A crise internacional prosseguirá, principalmente, em função das medidas neoliberais radicais adotadas pelos governos europeus, que aprofundarão a recessão no continente. A eleição presidencial nos EUA também deve influenciar a política mundial. No Brasil, os bons indicadores econômicos e sociais e a alta popularidade da presidenta Dilma concorrem com a ofensiva ideológica conservadora da oposição e da mídia

Nota de conjuntura I

 

Uma breve retrospectiva da conjuntura internacional de 2011 aponta três fatos marcantes: a “Primavera Árabe”, a ofensiva diplomática da Autoridade Palestina no âmbito da ONU e a crise econômica nos países desenvolvidos, que redunda em crises sociais e políticas cada vez mais graves.

As mobilizações em diversos países de população árabe no norte da África e no Oriente Médio contra governos ditatoriais de diferentes matizes tiveram vários desdobramentos, mas de modo geral sem avanços de ordem progressista. Na Líbia assistimos a uma guerra civil entre partidários de Muamar Kadafi e dissidentes de seu governo, vencida pelo segundo grupo graças à intervenção militar da Otan. A repressão das forças armadas locais com apoio do exército saudita debelou a revolta no Bahrein e um arranjo político de troca do presidente iemenita pelo seu vice, também intermediado pelo governo saudita, foi o saldo dessa mobilização que, embora tenha custado centenas de vidas, não contou com maiores comentários dos países ocidentais que atacaram a Líbia alegando o mesmo motivo. No Marrocos, na Tunísia e no Egito houve eleições parlamentares vencidas pelos respectivos partidos islâmicos, mais ou menos conservadores, apoiados financeiramente pela Arábia Saudita e pelo Emirado do Catar.

A iniciativa da Autoridade Palestina de solicitar seu ingresso na ONU como membro com plenos direitos e com base nas fronteiras de 1967, embora até o momento não tenha levado a esses resultados, deu-lhe vários ganhos políticos. Em primeiro lugar, o apoio de mais de cem países, incluindo o Brasil, à reivindicação e o ingresso na Unesco como membro pleno. Desmascarou a má-fé das declarações israelenses supostamente favoráveis a negociações sérias de um acordo que leve à convivência entre dois povos – dois Estados –, assim como a hipocrisia americana que declara “estender a mão para o mundo árabe e islâmico”, mas apoia todas as medidas israelenses.

A crise econômica que se agravou na Europa em 2011 é uma continuidade da crise financeira iniciada nos EUA em 2007. Na ocasião, tanto o governo americano quanto os europeus injetaram recursos bilionários para salvar seus sistemas financeiros, e estes, agora, adotam medidas de extrema austeridade para que seus governos possam saldar as dívidas com os bancos, o que está provocando grave recessão na Europa e estrangulando a economia e o Estado de Bem-Estar Social em vários países, além de ampliar o desemprego e a pobreza. Na Grécia e na Itália, a partir da pressão política da Comissão Europeia e, principalmente, da Alemanha e da França, os respectivos governos foram substituídos por uma composição de tecnocratas com a incumbência de promover um profundo e impopular corte nas despesas públicas. Na Irlanda, em Portugal e na Espanha, onde houve eleições, os governos de situação que implementaram os ajustes econômicos foram derrotados, com destaque para o Partido Socialista Operário Espanhol (Psoe), que perdeu 2,4 milhões de votos em comparação com o resultado eleitoral de quatro anos antes. Ao mesmo tempo, partidos de extrema direita vêm crescendo eleitoralmente. A eleição presidencial francesa, em abril próximo, é a única com perspectiva de favorecer um partido socialista em um país importante. O candidato do PS, François Hollande, segue à frente nas pesquisas eleitorais, embora a soma das intenções de voto de todos os candidatos com perfil de direita represente mais de 50% do eleitorado.

A crise internacional prosseguirá, sobretudo, em função das medidas neoliberais radicais adotadas pelos governos europeus, que aprofundarão a recessão no continente. O desemprego médio na Europa já ultrapassou 10% e é, pelo menos, o dobro entre os jovens, ao que se soma ainda o fenômeno do rápido empobrecimento de parcelas importantes da população. A OIT aponta a existência, atualmente, de 200 milhões de desempregados no mundo.

