Eleições em países europeus podem dar início ao enfrentamento da crise com retomada do crescimento e políticas sociais. Na América Latina e Brasil há desafios importantes para processo político progressista, podendo criar transformações importantes

  


Eleições em países europeus podem dar início ao enfrentamento da crise com retomada do crescimento e políticas sociais. Na América Latina e Brasil há desafios importantes para processo político progressista, podendo criar transformações importantes

  
No dia 6 de maio confirmou-se a eleição de François Hollande, do Partido Socialista, como presidente da França, com início do mandato em 15 de maio. A “inevitabilidade” da política de austeridade francesa e europeia adotada para supostamente enfrentar a crise econômica foi questionada por Hollande durante a campanha. Esse posicionamento e a perspectiva de sua vitória já vinham provocando algumas declarações entre os próprios defensores da austeridade sobre a necessidade de combiná-la com a retomada do crescimento econômico como forma de diferenciar o discurso que os neoliberais vinham apresentando até então. No entanto, o tema do crescimento e políticas públicas deve entrar com consistência na agenda, pois a combinação de austeridade, recessão e desemprego evidentemente não produzirá nada de positivo para superar a crise.

Além desse importante resultado eleitoral dos socialistas franceses, há outros fatos recentes na conjuntura que questionam a austeridade e as políticas neoliberais que se instauraram na Europa, particularmente nos países do sul do continente: as vigorosas manifestações de trabalhadores em vários países contra essas políticas e a votação relevante no Partido da Esquerda Francesa, liderado por Jean-Luc Melénchon, assim como os três partidos gregos de esquerda, tendo um deles, o Siryza, chegado em segundo lugar na eleição.

Os partidos que impuseram as medidas de austeridade propostas pela Troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia) à Grécia foram derrotados, mas o resultado não permitiu que nenhum dos três mais votados – o Nova Democracia (direita), o Siryza (esquerda) e o Pasok (social-democrata) – conseguisse formar o novo governo, pois as negociações se deram em torno da manutenção ou não do acordo com a União Europeia que implicou as mazelas econômicas e sociais que hoje afligem o povo grego. Somente o Nova Democracia e o Pasok, que formavam a coligação governamental, defenderam a manutenção da política de austeridade, mas mesmo somando seus votos lhes faltaram duas cadeiras para obter maioria no Parlamento que possibilitasse compor o governo. A maioria das cadeiras (50% +1) foi distribuída entre três partidos de esquerda, um partido nacionalista de direita e um de extrema-direita, que conseguiu romper a cláusula de barreira e ingressar no Parlamento pela primeira vez. Esse amplo espectro ideológico também não impossibilitaria qualquer tipo de acordo. Assim, deve haver novas eleições proximamente.

O quadro político na França permite que o conjunto dos partidos progressistas alcance bom resultado também nas eleições parlamentares em junho próximo, ampliando as possibilidades de enfrentamento da crise por meio da retomada do crescimento econômico e do fortalecimento das políticas sociais. As eventuais novas eleições na Grécia, por sua vez, poderão beneficiar igualmente a esquerda para questionar a atual política econômica da União Europeia.

No entanto, cabe registrar a preocupação com o crescimento da extrema-direita nesses dois países e em outros da Europa. Eles têm conquistado votos principalmente entre os trabalhadores menos qualificados e pequenos produtores rurais e urbanos com base, principalmente, na responsabilização dos imigrantes pelos problemas econômicos e sociais no continente.

Mesmo considerando as diferentes realidades nacionais, esses resultados eleitorais reforçam a oposição ao neoliberalismo e coloca para o governo brasileiro, o PT e demais forças de esquerda do país a possibilidade de incidir nos debates partidários e sociais internacionais sobre o enfrentamento da crise, defendendo a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável com distribuição de renda e justiça social que conte com a decisiva participação do Estado.
Na América Latina o processo político progressista passa por desafios importantes devido aos efeitos da crise econômica no continente, do amadurecimento das políticas adotadas nos últimos anos e de eleições em dois países de grande simbologia: México e Venezuela. No primeiro, trata-se da possibilidade de haver ou não mudanças políticas relevantes nas eleições de julho em um país com economia fortemente atrelada aos EUA e onde a direita detém muita força. No segundo, trata-se do país onde, ainda em 1998, foi eleito o primeiro presidente de esquerda do atual grupo de governos antineoliberais no continente, Hugo Chávez, que disputará a reeleição em outubro contra uma coalizão de partidos de oposição encabeçada por um candidato que esteve envolvido no golpe de 2002.

