser, finalmente, enfrentadas pelas autoridades da área. O Banco Central deixa de atuar como cavalo de Tróia para obstruir o crescimento. Os riscos de desindustrialização passam a ser enfrentados com medidas que apostam no fortalecimento do mercado interno e na crescente utilização de componentes nacionais, regras indispensáveis para garantir empregos e consolidar nossa capacidade exportadora.
Uma parcela expressiva da timidez e dos limites criticados pela CUT nas políticas do governo federal decorre das poderosas pressões exercidas por uma coalizão parlamentar que, em sua maioria, está presa à velha cultura política do fisiologismo. Chantagens de todo tipo em cada votação de matérias de interesse do governo, distribuição de cargos, liberação de emendas e verbas formam a rotina de um Legislativo cujo equilíbrio aponta um parlamentar fiel aos preceitos programáticos e sentimentos de honestidade para cada três ou quatro viciados em métodos corruptos.
O Poder Judiciário, por sua vez, incorre como regra geral nessa mesma conduta conservadora. Seu papel de freio e contrapeso aos avanços democratizantes tem sido pouco discutido na série histórica dos congressos cutistas. Trata-se de fazê-lo agora, com vigor e urgência, direcionando contra esse poder a justa carga das cobranças e denuncias que, anteriormente, os movimentos populares costumavam endereçar apenas aos poderes Executivo e Legislativo.
É mais que hora de acusar o Poder Judiciário de abandonar sua verdadeira atribuição constitucional – ser guardião das leis e da Carta Maior – e de invadir o território das decisões legislativas, judicializando controvérsias que são eminentemente políticas. Seus integrantes costumam valorizar o fato de ser o Judiciário o único poder republicano que não precisa do voto popular, transformando em virtude aquilo que configura seu grande déficit democrático. Isso quando não promove, como agora no Tribunal de Justiça de São Paulo, escândalos de distribuição de regalias salariais de todo tipo, ou maracutaias sobre obras faraônicas, como no episódio que levou o juiz Lalau para a cadeia.
Acima da pressão conservadora exercida pelas bandas podres do parlamento ou por determinadas áreas do Poder Judiciário, despontam como força de conspiração contra o projeto democrático, de centro-esquerda, capitaneado por Lula e Dilma, os monopólios da mídia. Capturados por um pequeno grupo de famílias ou seitas, as emissoras de TV e rádio, os jornais e revistas violam todos os manuais de redação e princípios do jornalismo objetivo para atuarem como verdadeiros instrumentos partidários, sem disfarçar seu engajamento no apoio a candidaturas da direita.
Atrapalhados apenas pela crescente resistência que se amplia a cada ano na internet e redes sociais (novidade que pode neutralizar boa parcela de seu poder manipulador), os grandes meios de comunicação de massa – com honrosas e poucas exceções –, não toleram qualquer limite ao seu trabalho de distorcer, desinformar e mentir. Adulteram o sagrado preceito democrático da liberdade de imprensa para apresentar como se fosse direito constitucional a utilização de sorrateiros ataques contra a reputação de lideranças políticas e instituições vinculadas ao campo popular e democrático. Ao mesmo tempo, não tem o menor pudor em acobertar a corrupção revelada em episódios envolvendo as forças partidárias da direita.
Da mesma forma que nas eleições de 1989 – todos se lembram – Collor foi imposto presidente na base de uma grosseira manipulação pela mídia, acaba de ser desmascarado, com Demóstenes Torres, Carlinhos Cachoeira, Marconi Perillo e outros corruptos, o envolvimento direto da revista Veja com um dos mais importantes chefes do crime organizado em nosso país. O episódio desmascara duas graves patologias: a do senador do DEM que se apresentava como vestal do combate à corrupção (quando na verdade agia como mero empregado da quadrilha de Cachoeira) e da revista semanal que finge o mesmo empenho moralizador para, na verdade, disputar negócios e fragilizar as forças políticas de centro-esquerda.
A CPI mista que investigará a teia de corrupção envolvendo o bando de Cachoeira e Demóstenes, com tentáculos atingindo até mesmo altas esferas do Poder Judiciário, enfrentou um escandaloso esforço da mídia para impedir sua criação. Jornais e revistas não tiveram qualquer escrúpulo em confessar o medo de as investigações atingirem suas próprias entranhas. Seu método farsante – desmascarado desta vez – foi o emprego de uma barragem de desinformações mediante noticiário opinativo, análises distorcidas e um verdadeiro show de mentiras.
