Rio de Janeiro – A Cúpula dos Povos será realizada entre os dias 15 e 23 de junho, paralelamente à Rio + 20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, devendo contar com a presença de membros da Primavera Árabe, Indignados da Espanha e Movimento Occupy dos Estados Unidos, entre outros, não só para cobrar a implantação de modelos ecológicos populares já existentes como também para repactuar uma nova agenda de lutas globais.

Rio de Janeiro – A Cúpula dos Povos será realizada entre os dias 15 e 23 de junho, paralelamente à Rio + 20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, devendo contar com a presença de membros da Primavera Árabe, Indignados da Espanha e Movimento Occupy dos Estados Unidos, entre outros, não só para cobrar a implantação de modelos ecológicos populares já existentes como também para repactuar uma nova agenda de lutas globais.

Em entrevista à Carta Maior, Carlos Henrique Painel, ambientalista e coordenador do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (Fboms), uma das entidades organizadoras do evento, afirma que a perspectiva de poucos avanços no encontro oficial da ONU pode elevar a repercussão da Cúpula dos Povos, que não se furtará em apontar onde os governos erram e a dialogar com todos os envolvidos em busca da transição para uma economia de baixo carbono.

Carta Maior: O que é e qual o objetivo da Cúpula dos Povos?

Carlos Henrique Painel: A Cúpula dos Povos é o evento paralelo, realizado pela sociedade civil brasileira e mundial, à Rio + 20, que é a conferência das Nações Unidas para o meio ambiente 20 anos depois da Rio 92. O principal objetivo é contrapor o quê está sendo discutido na conferência oficial.

A Cúpula dos Povos não acha que o quê está sendo discutido na conferência oficial da ONU seja a solução para os graves problemas da crise ambiental planetária que estamos vivendo. Então acreditamos que as soluções vindas dos povos, que já existem, que estão aí, são as verdadeiras soluções para que se possa enfrentar e fazer uma transição para uma economia de baixo carbono (N.R. com menos emissão de gases poluentes).

Como está a organização do evento e a resposta dos interessados em participar? Alguma proposta tem sobressaído?

Ainda não. Abrimos as inscrições agora e estamos querendo medir o interesse da participação, seja nacional, seja internacional, através das atividades de convergência, que são essas pequenas assembleias que se transformam em assembleias medianas até uma grande assembleia, que estamos chamando de assembleia dos povos, para poder encaminhar algumas lutas e algumas agendas globais. Então não existe ainda nenhuma proposta.

Agora, a gente está apontando as falsas soluções que estão sendo dadas por eles, e implantando também as verdadeiras soluções, que são apontadas pelos povos. Então esta vai ser a dinâmica de como vai ser a Cúpula dos Povos. E é óbvio que vamos aproveitar a presença de membros da Primavera Árabe, Indignados da Espanha, movimento Occupy nos Estados Unidos, estudantes do Chile e várias sociedades que estão sofrendo algum tipo de repressão para tentarmos repactuarmos uma nova agenda global de lutas.

Dos três eixos de trabalho da Cúpula dos Povos: denunciar as causas da crise socioambiental, fortalecer movimentos sociais e apresentar soluções práticas; como passar da apresentação para a implementação dessas soluções ?

Na verdade, muitas dessas soluções já estão implementadas. Aí estamos falando de economia solidária, economia criativa, permacultura (planejamento, atualização e manutenção de sistema socioambientais justos e financeiramente viáveis), agroecologia; enfim, coisas que já existem e já estão implementadas.

O que a gente quer fazer é que muitas dessas ações sejam adotadas pelos governos como soluções para o momento como o planeta vive. Então a implementação delas já existe. Não estamos inventando uma nova implementação. São coisas que já existem e não são reconhecidas como uma prática que possa vir a ser usada em grande escala.

O que falta para um maior reconhecimento dessas práticas?

É difícil, né ? Porque os governos e as empresas, as grandes corporações, têm muito interesse na palavra lucro. Quando a gente fala em uma economia criativa, uma economia solidária, uma permacultura, você está tirando deles as patentes e toda aquela movimentação financeira que eles tentam fazer, que é da precificação na natureza. Precificar, botar a natureza dentro de um mercado para poder fazer o seu jogo. Então o governo se sente impotente já que as grandes corporações têm mais influência nos governos do que essas soluções que os povos estão apresentando.

