Mesmo os setores mais à esquerda do espectro político brasileiro não se furtam de se pronunciar sobre a necessidade do desenvolvimento. Outros setores fazem questão de acrescentar ao desenvolvimento o termo politicamente correto de sustentável, na esperança de que tal desenvolvimento ocorra sem danos ao meio ambiente e sem traumas sociais.

Mesmo os setores mais à esquerda do espectro político brasileiro não se furtam de se pronunciar sobre a necessidade do desenvolvimento. Outros setores fazem questão de acrescentar ao desenvolvimento o termo politicamente correto de sustentável, na esperança de que tal desenvolvimento ocorra sem danos ao meio ambiente e sem traumas sociais.

Há, também, os que querem o desenvolvimento, mas abominam a construção de grandes hidrelétricas, a exploração do petróleo do pré-sal, a energia atômica e outras atividades que consideram economicamente superadas. Para eles, falar em industrialização não passa de palavrão. E liquidar a agricultura intensiva e comercial, transformando-a em milhões de unidades agrícolas familiares, auto-sustentáveis, seria o melhor dos sonhos.

Menos mal que, atualmente, essas correntes de pensamento começam a falar do capitalismo como a razão principal dos danos ambientais e sociais. Até há pouco elas jogavam toda a culpa sobre a humanidade ou sobre indivíduos e instituições governamentais. Por outro lado, mesmo agora, não se dão conta da necessidade histórica do capitalismo, nem das demais formações sociais que a antecederam, e pretendem realizar um desenvolvimento que deixe de lado os imperativos econômicos. Pretensão que as experiências socialistas, sejam as utópicas, sejam as de tipo soviético, mostraram estar em contradição com o desenvolvimento social.

No momento, em termos globais, temos em curso três grandes vertentes de desenvolvimento. A primeira, puramente capitalista, é a dos países avançados, explicitamente os Estados Unidos, Alemanha, Japão, França e Inglaterra. O desenvolvimento das forças produtivas e da acumulação de capital nesses países alcançou um grau que lhes impôs uma taxa média decrescente nos lucros e entrou em contradição com sua capacidade de realização interna. Portanto, o desenvolvimento nesses países bateu no teto.

Para continuarem se desenvolvendo, eles teriam que realizar um intenso processo de inovação científica e tecnológica, agravando ainda mais a tendência de queda da taxa média de lucro. Por isso, a saída adotada pelas empresas capitalistas tem sido praticar uma intensa especulação financeira, e transferir ou re-localizar plantas industriais em paises agrários. Em outras palavras, elevar suas taxas médias de lucro através da produção de dinheiro fictício e da extração de mais-valia absoluta em países com força de trabalho barata.

Essa saída intensificou as contradições nos países desenvolvidos. Incentivou a desindustrialização interna e o conseqüente desemprego. Fez emergir uma cisão entre o lucro das corporações empresariais globalizadas e os recursos que elas internalizavam para manter os Estados nacionais e o padrão de vida das camadas altas e médias de suas populações. Transformou em concorrentes comerciais muitos dos países de baixo desenvolvimento capitalista, ao estimular sua industrialização. E abriu as comportas para a ocorrência de crises financeiras e econômicas ainda mais profundas. Embora haja diferenças no grau em que essas contradições afetam cada um daqueles países capitalistas desenvolvidos, as tendências principais são as mesmas.

A segunda vertente é aquela representada pela China e Vietnã, que combinam o modo de produção camponês e o modo de produção socialista com o modo de produção capitalista, num tipo de economia que eles próprios denominam de socialista de mercado. Esses países se aproveitaram dos excedentes de capitais dos países desenvolvidos e da decisão de re-localização de plantas industriais das corporações empresariais. Com um razoável conhecimento das lacunas de suas cadeias produtivas, e sem medo de enfrentar a concorrência e os problemas próprios do modo de produção capitalista, estabeleceram programas específicos e controlados para atrair investimentos diretos e plantas industriais, de modo a adensarem aquelas cadeias e introduzirem tecnologias avançadas em suas empresas estatais.