É a primeira vez nos últimos anos que um mecanismo institucional dessa envergadura nasce sem o carimbo de armação entre a mídia hegemônica e a direita para encurralar as forças de centro-esquerda. Dessa CPI podem resultar pelo menos dois importantes avanços. O primeiro é ampliar a compreensão de que a democracia brasileira não seguirá avançando enquanto os meios de comunicação não passarem pelos necessários ajustes de regulação que a Constituição de 1988 apontou mas ainda não concretizou, passados já 24 anos.
O outro passo adiante que a CPI pode propiciar é ampliar a constatação de que, mantidas as regras atuais que normatizam a vida partidária e eleitoral, o Brasil seguirá chafurdando em intermináveis escândalos de corrupção que não deixam e não deixarão ninguém a salvo. Financiamento público exclusivo de campanhas, voto em lista e outros mecanismos de fidelidade partidária estão entre as mudanças indispensáveis ao saneamento do atual sistema, avanços aos quais muitos senadores como Demóstenes e a grande mídia solidária com os crimes da revista Veja seguirão se opondo ferozmente.
No cenário estadual de São Paulo, pode-se afirmar, como resumo, que a envelhecida dominação tucana sobre a população de nosso estado se apoia, dessa forma, em quatro pilares centrais. O primeiro deles é sua identidade programática com os interesses de classe do grande capital (financeiro, industrial, comercial e agrário), que mantém aqui sua mais forte trincheira.
Desdenhando até mesmo o fato de que o lucro de suas empresas cresceu muito mais com a retomada econômica conseguida por Lula do que na maré recessiva que marcou o período FHC, o grande capital não se permite qualquer descuido a respeito de seus verdadeiros interesses, sabendo que em última instância o projeto de Brasil liderado por Lula e Dilma enfraquece as bases de seu domínio político secular. Os grandes empresários podem adular algumas iniciativas desses dois presidentes, mas não abrem mão de uma implacável postura de inimigos políticos e adversários eleitorais.
O segundo pilar se ergue em torno da sólida maioria legislativa no âmbito paulista, mantida às custas de campanhas eleitorais milionárias, fartamente supridas por aquele primeiro pilar. Como verdadeiro rolo compressor, o Executivo estadual bloqueia todas as tentativas de aprovar leis em sintonia com os programas federais de inclusão social e ampliação da democracia, assim como abafa investigações sobre escândalos e falcatruas, das quais o exemplo mais recente foi a denúncia do deputado Roque Barbieri sobre emendas parlamentares, que pôs a nu o verdadeiro mecanismo de controle tucano sobre o Legislativo de São Paulo.
A subserviência do Judiciário paulista ao mesmo projeto partidário é o terceiro componente estrutural do jogo antidemocrático. Com as honrosas exceções de sempre, a magistratura estadual se orgulha de seu longo passado de conservadorismo malufista e de apoio incondicional à Ditadura Militar. Não escapa dessa mesma foto comprometedora o Ministério Público local, aguerrido ao denunciar problemas envolvendo lideranças partidárias e gestores de esquerda e cúmplice frente a irregularidades e colapsos administrativos que se repetem às dúzias na gestão estadual tucana.
A descarada blindagem oferecida pela mídia monopolista a esse projeto conservador costura os três pilares mencionados e ergue uma verdadeira muralha para impedir o crescimento do sentimento político oposicionista no estado. Isso explica, em grande medida, o fato de São Paulo ser apontado como o menos brasileiro dos estados brasileiros nos dias de hoje, em tudo o que se refere à priorização do social como alavanca do fortalecimento da democracia em nosso país.
Golpeado no âmbito federal, segue predominando na elite paulista o pensamento neoliberal que já redundou em fracassos desastrosos no Brasil e no mundo inteiro. Conscientes de que a ruinosa agenda do Estado Mínimo e das privatizações desenfreadas perdeu consistência, os tucanos paulistas lançam mão de ardis como as chamadas Organizações Sociais, que permitem retirar do SUS e entregar a grupos particulares 25% dos leitos hospitalares no estado. A terceirização dispara como eixo medíocre de seu modelo gestor, festejado pela mídia mesmo quando promove crateras como a do Metrô, em Pinheiros, ou inundações a qualquer chuva mais forte, colapso na distribuição de material didático nas escolas, pane completa na mobilidade urbana.