Outro elemento importante na política internacional são as eleições presidenciais nos Estados Unidos, em novembro, pois sua política externa tem influência sobre o voto dos eleitores. A disputa eleitoral entre Obama e o candidato ainda indefinido do Partido Republicano será extremamente polarizada, especialmente em torno de temas sensíveis, como a segurança. A retirada de tropas do Iraque em 2011 pelo governo Obama e as promessas de fazer o mesmo no Afeganistão nos próximos anos são parte de sua estratégia eleitoral, assim como o aumento do tom belicista contra o Irã e a Síria. No caso do Irã, houve a ampliação de sanções econômicas unilaterais por parte de americanos e europeus, o que poderá elevar o preço internacional do petróleo em até 30%, dificultando ainda mais a situação econômica na Europa, sem mencionar o risco de conflitos abertos.

Na América Latina
Ainda não há posicionamentos mais claros do Itamaraty sobre esse quadro, além de o Brasil ter deixado seu assento temporário no Conselho de Segurança na ONU em 2012, o que diminui sua participação e influência na discussão de conflitos internacionais em geral. Apesar do destaque e da importância do discurso da presidenta Dilma Rousseff na abertura da Assembleia Geral da ONU em 2011, além de ser a primeira mulher a fazê-lo na história da organização, a diplomacia brasileira revela cautela e discrição sobre os temas internacionais em geral. Isso tem gerado inclusive uma percepção entre nossos aliados, principalmente na América Latina, de que o Brasil está fazendo menos do que poderia na esfera internacional. e o comportamento pouco responsável de algumas empresas brasileiras que investiram em países vizinhos tampouco ajuda a elevar nossa popularidade. Todavia, a recente visita da presidenta a Cuba e ao Haiti poderá contribuir para superar essa percepção, mas é importante que avancemos em outras iniciativas, como a integração da América do Sul, a criação do Banco do Sul e a instituição de uma política de responsabilidade empresarial de nossas empresas transnacionais, pois os demais países do continente também desaceleraram seu desempenho econômico e todos teremos de responder às consequências da continuidade da crise internacional em 2012.

A realização da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20) na cidade do Rio de Janeiro em junho próximo será outra oportunidade de afirmação de nossa política de desenvolvimento, que em grande medida contrasta com a situação atual dos países centrais. Interessa-nos provocar essa polarização no debate e envolver o conjunto do movimento social brasileiro e mundial.

O ano de 2012 marca ainda a realização de três eleições presidenciais na América Latina. Em maio na República Dominicana, onde as avaliações apontam a continuidade do Partido da Liberação Dominicana (PLD) no governo, com o candidato Danilo Medina; em julho no México, onde o Partido de Ação Nacional (PAN) deverá perder, e de acordo com as pesquisas mais recentes, para o candidato do Partido da Revolução Institucional (PRI), Enrique Peña Neto; e em outubro na Venezuela, onde o presidente Hugo Chávez é cotado para a reeleição pela coalizão Grande Polo Patriótico.

No Brasil
Os efeitos da crise sobre o Brasil se refletiram principalmente na queda brusca do PIB em comparação com 2010 e a forte valorização do real, que incrementou sobremaneira as importações, sobretudo de bens industriais. A indústria brasileira cresceu apenas 0,3% em 2011, não gerou novos empregos e o setor necessita de melhor estrutura. Nossa balança de pagamentos, porém, não foi afetada negativamente devido à alta dos preços de commodities e ao significativo fluxo de investimentos externos diretos que nos deixou na situação do quarto maior país receptor em 2011.

No entanto, o crescimento do PIB (ainda não divulgado) deve se situar em torno de 3% e, apesar de sua queda em comparação com o ano anterior, a taxa média de desemprego calculado pelo IBGE alcançou 6%, seu menor valor desde que se iniciou a série histórica, em 2002.

A pobreza também diminuiu, segundo o número de pessoas que ganham até meio salário mínimo, reduzido de 29% para 26% durante o ano passado, assim como a desigualdade, que, de acordo com o índice de Gini, variou de 0,49 para 0,41.

Outro dado positivo é a participação dos salários no PIB, que em 2003 alcançava 38,8% e no ano passado chegou a 46,9%. O salário médio aumentou 1,7%, mas as mulheres continuam recebendo, em média, apenas 78% do salário masculino. Esse modesto avanço salarial contrasta com o crescimento da produtividade brasileira, de 13%, demonstrando a forte resistência do empresariado em conceder aumentos.

Assim, as perspectivas para 2012 são relativamente positivas, apesar das incertezas da conjuntura internacional. As medidas macroeconômicas adotadas ao longo de 2011 para conter a valorização do real e o aumento acima da inflação do salário mínimo em janeiro são iniciativas importantes, mas não devemos nos acomodar quanto à economia, pois o quadro geral é instável conforme demonstra, por exemplo, a dificuldade de assegurar uma taxa de câmbio adequada, que nesse momento voltou para níveis inferiores a R$ 1,80.

