Os grandes bancos estão sendo fortemente criticados nos países desenvolvidos pelos efeitos predatórios de seu comportamento irresponsável na busca obsessiva de lucros – uma atitude que desencadeou a crise econômica atual, já transformadas em desastre social, com altos índices de desemprego e piora das condições de vida.

Os bancos têm controlado o poder político e com isto impedem a ação reguladora dos governos. Além disto, tornaram-se tão grandes que não podem falir, sob pena de produzirem uma crise sistêmica, obrigando os governos a arcar com os custos de operações irresponsáveis e, muitas vezes, fraudulentas. Não é de admirar que tenham crescido as demandas em defesa da estatização dos sistemas bancários.

O Brasil assiste ao mesmo comportamento predatório, porém com outras características: retirar renda da população e aumentar a dívida pública. Ambas, mediante a cobrança de juros extorsivos. Para promover tais efeitos, os bancos valem-se de seu poder monopólico. A concentração das operações de crédito comercial num pequeno número de grandes instituições permite-lhes exercer influência generalizada – inclusive sobre os próprios órgãos públicos responsáveis por sua supervisão.

Há poucas semanas, o governo brasileiro tomou, já tardiamente, a decisão de baixar significativamente as taxas de juros cobradas pelos bancos públicos, (Banco do Brasil e Caixa Econômica), com a finalidade de pressionar os bancos privados a seguirem o mesmo caminho. Está deflagrada, agora, uma luta fadada a ter amplos desdobramentos políticos, pois poderosos interesses econômicos estão em jogo.

Trata-se de uma tentativa de corrigir sistema crucial para o país. Sua importância somente pode ser devidamente apreciada com o conhecimento do papel dos bancos comerciais na atividade econômica, e do grande poder que que exercem para estabelecer o custo do dinheiro e auferir lucros cada vez mais vultosos lucros nas operações de crédito.

O dinheiro é em suas duas principais formas – papel-moeda e crédito corrente –, o instrumento utilizado para viabilizar o funcionamento da economia, através dos pagamentos e recebimentos. Seu poder decorre do fato de ser aceito como o único representante geral do valor dos bens e serviços produzidos na sociedade, constituindo-se no poder de compra por excelência.

Tanto o excesso de dinheiro, quanto a escassez, em relação ao volume requerido para as transações, são prejudiciais. No primeiro caso, pode haver estímulo excessivo da atividade econômica, endividamento exagerado, pressões inflacionárias. No segundo, deprime-se a atividade produtiva. Por isto, cabe aos bancos centrais, supervisionar e controlar a concessão de empréstimos pelos bancos e as respectivas taxas de juros e atuar como eventual fornecedor de crédito aos bancos (“emprestador de última instância”).

O custo de uso do dinheiro é a taxa de juros, formada no mercado como resultado das relações entre quem oferece e quem precisa de de dinheiro. Quando o mercado não é competitivo pelo lado dos principais ofertantes (os bancos), as taxas de juros podem ser muito elevadas, como ocorre no Brasil.

As taxas de juros existem porque quem precisa de dinheiro dispõe-se a pagar por seu uso, visando obter alguma vantagem considerada maior do que o preço a ser pago. Os demandantes utilizam o dinheiro para adquirir bens e serviços destinados destinar ao consumo próprio, à produção e venda de outros bens e serviços, ou ainda a aplicações em títulos financeiros.

No mundo moderno, a quase totalidade dos pagamentos transita pelos bancos e é feita por meio de dinheiro sob a forma de crédito. Os bancos não somente administram, mas também têm o poder de criar dinheiro (crédito). Isso porque os bancos são obrigados a manter, como reserva, apenas uma parte do dinheiro neles depositado. Usam a parcela restante para conceder novos empréstimos, gerando mais crédito – ou seja, criando dinheiro.

Os bancos não lucram apenas com a diferença entre os juros que cobra e o que pagam sobre dinheiro de terceiros, mas também com os juros cobrados sobre o dinheiro (crédito) que eles criam. Lucram ainda com a cobrança de tarifas sobre os serviços que prestam aos clientes. Daí, o caráter excepcionalmente lucrativo dessa atividade.

No Brasil, especialmente a partir da Reforma Bancária de 1964, teve início um processo intenso de concentração bancária, levando ao desaparecimento progressivo dos bancos locais e regionais e ao aumento da importância e poder de um pequeno número de grandes bancos. Nos anos 90, este processo aprofundou-se, com incorporações e fusões estimuladas pelo governo, privatização de bancos estaduais e entrada de bancos estrangeiros.

No momento, seis grandes bancos controlam praticamente a totalidade das operações de empréstimos comerciais no país, e influenciam decisivamente a maior parte das operações do sistema financeiro como um todo. Dois são nacionais privados (Bradesco e Itaú); dois, estrangeiros privados (HSBC e Santander); e dois, públicos (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal).

Este verdadeiro oligopólio tem possibilitado a tais bancos manter, ao longo de muitos anos, elevadas taxas de juros (situadas entre as mais altas do mundo) e cobranças exageradas dos serviços prestados aos clientes. O resultado são vultosos lucros, que se traduzem em taxas de rentabilidade do capital maiores do que 20% ao ano – muito superiores aos níveis internacionais.

Constata-se, por outro lado, que os bancos comerciais concentram seus esforços nas operações mais rentáveis e de menores riscos: a concessão de empréstimos a prazos curtos. Já o financiamento da formação de capital, de retorno mais lento e arriscado, fica a cargo de bancos oficiais.

Merece também destaque a influência que o oligopólio bancário interno tem exercido sobre a política monetária para manter elevadas as taxas de juros da dívida pública: a conhecida taxa SELIC.

A atuação monopolística dos bancos comerciais tem acarretado vários prejuízos ao processo de desenvolvimento do país:

    Deprimindo o poder compra dos tomadores de empréstimos, devido às altas taxas de juros e os exagerados níveis das tarifas dos serviços bancários.

    Dificultando a mobilização da capacidade de financiamento interna para a formação de capital;

    Elevando os custos de financiamento da dívida pública, o que exige a manutenção de carga fiscal elevada e retira recursos dos investimentos públicso.

    Estimulando a entrada de capitais estrangeiros especulativos trazidos ao país para tirar proveito das altas taxas de juros – o que aumenta a oferta de moeda estrangeira, contribui para a apreciação do real e diminui o poder competitivo da produção nacional, ao tornar caras as exportações e baratear as importações;

    Dificultando o acesso dos pequenos produtores e consumidores de baixa renda ao crédito

Até recentemente, faltava à política econômica poder para regular o oligopólio bancário interno, de modo a forçá-lo a se comportar de maneira menos danosa aos interesses do país. Com a decisão de provocar a baixa das taxas de juros no Banco do Brasil e Caixa Federal, tomada há algumas semanas, há a expectativa de que o aumento da competição force os bancos privados a seguir igual caminho. Não há segurança, entretanto de que tal resultado seja produzido. A solução duradoura para o problema talvez seja a adoção de medidas mais drásticas, que desarticulem o cartel atualmente existente.

Dado o poder acumulado pelos bancos, com forte influência na grande imprensa e entre os políticos, não será de estranhar que somente com a mobilização da sociedade, o governo venha a adquirir força suficiente para alterar o quadro atual, retirando o poder do oligopólico bancário de seguir causando prejuízos à sociedade brasileira, em benefício de sua lucratividade.

*Flávio Tavares Lyra é economista. Cursou o doutorado de economia na Unicamp e é ex-técnico do IPEA.