Em São Paulo, as elites repetem, dessa forma, a estratégia já aplicada nos anos 90 para privatização do Banespa e outras agências potenciais de fomento, assim como o governo tucano coordenou no âmbito federal, entre 1995 e 2002 o cronograma da privataria. Primeiro, a asfixia pelo corte de verbas; em seguida, manipulação pela mídia do descontentamento popular frente à qualidade dos serviços sucateados; por último, injeção sorrateira de recursos para sanear o patrimônio a ser entregue às forças do mercado. Em resumo: parceria com capitais privados para debilitar o Estado como indutor e regulador do desenvolvimento, ganhando em troca sustentação política pelas grandes corporações e todo o dinheiro necessário para suas campanhas eleitorais. A Nossa Caixa só não foi entregue ao Itaú devido à rápida intervenção do governo Lula através do Banco do Brasil.
A mesma couraça que impediu, até hoje, a população paulista de abraçar com vigor as idéias de renovação política também adiou por 13 anos a vitória de Lula nas eleições para a Presidência da República. Mas, assim como chegou o momento de ruptura no âmbito federal com as eleições de 2002, multiplicam-se hoje os sinais de que soou a hora de dizer basta ao predomínio político conservador em São Paulo.
As eleições municipais de 2012 no estado de São Paulo – com ênfase na capital – representam uma batalha decisiva nessa direção. Seu resultado projetará em grande medida o equilíbrio de forças rumo à disputa mais decisiva de 2014. Cabe conjugar adequadamente a pressão das mobilizações sociais e sindicais prioritárias para a classe trabalhadora – já formuladas como síntese na Plataforma da CUT Estadual de 2010 – com uma participação vigorosa na disputa eleitoral dos municípios. Dessa conjugação dependerá uma boa parte dos desdobramentos conjunturais em escala nacional, seja no sentido de fortalecer o projeto histórico da CUT rumo a uma sociedade sem dominações, seja no sentido de ampliar os riscos de um retrocesso repressivo. O registro dos últimos 30 anos mostra que os resultados eleitorais sempre dependem do clima de maior ou menor mobilização social em cada momento, com ênfase para as grandes campanhas sindicais e salariais.
É preciso atentar para um aspecto peculiar e pouco discutido, mas crucial na disputa de 2012. Se, por um lado, a blindagem que a mídia oferece aos tucanos lhes traz vantagens óbvias, também produz neles – ao mesmo tempo e paradoxalmente – uma completa cegueira política a respeito das muitas vulnerabilidades da gestão PSDB e do surdo descontentamento popular que se avoluma. Cresce a olhos vistos a percepção sobre a verdadeira fadiga de material que recobre toda a carcaça tucana. Já não é possível disfarçar fissuras, rachaduras e fortes sinais de esgotamento.
Protegidos contra qualquer crítica, personalidades autoritárias como Serra e Alckmin se convencem de que seu governo é muito melhor do que realmente é. Descuidam da eficiência administrativa, reduzem sua sensibilidade social e desprezam o diálogo com as forças adversárias, elementos que são indispensáveis no ambiente democrático que começa a ser construído no Brasil a duras penas. Tentam se apresentar como portadores de uma excelência gerencial que, no fundo, não resiste a poucos minutos de uma análise crítica e objetiva. Sua prepotência gera práticas políticas caracterizadas pela inércia, pela mesmice e pela fragmentação decorrente da disputa vaidosa entre estrelas (Serra x Aécio; Serra x Alckmin etc) unificados tão-somente pelo fato de não possuírem um projeto nacional portador de consistência.
Abordando em visão panorâmica cada uma das políticas de governo no cenário paulista, fica evidente que nos transportes públicos, por exemplo, para muito além do desgaste trazido pelos pedágios rodoviários com preços abusivos; para muito além do abafa que acobertou o desmoronamento do Metrô em Pinheiros, é possível detectar um sentimento crescente de que, nas grandes metrópoles paulistas, vivemos um verdadeiro apagão no sistema, não apenas no de passageiros, mas também no de cargas. Transportadores de combustível acabam de realizar uma inédita greve que por pouco não levou a região metropolitana de São Paulo ao limite do caos.