A herança histórica de iniquidades no continente é forte e ainda necessitamos de grandes transformações estruturais na América Latina para que a democracia, o desenvolvimento e a justiça social se consolidem de acordo com os interesses da ampla maioria das populações. É fundamental que a dinâmica política não seja regressiva, e o PT deve contribuir com o debate por meio de nossas relações governamentais e partidárias na região, além de impulsionar os fóruns construídos, como Mercosul, Unasul, Celac, Fórum de São Paulo, Aliança Social Continental, entre outros.

Outra discussão a ser feita diz respeito aos cenários possíveis, particularmente para a América Latina e o Brasil, a partir da eleição presidencial norte-americana em novembro próximo, em que concorrerão Barack Obama, candidato à reeleição pelo Partido Democrata, e Mitt Romney, pelo Partido Republicano, embora a candidatura deste somente seja oficializada em agosto.

Grosso modo, nenhum desses cenários é promissor e tampouco sugere mudanças na relação dos EUA com a América Latina. Apesar das críticas republicanas à “omissão” do presidente americano em relação a assuntos de segurança e política externa, a atual política dos Estados Unidos tem sido extremamente agressiva, conforme demonstram a ampliação do número de ataques com aviões não tripulados no Afeganistão, Paquistão e outros e as ações de tropas de elite, sem falar no envolvimento dos EUA com a derrubada do governo Kadafi, na Líbia.

A política adotada no enfrentamento da crise econômica não se diferenciou daquela posta em prática ainda durante o governo republicano de George Bush, socorrendo bancos, isentando empresas e milionários de impostos e aprofundando a desvalorização do dólar para aumentar a competitividade dos produtos americanos no comércio mundial, à qual se soma o tradicional protecionismo, conforme pudemos ver recentemente com o cancelamento do contrato de compra de aviões da Embraer pela Força Aérea americana.

Por outro lado, assim como durante o governo Bush, a América do Sul também não fez parte da lista de prioridades da política externa dos EUA no atual governo democrata, salvo pelo acordo militar com a Colômbia, supostamente para combater o narcotráfico, mas utilizado para outros fins, como a repressão à guerrilha.

Recentemente houve, por insistência do governo americano, uma nova Cúpula de Chefes de Estado das Américas, que, no entanto, foi inconclusiva e poderá ter sido a última do gênero, principalmente se houver a tentativa de realizar novo evento semelhante com a exclusão de Cuba, na opinião da maioria dos governos participantes.
Salvo se o tema dos imigrantes latino-americanos nos Estados Unidos ganhar maior relevância na conjuntura, provavelmente não será dado maior peso às relações do governo americano com a América Latina, seja no cenário de vitória democrata, seja no de vitória republicana, o que é bom para o continente.

Por fim, tampouco deverá haver alterações significativas na correlação de forças bipartidárias no Congresso Americano nas eleições de novembro, o que manterá vários constrangimentos para Obama se ele se reeleger. 

No Brasil o momento é favorável para um avanço em direção a transformações importantes, particularmente a partir das iniciativas que o governo tem adotado na área econômica para reduzir o spread bancário e as taxas de juros, bem como a investigação que o Congresso Nacional iniciou sobre o envolvimento do crime organizado com agentes públicos e privados, entre esses e setores da mídia nacional, por intermédio da CPI do Cachoeira.

O depoimento inaugural à CPI sugere a omissão do procurador-geral da República em relação às primeiras investigações criminais ainda em 2009. Sua reação, lançando acusações públicas e infundadas aos que solicitam explicações, e a solidariedade que recebeu de membros do STF com os mesmos argumentos sugerem que seus esclarecimentos são ainda mais devidos, sob pena de colocar também o Poder Judiciário sob suspeita de prevaricação.

Todavia, é notória a articulação do setor rentista brasileiro, representado pelo sistema financeiro, e dos meios de comunicação, ambos tradicionalmente dominados por meia dúzia de famílias. Quando surgiu a proposta do governo de utilizar os bancos públicos para provocar a competição entre instituições bancárias por meio da redução do spread, os meios de comunicação deram grande repercussão à alegação da Febraban de que o impedimento para a diminuição dos custos financeiros era a alta inadimplência. Além de ser uma falácia que esta seja demasiadamente elevada, há sazonalidade em sua variação, conforme os dados que apontam certa elevação sempre que os anos se iniciam. Entretanto, um dos motivos de sua existência é obviamente o alto custo de empréstimos e do crédito em geral, e assim a queda das taxas de juros poderá, inclusive, reduzi-la.
A redução das taxas de juros tem impactos importantes na política econômica, sobretudo no financiamento de longo prazo do desenvolvimento. Embora a taxa de investimento no Brasil nos últimos anos tenha crescido mais que o PIB, chegando hoje a 19% deste, ainda assim é insuficiente, e os investimentos necessários para ampliar a produção não devem depender exclusivamente do BNDES.

