O PT e as forças progressistas precisam agir de imediato, pois está em curso uma tentativa de acabar logo com o caso Demóstenes & Cachoeira. Para muitos é incômodo discuti-lo. Vai atingir bastante gente por comissão ou omissão. Faz três anos que a Polícia Federal apresentou provas consistentes à Procuradoria Geral da República, agora reforçadas. Não dá para acreditar, num país em que vaza tudo o que é sigiloso, que era segredo a relação entre Demóstenes e o chefe de uma organização criminosa. Além disso, era notória no meio político de Goiás, a antiga amizade do senador com o bicheiro e as estreitas relações que este mantinha com o suplente de Demóstenes no Senado e principal financiador legal de sua campanha eleitoral. Deste círculo participavam deputados, secretários de Estado, prefeitos, delegados da polícia federal e estadual, oficiais da polícia militar, juízes, a chefe de gabinete do governador Marconi Perillo, e o próprio governador, de quem adquirira a casa em que morava quando foi preso.

Talvez a Procuradoria Geral da República e os governistas inibiram-se com as vacinas que a oposição e a grande mídia vieram sistematicamente injetando na sociedade contra a investigação de atividades ilícitas de membros da oposição, taxando-a de produção de dossiês e de perseguição política.

Logo que veio a público a existência, na mesma pessoa, de outro Demóstenes, aliado do crime organizado e da corrupção sistemática, o DEM quis logo ver-se livre de seu líder, por longos anos alçado a herói da luta contra a corrupção, cogitado para ser candidato a presidente da República ou vice da candidatura do PSDB. Os outros partidos de oposição mostraram-se perplexos e cautelosos, também porque tem políticos seus envolvidos no mesmo esquema.

Os poucos editoriais dos grandes jornais vão na linha de isentar o DEM das ações de sua maior estrela, e até elogiam o partido. O Estadão chegou a misturar Demóstenes com Pimentel e Palocci, como se os casos fossem iguais. A Veja, cujo diretor da sucursal de Brasília falou por telefone cerca de 200 vezes com Cachoeira, preferiu priorizar na capa uma polêmica de dois mil anos sobre o santo sudário. Um importante jornalista de O Globo ensaiou a hipótese de problemas mentais no personagem. A mídia não abriu neste caso uma campanha, como fez no governo Dilma as campanhas pela queda de ministros. Como fez várias no governo Lula, a primeira quando o mesmo Cachoeira filmou um pedido de propina de Waldomiro Diniz, antes deste ir para o governo federal. A mídia até chegou a lançar uma contracampanha, colocando em igual destaque o caso de uma contribuição legal ao PT de Santa Catarina feita por uma empresa fornecedora do Ministério da Pesca.

Cabe a nós do PT e a nossos aliados abrir uma campanha de esclarecimento e dela tirar todas as consequências para a luta contra a corrupção e para a reforma necessária da política brasileira. O que levou o ex-procurador geral de Justiça de Goiás, ex-secretário de Segurança Pública, senador reeleito de brilhante carreira, envolver-se com o crime organizado, e enganar uma nação? Foi o financiamento de suas campanhas, de sua atividade política, de suas ambições políticas? Quem foi beneficiado, quem participou? Quem colaborou no ocultamento de tantas evidências por tanto tempo? E muitas outras perguntas que exigem resposta.

Não será fácil levar esta empreitada adiante porque Demóstenes era um dos principais líderes do projeto conservador de país que se opõe ao projeto reformista em curso. Tem muita gente apoiando seu imediato sumiço da cena. A dupla personalidade política agora revelada, e por ele levada ao extremo, lembra a linha da velha escola udenista, que tem muita força ainda no Parlamento, no Judiciário, na mídia. O udenismo, quando fazia campanha contra a corrupção, escondia, sob a máscara desta campanha, seu objetivo real: assumir o poder para impor uma política elitista no lugar de uma política popular distributiva de direitos, e para substituir o nacionalismo por um alinhamento incondicional aos Estados Unidos. O ‘varre-varre vassourinha’ de Jânio, que veio em sequência na mesma tradição, ao assumir o poder quis dar um golpe na democracia para objetivos similares ao que se assistiu depois de 1964. A ‘caça aos marajás’, que mais tarde elegeu Collor presidente, quando no governo, confiscou as poupanças e quebrou boa parte da indústria com as primeiras medidas neoliberais.

Às forças conservadoras e à oposição que delas faz parte não interessa esclarecer este caso. As forças que defendem com o PT o mesmo projeto de país mais igualitário, mais democrático, e mais soberano tem que se mobilizar para desvelar a extensão desta farsa. Temos uma grande oportunidade para tornar mais clara a política brasileira. Não podemos perdê-la.

*Elói Pietá é titular da Secretaria Geral Nacional do Partido dos Trabalhadores e vice-presidente da Fundação Perseu Abramo.