Congestionamentos diários obrigam o trabalhador a despender três, quatro e até cinco horas para deslocamento entre residência e emprego. O viés privatista e o furor terceirizante dos gestores tucanos (e de seus aliados como Kassab) termina resultando em panes que se tornam rotina nos trens e Metrô, não estando afastada a possibilidade de se registrarem ali explosões semelhantes às ocorridas entre os trabalhadores de Jirau, em Rondônia.
Em abril deste ano registraram-se mais de 40 panes nos trens metropolitanos de transportes de passageiros, o que demonstra a incompetência gerencial tucana e completa surdez política diante do grito representado pela raivosa reação popular na estação de Francisco Morato no mês anterior. Obras estratégicas como o Rodoanel e Ferroanel só avançam quando a União aporta recursos vultosos para dobrar a má-vontade tucana com qualquer possibilidade de parceria federal.
Os semáforos da capital paulista não resistem a poucos minutos de chuva. A classe média que majoritariamente votou em Serra, Kassab e Alckmin não suporta mais permanecer por horas a fio aprisionada num trânsito que fica entupido a qualquer hora do dia. O Metrô perdeu, há muito, a condição de vitrine para converter-se em vidraça de uma população que não aceita ser espremida como gado em embarques e transferências que já demoram muito mais que o tempo da viagem. A blindagem oferecida pela mídia hegemônica anuncia diariamente dezenas de quilômetros novos a serem construídos, tentando camuflar a ineficiência e a morosidade burocrática que faz adiar a entrega de estações já prontas e paralisa processos de licitação, sempre cercados de denúncias jamais apuradas.
Na área da Segurança Pública, a mídia já não consegue abafar a constatação de que se alastram crimes como a explosão de caixas eletrônicos, arrastões em condomínios de luxo e outros redutos residenciais do próprio eleitorado tucano, assaltos a restaurantes da alta classe média em bairros charmosos da capital. Regiões inteiras do interior foram invadidas pela construção em série de dezenas de penitenciárias, política essa que é inócua para reduzir índices de violência, muito dispendiosa em recursos financeiros e agressiva para as cidades que são invadidas pela construção de mostrengos em série, que sempre acabam atraindo maior criminalidade para a região.
Três décadas de normalidade constitucional democrática não foram suficientes para que a unidade federativa mais rica da nação constituísse uma força policial a salvo da corrupção e do crime organizado. Práticas de tortura se perpetuam e altos oficiais são vinculados aos grupos de extermínio. O conluio entre Executivo, Judiciário, Ministério Público e mídia para garantir impunidade em episódios criminosos como o massacre do Carandiru (1992), Castelinho (2002) e a chacina de adolescentes em maio de 2006 (vingança aleatória após os ataques do PCC) gera um ambiente que estimula a perpetuação de práticas viciadas entre agentes da área, violação de Direitos Humanos e completa ineficiência na redução dos níveis de criminalidade.
Na área da Saúde, a contraface da essência neoliberal que está presente na própria concepção das Organizações Sociais – a quem se terceiriza uma responsabilidade pública tão grave quanto é a defesa da própria vida dos cidadãos – está nos aviltantes salários dos profissionais das carreiras de estado: médicos, enfermeiros, psicólogos, paramédicos, todos os postos de administração e serviços gerais. A corajosa greve e as fortes manifestações sustentadas pelos trabalhadores do SindiSaúde em abril deste ano conseguiram desmascarar a truculência da gestão tucana estampando o escandaloso valor de R$ 4,00 para um vale-refeição – congelado há 12 anos –, que sequer atinge o preço de uma coxinha em alguns bairros.
A truculenta atitude das gestões tucanas na área da Educação, no que diz respeito às negociações com a combativa categoria dos professores já está firmada na memória histórica através das fotos e imagens mostrando policiais agredindo manifestantes e grevistas em justas mobilizações em defesa da qualidade do ensino. As recentes sinalizações do governo estadual no sentido de evoluir para um comportamento mais civilizado ainda precisam vencer a prova do tempo e do ambiente eleitoral imediato, que produz lances de marketing tão artificiais quanto fugazes. Os professores estaduais e municipais já voltam a ocupar as ruas da capital clamando pelo respeito à sua dignidade profissional e salarial.
