Discutir a juventude na contemporaneidade leva-nos a tomar duas precauções importantes: entender que a noção de juventude é uma construção social e cultural e, além disso, bastante diversificada; e compreender que a noção de juventude não pode ser definida isoladamente, mas a partir de suas múltiplas relações e contextos sociais. Nesse sentido, pensar a ideia de juventude é pensar sobre condições de gênero, raça, classe social, moradia e pertencimento religioso. E, o principal, contextualizá-la historicamente, como integrante de uma geração específica que se relaciona com outras gerações. Por isso, como já tem sido bastante reiterado pelos especialistas, não é possível falar no jovem atual, mas nos diferentes modos de vivenciar a juventude na contemporaneidade.

“A ‘juventude’ é apenas uma palavra”, afirma Bourdieu, ao abordar a noção de juventude. Para ele, as divisões entre as idades seriam arbitrárias: “Somos sempre o jovem ou o velho de alguém”. Sendo assim, os cortes, em classes de idade ou em gerações, teriam uma variação interna e seriam objeto de manipulação. Portanto, juventude e velhice não seriam dados, mas construções sociais oriundas da luta entre os jovens e os velhos. Dessa maneira, as relações entre idade biológica e social seriam muito complexas. Pode-se apreender, portanto, que tal noção configuraria um elemento que faz sentindo somente no contraste entre os mais novos e os mais velhos.

Entretanto, para outros autores estudiosos da juventude e de suas práticas, seria mais que uma palavra. Em texto cujo título já apresenta um contraponto a Bourdieu – “A juventude é mais que uma palavra” –, Mario Margulis e Marcelo Urresti propõem a superação de considerações sobre a juventude como mera categorização por idade, com características uniformes: “A condição histórico-cultural de juventude não se oferece de igual forma para todos os integrantes da categoria estatística jovem” (tradução  minha). Para eles, a discussão feita por Bourdieu leva à percepção da juventude como “mero signo”, como “uma construção cultural desgarrada de outras condições”. Assim, a noção, como definida por Bourdieu, é desvinculada de seus condicionantes históricos e materiais.

 

Os dois autores reforçam a necessidade de atentar para o modo como a condição de juventude manifesta-se de forma desigual conforme outros fatores, como classe social e/ou gênero. Não se constitui, portanto, um conceito unívoco. Contudo, ressaltam que assim como não se deve considerar apenas os critérios biológicos de idade para definir juventude, não se pode também levar em conta apenas os critérios sociais.

Para se pensar as peculiaridades da juventude em relação às outras gerações e mesmo às especificidades internas aos diversos modos de vivenciá-la, os dois autores trabalharam com as noções de moratória social e moratória vital. Inspiraram-se na discussão feita por Erik Erikson, cuja ideia de moratória, entendida como um período de suspensão de obrigações e responsabilidades, é defendida como elemento importante para permitir aos jovens fazer suas escolhas e experimentar o mundo. Segundo Margulis e Urresti, a partir dos séculos 18 e 19 a juventude, como uma etapa da vida, passou a ser vista também como uma camada que detém certos privilégios. Constituiria, então, um período, antes da maturidade biológica e social, marcado por uma maior permissividade, configurando, dessa forma, a moratória social do qual desfrutam alguns jovens privilegiados por pertencer a setores sociais mais favorecidos. Para os que têm tal privilégio, o ingresso na vida adulta, com as exigências requeridas para a entrada na maturidade social, é cada vez mais postergado pelo aumento do tempo de estudo. Dessa forma, os jovens das camadas populares, devido, entre outras coisas, ao ingresso prematuro no mercado de trabalho e à assunção de obrigações familiares (casamento, filhos etc.) em idade reduzida, teriam sua moratória social diminuída e, por consequência, uma vivência juvenil diversa da dos mais abastados. Os jovens das classes populares “carecem de tempo e dinheiro – moratória social – para viver um período mais ou menos prolongado de relativa despreocupação” (tradução minha).

Por outro lado, Margulis e Urresti apontam ainda a existência de uma moratória que consideram complementar à social: a moratória vital. Um período da vida em que se possui um excedente temporal, um crédito, algo que se tem economizado. Um elemento que se tem a mais e do qual se pode dispor que os não jovens teriam mais reduzido: um certo “capital temporal” ou “capital energético”. “Daí a sensação de invulnerabilidade que caracteriza os jovens, sua sensação de segurança: a morte está longe, é inverossímil, pertence ao mundo dos outros, às gerações que os precederam” (tradução minha). E sobre essa moratória também aparecerão as diferenças sociais e culturais, de classe e/ou de gênero no modo de ser jovem.

Haveria, no entanto, a ênfase de alguns enfoques sobre a temática da juventude apenas na moratória social, que, por isso, tenderia a restringir a condição de juventude aos setores médios e altos. Isso porque se ocultaria ou se esqueceria este outro lado, definido como moratória vital, comum a todas as classes. Para esses dois autores, a moratória social definiria então uma certa noção de juvenil que se expressaria por certos aspectos estéticos e configuraria um certo privilégio de determinadas classes sociais mais abastadas. Já a moratória vital definiria uma noção fática de ser jovem comum a todas as classes sociais, marcada pela energia do corpo e pela distância da morte. Com isso, ressaltam a especificidade de classe nas definições do que é ser jovem. Há classes nas gerações, assim como há gerações nas classes. Contudo, ressaltam igualmente a especificidade de gênero na definição de juventude: “A juventude depende também do gênero, do corpo processado pela sociedade e pela cultura; a condição de juventude se oferece de maneira diferente para o homem e a mulher” (tradução minha).

Há que salientar ainda o que talvez seja o caráter mais importante da definição da juventude na contemporaneidade: sua supervalorização. Ser jovem, hoje, é um dos maiores desejos. E ser jovem implica modificar o corpo numa tentativa de retardar o envelhecimento, mas também tentar desfrutar um estilo juvenil, marcado pelo consumo de determinados bens materiais e simbólicos. Ocorre, assim, a extensão do que seria a faixa etária entendida como jovem, tanto para cima quanto para baixo: as crianças se tornariam jovens ou adolescentes cada vez mais cedo e os jovens adultos envelheceriam cada vez mais tarde. Já é fenômeno bastante estudado no contexto europeu o adiamento da saída da casa dos pais, por exemplo.

Acontece, entretanto, que mesmo esse fenômeno não pode ser generalizado, pois não é possível apreender a ideia de juventude de forma isolada. É preciso, por um lado, como afirma Bourdieu, pensá-la, ao mesmo tempo, em contraposição e em relação às outras faixas etárias e gerações e, por outro, contextualizá-la socialmente. As juventudes, portanto, apresentam elementos comuns e de diferenciação. Atentar para esses aspectos pode ser crucial para discutir as políticas públicas voltadas para esse segmento e, talvez o principal, problematizar as especificidades do papel da instituição escolar no mundo atual.

*Alexandre Barbosa Pereira é doutor em Antropologia Social

 

Referências

BOURDIEU, Pierre. “A juventude é apenas uma palavra”. In: Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, p. 113.

ERIKSON, Erik. Identity: Youth and Crisis. New York: Norton, 1968.

MARGULIS, Mario (org.). La Cultura de la Noche: La Vida Nocturna de los Jóvenes en Buenos Aires. Buenos Aires: Espasa Calpe, 1994.

MARGULIS, Mario; URRESTI, Marcelo. “La juventud es más que una palabra”. In: Margulis, M. (org.). La juventud es Más Que una Palabra. Buenos Aires: Biblos, 1996, p. 25.