É uma coisa meio difícil. A Cúpula dos Povos não acredita que vá haver muitos avanços na Rio + 20. A gente acha que dificilmente vai sair algum progresso. Dois dias antes da Rio + 20, vai haver uma reunião do G-20 no México com os mesmos líderes que estarão aqui no Brasil. Então lá provavelmente já vai ser pactuada muita coisa que vai ser discutida aqui, aí a gente acha que dificilmente haja solução por aqui.

Mas a gente também acha que a Cúpula dos Povos pode apresentar ao mundo as verdadeiras soluções, apontando as falsas, e principalmente repactuando uma nova agenda global para que a gente possa mostrar ao mundo essas verdadeiras soluções.

O rascunho do documento oficial da Rio + 20 apresenta retrocessos em relação à Eco 92, principalmente nos direitos humanos. Este retrocesso oficial da Rio + 20 limita ou amplia as possibilidades da Cúpula dos Povos?

É… Eu acho que amplia, porque isso não está acontecendo só nesse documento preparatório da Rio + 20, está acontecendo no Brasil e em vários lugares. Acho que isso amplia o poder de nós mostrarmos aos povos que os direitos conquistados, o princípio do direito adquirido, está sendo totalmente ferido com esse retrocesso que está sendo feito por grandes governos. Então acho que isso pode ampliar um pouco a nossa luta, o nosso discurso, em relação a esse desgoverno que anda acontecendo…

A votação do novo Código Florestal é um exemplo desse retrocesso.

Sem dúvida. É um retrocesso enorme. A gente acha que o Código Florestal poderia até ter algumas melhoras, mas quem está fazendo isso é o pessoal do agronegócio, que prometeu revolução verde, que prometeu acabar com a fome no mundo, e a gente vê que isso é uma grande balela, com o desmatamento aumentando e os pequenos agricultores sendo expulsos das suas terras em favor dos grandes agricultores. A gente acha que o Código Florestal pode ser uma das grandes bandeiras que a gente vai levantar na cúpula contra o próprio governo brasileiro.

Ou seja, a Cúpula dos Povos somaria forças para tentar reaver o antigo Código Florestal.

Eu não sei se reaver. Mas que a gente vai protestar, e muito, em favor que se mantenha o código como está, nós vamos. Isso é uma bandeira da cúpula também.

Como avalia a recente declaração da presidente Dilma Rousseff de que não é possível fantasiar sobre uma matriz energética limpa?

Eu acho que fantasiar foi uma palavra muito infeliz da presidente. Porque ninguém propôs, como ela disse no discurso, “que vamos fazer toda a iluminação do Brasil através de energia eólica, ou toda a energia que pode ser consumida através da energia solar”. O que a gente sempre brigou e o que a gente sempre defende é uma diversificação da matriz energética brasileira, e portanto mundial.

O Brasil poderia estar à frente de todos os países porquê tem a condição de não errar como os outros países hoje desenvolvidos erraram na condução de sua proteção aos seus recursos naturais. Então o Brasil hoje tem uma vantagem enorme em poder fazer diferente. Não está fazendo diferente, está fazendo igual. A construção de uma hidrelétrica pode trazer uma energia limpa, mas ela não é sustentável. Então existem várias maneiras de você enxergar isso.

Eu acho que a Dilma foi muito infeliz no discurso dela. Ela vem desde a época do ministério das Minas e Energia com um embate grande com os outros ministérios, principalmente com o ministério do Meio Ambiente. Ela tem um perfil desenvolvimentista, mas eu não achava que ela pudesse ignorar o que a gente vem reivindicando, que é uma extensa diversificação da nossa matriz energética, coisa que não está sendo feita.

A Cúpula dos Povos toma essa fala da presidente Dilma como um recado de que não haverá diálogo entre as visões divergentes?

Não. Não vejo dessa maneira. A gente acha que o governo não está aberto para o diálogo verdadeiro. O diálogo verdadeiro é quando você quer realmente fazer alguma mudança. Nós estamos achando que o governo ainda não está profundamente interessado em fazer as verdadeiras mudanças que gostaria.

O Itamaraty é um dos atores que dificultam um pouco esse processo. Todo o processo que é diplomático, que envolve acordos multilaterais, passa pelo Itamaraty, que sempre tem uma posição muita conservadora em relação à mudanças.

Agora, aberto ao diálogo a gente sempre está, queremos sempre estar. Mas diálogo para avançar, não para ficar na retórica, porque da retórica estamos cansados.

 

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