A CPI não pode se furtar de convocar todos os segmentos suspeitos de envolvimento com o esquema “Cachoeira”. São várias empresas privadas, inclusive a Editora Abril.

A consequência desse debate que lida com dois tabus, a mídia e o setor financeiro, deveria ser o fortalecimento da democracia com a introdução de maior pluralidade e diversidade não apenas nos meios de comunicação no Brasil, mas também no sistema bancário cada vez mais oligopolizado, sem falar o reforço à reforma política, em particular, o financiamento público de campanhas eleitorais.

A luta pelo marco regulatório dos meios de comunicação deve ser tomada como uma das tarefas mais importantes da conjuntura e é fundamental também a discussão sobre como o sistema financeiro pode ser diversificado por meio da promoção de novas instituições financeiras, cooperativas de crédito, arranjos de microcrédito, entre outras, inclusive para fortalecer a política de redução de juros e a ampliação dos investimentos para fomentar o desenvolvimento.

O projeto de lei do Marco Civil da Internet, que tramita na Câmara dos Deputados, também demanda acompanhamento ao se relacionar com o marco regulatório dos meios de comunicação. E pode se tornar ainda um fator de fomento adicional do desenvolvimento econômico como alternativa aos projetos americano e europeu para a internet, bem como de enfrentamento à política monopolística da indústria de copyright e das empresas telefônicas.

O empreendedorismo em todos os níveis é relevante para o desenvolvimento nacional, mas merecem atenção especial as pequenas e médias empresas, não somente no que se refere à ampliação de recursos para investimento, já aprovada pelo governo, mas também para que superem os usuais obstáculos da burocracia bancária.
O governo adotou uma política correta na modificação das regras de aplicação da caderneta de poupança, preservando as expectativas dos atuais poupadores, em sua maioria trabalhadores, e evitando que esse instrumento econômico se transforme em fator de especulação no momento da continuidade da redução das taxas básicas de juros, que podem concretamente chegar a patamares reais de 3%, 4% ainda neste ano.

É essencial relacionar as iniciativas no campo econômico com medidas de médio e longo prazo nas políticas sociais, pois estas também se apoiam no fortalecimento da capacidade de investimento. O novo programa de transferência de renda direcionada às mães é um passo importante, mas ainda é preocupante o alto índice de desemprego de quase 30% entre os 10% mais pobres do país, contrastando com o índice de 0,2% entre os 10% mais ricos. O momento é favorável para retomar a proposta de aprovação da Consolidação das Leis Sociais (CLS), de modo a alargar o Estado de Bem-Estar Social brasileiro e tornar permanentes determinados direitos fundamentais.

A presidenta Dilma acaba de anunciar o nome dos membros da Comissão da Verdade e é aguardado o início dos trabalhos de apuração do que ocorreu com centenas de militantes políticos torturados e assassinados pela ditadura de 1964. A verdade sobre o destino deles é condição para que o Brasil se reencontre com sua história, superando a mentira e a ocultação que o regime ditatorial impôs à sociedade. O conhecimento e a divulgação do que aconteceu naquele período fortalecerão a democracia e contribuirão para que nunca mais se repitam aquelas violações de direitos humanos.

Nesse meio tempo, merecem atenção as iniciativas de “escracho” com torturadores e cúmplices da ditadura como forma de a mobilização chamar a atenção da sociedade para o tema e fortalecer os trabalhos da comissão.

Há ainda duas questões de ordem legislativa que exigem a atenção e mobilização da sociedade:

– A votação da PEC do Trabalho Escravo, por representar um instrumento importantíssimo no combate a essa mazela, em adição às iniciativas já adotadas pelos órgãos públicos, pois os responsáveis pela escravização de seres humanos têm de ser penalizados também economicamente, com a desapropriação de suas terras para fins de reforma agrária. No entanto, a bancada ruralista conseguiu postergar mais uma vez o tema sob a alegação de que faltaria definir em lei o conceito de “trabalho forçado/escravo”, apesar de a Convenção 29 da OIT ter sido ratificada pelo Brasil ainda em 1957!

– O veto da presidenta Dilma em relação aos itens do Código Florestal incompatíveis com as posições que setores progressistas que ajudaram a construir a proposta aprovada no Senado Federal. Merece apoio a campanha difundida pela sociedade brasileira: Veta, Dilma!

Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo é composto por economistas, cientistas políticos e dirigentes partidários e lideranças dos movimentos sociais, convidados pela diretoria da FPA periodicamente para discutir acontecimentos nacionais e internacionais e suas consequências na situação política, econômica e social do país. Esse texto é uma síntese de reunião realizada em 7 de maio de 2012