Enquanto o Brasil expandiu em dez vezes, a partir do governo Lula, os recursos destinados à agricultura familiar, que se tornou capaz de arcar com a produção de 70% dos alimentos consumidos no país, a política agrícola e fundiária do governo paulista se limita às parcerias com o agronegócio. O rolo compressor da Assembléia Legislativa já foi posto em movimento para aprovar uma lei de regularização de terras que legaliza as grilagens promovidas por fazendeiros e aventureiros de todo tipo desde o regime militar, especialmente no Oeste do estado e no Pontal do Paranapanema. Os trabalhadores rurais sem terra são criminalizados e perseguidos raivosamente por agentes policiais e membros do Judiciário, inexistindo qualquer diálogo ou negociação séria entre segmentos do governo e lideranças populares para acatar demandas justas.
No campo do desenvolvimento econômico também é fácil apontar números que desmascaram a eficiência em gestão que os tucanos apregoam. Documentos anteriores da CUT-SP já apontaram a queda persistente do poderio industrial paulista, ano a ano, na composição do PIB setorial nacional, declinando de quase 50% há 20 anos para pouco mais de 30% na atualidade. Algumas grandes montadoras ou indústrias de autopeças só não desativam ou transferem determinadas plantas graças à resistência tenaz e à hábil postura de negociação adotada pelos sindicatos da CUT. Gargalos na infraestrutura produtiva e particularmente no sistema de geração e distribuição de energia passam a funcionar como teto para novos avanços econômicos.
Enquanto o governo federal atende às pressões do movimento sindical e de segmentos empresariais preocupados com a desindustrialização, anunciando programas de impacto como o Plano Brasil Maior, o governo tucano de São Paulo se condena ao imobilismo pelo medo de ser absorvido pelas iniciativas desenvolvimentistas de Brasília. Permanece imóvel em face da fraudulenta guerra fiscal adotada por outros estados dirigidos por forças de direita que desprezam os interesses maiores do País, chegando algumas vezes a apoiá-la, com prejuízos econômicos ao estado, pelo simples fato de que essa guerra traz algum desgaste político para o governo federal.
Em resumo, o tucanato paulista persiste aplicando teimosamente os dogmas neoliberais que repelem qualquer intervenção do poder público como indutor do desenvolvimento. Ainda segue acreditando piamente que o mercado organiza sozinho o crescimento econômico, no que ignora as importantes lições que o Brasil extraiu do enfrentamento da crise mundial de 2008, que ainda projeta seus desdobramentos nos dias de hoje.
A respeito dos preparativos para a Copa do Mundo de 2014, por exemplo, o governo estadual colocou o seu mesquinho interesse partidário acima dos interesses de São Paulo e do Brasil, de tal forma que a maior cidade do país só não ficou excluída dos jogos e de sua abertura festiva pela intervenção direta do presidente Lula, que agiu para evitar mais esse desastre administrativo. O PSDB repetiu, assim, a posição arrogante que já tinha levado Serra a manter São Paulo como único estado fora do Sistema Único de Segurança Pública (que supre as unidades federativas com importantes verbas federais) até ser obrigado a fazê-lo, às pressas, em maio de 2006, quando já era governador Claudio Lembo e o PCC encurralava o aparelho de segurança no estado.
O recente ciclo de sucateamento da TV Cultura, com demissão em massa de profissionais de imprensa e corte de recursos, deve ser apontado como tentativa de ressuscitar nessa área o cadáver do programa neoliberal privatizante, abandonando o poder público o seu papel e suas responsabilidades no campo da informação, bem como desrespeitando o direito a programas educativos, de entretenimento e fruição cultural que a Constituição da República assegura aos cidadãos brasileiros e paulistas.
Todas as áreas de governo da gestão estadual tucana (Meio Ambiente, Justiça, Cultura, Detran, Direitos da Criança, Igualdade Racial, Equidade de Gênero etc) poderiam ser submetidas a uma descrição individualizada a respeito de suas insuficiências, erros e desastres. Mas a crítica mais abrangente que sintetiza toda a análise está na índole antidemocrática que desponta como principal essência das gestões Serra e Alckmin. Passo a passo, gradualmente o PSDB se associou às forças políticas mais à direita no cenário político, chegando ao ponto de incorporar muitos aspectos da ideologia reacionária predominante durante a ditadura, reduzindo oposicionistas daquele período, como Mário Covas e Franco Montoro em simples retratos esquecidos na parede.