Os resultados dessa vertente foram variados. Houve um crescente e rápido crescimento industrial e agrícola, acompanhado da transferência de grandes massas da população dos trabalhos agrícolas para trabalhos de construção e produção industriais, comerciais e de serviços. Ocorreu uma crescente geração de riqueza, que permitiu uma redistribuição constante da renda, embora com desigualdade. A participação da economia desses países no mercado mundial deu um salto. Em contrapartida, houve um intenso processo de degradação ambiental, que agora começa e ser revertido. Elevaram-se também as tensões econômicas e sociais relacionadas com a contradição entre o alto ritmo de crescimento e o ritmo mais lento da construção infra-estrutural, da descoberta de novas fontes de matérias primas, e da elevação dos salários. Ocorreu, ainda, um descompasso entre a elevação do produto interno bruto e a elevação do produto nacional bruto.

O grande esforço atual relaciona-se com a superação dos problemas pendentes no desenvolvimento econômico, social e ambiental. O ritmo de crescimento deve ser reduzido. A renda das camadas mais pobres está sendo elevada, de modo a tornar o mercado doméstico o principal foco da produção industrial. Os serviços públicos estão em processo de universalização para todo o país. A inovação científica e tecnológica está voltada para transformar a agricultura, limpar a matriz energética e elevar o produto nacional bruto.

Não há indícios de que esses países pretendam eliminar, a curto prazo, a combinação entre os modos de produção socialista e capitalista. Também continua indefinido qual desses modos predominará quando o desenvolvimento das forças produtivas atingir seu auge, mesmo porque tal desenvolvimento ainda está longe desse teto. Por outro lado, em ambos os países aumenta o esforço para uma administração equilibrada da paulatina, mas crescente, luta entre os trabalhadores industriais e seus patrões capitalistas e estatais.

A terceira vertente é aquela representada pelo Brasil, Rússia, África do Sul, Coréia do Sul, Indonésia e diversos outros países da América Latina, África, Ásia e Europa. Neles predomina o modo de produção capitalista, mas suas forças produtivas ainda não alcançaram, em geral, o estágio dos países capitalistas avançados. Eles já concorrem, em certa medida, com produtos de consumo avançados. Porém, nem sempre fabricam equipamentos produtores daqueles bens de consumo. E, quase nunca fabricam as máquinas capazes de produzir aqueles equipamentos. Vivem, assim, numa grande dependência tecnológica dos países desenvolvidos, o que incide fortemente em sua competitividade no mercado internacional.

Além disso, em vários desses países, a aplicação de políticas neoliberais causou a privatização de parte considerável das empresas estatais, a oligopolização de ramos industriais inteiros, o desmonte de parcela importante dos parques industriais, e a sucateamento da infra-estrutura logística. Tudo isso reduziu a capacidade de intervenção do Estado no processo de desenvolvimento e a capacidade de alavancagem industrial do país.

Além disso, resquícios das políticas neoliberais têm levado os setores burgueses a só investirem em projetos industriais se tiverem garantias e financiamentos governamentais. E muitos governos vacilam ou têm dificuldade em adotar programas efetivos de industrialização, voltados tanto para o adensamento das cadeias produtivas, quanto para a reconstrução de instrumentos ativos que possibilitem ao Estado nacional induzir o desenvolvimento econômico e social.

Em alguns desses países, como o Brasil, a adoção de políticas de crescimento econômico e de redistribuição mais eficaz da renda permitiu elevar as taxas de emprego e retirar do nível da miséria alguns milhões de seres humanos, elevando o poder de compra de parcelas consideráveis da população. Porém, um crescimento mais lento na produção e na oferta de alimentos e produtos industriais de consumo introduziu uma tensão nos preços e nas tendências inflacionárias, trazendo à tona as lacunas existentes no processo de desenvolvimento.

A novidade dessa vertente de desenvolvimento é a presença de governos de esquerda e socialistas em alguns desses países. Na prática, esses governos foram colocados na incômoda situação de ter que estimular o desenvolvimento capitalista para fazer frente às demandas geradas pelas políticas sociais de redistribuição da renda, geração de empregos e melhoria das condições de vida. Alguns acham que isso é uma verdadeira traição ao socialismo. Outros, que isso é uma situação concreta que deve ser enfrentada como tal.

 

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