A síntese mais completa do teor antidemocrático e repressivo das gestões tucanas e kassabistas em São Paulo pode ser colhida na truculência exibida em três episódios recentes de elevado impacto político: USP, Cracolândia, Pinheirinho. No primeiro caso, o desprezo tucano pela Educação em geral e pela universidade pública em particular se concretiza na indicação de um reitor que transforma o território inviolável do campus em praça de guerra para uma PM descontrolada, que agride, dispara bombas e projéteis contra manifestantes desarmados, provoca ferimentos graves, prende e perpetua abordagens preconceituosas e racistas.
No episódio Cracolândia, a chamada política de higienização que Kassab já tinha adotado contra moradores de rua (jatos de água fria sobre mendigos dormindo em viadutos durante a madrugada) se generalizou na grotesca operação militar montada pelos governos do estado e da capital, nos primeiros dias de janeiro deste ano, contra miseráveis consumidos pela droga – quase todos jovens e adolescentes extremamente pobres –, reduzindo uma delicada questão de saúde mental e Direitos Humanos em peça de marketing para seduzir as mentalidades mais reacionárias da sociedade. Como resultado concreto, conseguiu-se como saldo a transformação de uma Cracolândia única em 20 ou 30 Cracolândias menores, espalhadas por toda a região metropolitana.
Na ocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos, a violência repressiva da PM de Alckmin estampou novamente o forte conluio estabelecido entre os poderes executivos estadual e municipal, o Judiciário, a mídia e interesses empresariais especulativos para violar um direito constitucional inquestionável como é a moradia. Ficou mais uma vez patente a atitude do governo estadual de total desrespeito para com a vida de milhares de mulheres, homens, idosos e crianças que mantinham há muitos anos, pelo recurso legítimo à ocupação de uma terra ociosa, um lar humilde como abrigo para seguir na luta por uma sobrevivência digna.
O 13º Congresso da CUT-SP vale como momento precioso de reflexão e debate em torno desse lamentável estado de coisas, armando-se a partir dessa análise um plano de lutas que oriente a classe trabalhadora a concretizar as vitórias políticas, sindicais e salariais que estão abertas como possibilidade real nesse contexto de esgotamento da hegemonia tucana em São Paulo.
As eleições municipais de outubro, além de valerem como prévia da disputa nacional de 2014, oferecem amplo terreno para o fortalecimento das bandeiras centrais da CUT, apresentadas logo após o balanço da gestão. A eleição de prefeitos e prefeitas, vereadores e vereadoras identificados com esse conjunto de bandeiras abrirá espaços mais largos – com ênfase nas áreas de maior presença da CUT, como a capital, ABC e região metropolitana, Vale do Paraíba e Baixada Santista – para avanços imediatos rumo à concretização de todos os pontos de nossa plataforma de lutas.
Valerá também como esforço de legítima defesa contra candidaturas de uma nova direita que, já na campanha presidencial de José Serra, em 2010, abandonou qualquer verniz de moderação para assumir feições de um raivoso projeto reacionário, voltado para a anulação dos avanços que a classe trabalhadora brasileira conseguiu garantir, a duras penas, ao preço de lutas difíceis, prisões, demissões, processos judiciais, perseguições e mortes, no rumo da construção de uma sociedade sem nenhum tipo de exploração ou dominação.
Em qualquer hipótese, o resultado geral das lutas planejadas neste 13º CECUT para os próximos três anos, coincidindo ou não com os calendários de eleições municipais e nacionais, dependerá do avanço no grau de organização de nossos sindicatos a partir dos locais de trabalho, de nossa combatividade, de nossa garra militante, de uma lúcida avaliação de cada conjuntura para estabelecer táticas vitoriosas nos diferentes contextos. Sobretudo, dependerá da superação radical de uma certa descrença na possibilidade de vitória que algumas vezes se faz presente em nossos debates e mobilizações no estado de São Paulo.
*Paulo Vannuchi é jornalista. Ocupou o cargo de Ministro de Direitos Humanos de 2005 a 2010.