Prosseguem também os grandes desafios de reduzir a taxa de juros e aumentar os investimentos, uma vez que não há garantias de que a arrecadação fiscal aumente como nos anos anteriores. É fato que a pobreza continuou diminuindo em 2011, mas é importante constatar que a intensidade e o ritmo dessa redução vêm se desacelerando. Mais de 1,9 milhão de empregos foram criados, representando crescimento de 2,1% no número de postos de trabalho no país. O grosso deles, porém, foi gerado no setor de serviços e na construção civil, com salários de até 1,5 salário mínimo. Há dados positivos na melhoria da educação brasileira, mas permanece o desafio de ampliar os investimentos na área, principalmente no setor de ciência e tecnologia, para superar vários gargalos no processo de desenvolvimento do país.

Na esfera nacional, o governo federal conseguiu aprovar vários projetos de seu interesse na Câmara e no Senado em 2011 graças à maioria parlamentar assegurada pelo PT e a pela base aliada, porém não sem as polêmicas usuais provocadas pelo presidencialismo de coalizão, particularmente em função de algumas substituições ministeriais. Estas, com exceção da do Ministério da Defesa, decorrentes de denúncias da imprensa, inicialmente, sempre caracterizadas como “corrupção”, que, aliás, como já assinalado em análises anteriores, é a única agenda que a oposição ao governo tem utilizado.

A ofensiva ideológica
Comemoramos a popularidade da presidenta Dilma, que soma 59% de opiniões “ótimo” e “bom”, mas é fundamental que isso não nos faça baixar a guarda. Há uma forte ofensiva ideológica conservadora em execução pela mídia e pela oposição ao governo, principalmente no estado de São Paulo, que se soma à campanha midiática sobre o tema da corrupção. Essa estratégia poderá repercutir de modo desfavorável ao governo se houver problemas na economia e/ou queda em sua popularidade por qualquer motivo.

A agressividade da mídia se reforçou, particularmente na televisão, por meio da crítica ao governo e da formação ideológica da opinião pública em reportagens, novelas e outros programas. Além de o tema da corrupção estar sempre presente e dirigido contra o governo e a base aliada, chama a atenção a vulgarização das relações pessoais expostas em reality shows, que se transformaram nas grandes audiências de algumas redes de TV como mecanismo importante de alienação social.

Esse quadro tem repercussões para além das disputas eleitorais de 2012 e 2014. Por exemplo, se a reforma política, em particular o financiamento público de campanhas, for submetida a referendo popular, os eleitores dificilmente concordarão com o “pagamento das campanhas desses políticos!”.

A direita que governa o estado de São Paulo prossegue na linha adotada pelo candidato do PSDB na eleição presidencial de 2010, de se promover com base em políticas conservadoras e enfrentar as questões sociais por meio da “autoridade” representada pela violência da polícia militar. Os casos recentes mais marcantes foram a repressão à mobilização estudantil na USP contra a presença da PM no campus, a ação contra usuários de drogas na Cracolândia em São Paulo e a expulsão dos moradores do bairro Pinheirinho em São José dos Campos. Sem mencionar os interesses escusos por trás dessas ações – como os imobiliários em São Paulo e em São José dos Campos –, o agravante e a motivação de cada uma residem em sua aprovação por uma parcela importante da população, e, portanto, uma fonte relevante de apoio eleitoral. O forte apoio à “desocupação” da Cracolândia foi medido por pesquisas e a ação no Pinheirinho pode ter causado “mal-estar” no país, mas foi favorável ao PSDB, que governa o município de São José dos Campos.

Um novo tema que poderá se somar a essa ofensiva ideológica e para o qual necessitamos tomar posição é a migração, particularmente em função da recente chegada de muitos haitianos ao Brasil. É natural que pessoas de países mais pobres busquem oportunidade em outros em melhor situação, e isso deve ser acomodado, mas também devemos considerar o que pode ser feito para melhorar a situação na origem da migração, para que esta não se torne uma necessidade até vital. No caso haitiano, por maiores esforços que o governo brasileiro tenha feito, é evidente que as ações da comunidade internacional têm sido insuficientes para superar a pobreza daquele país, agravada pelo terremoto de alguns anos atrás.

Não podemos nos apegar somente ao desempenho econômico e à boa popularidade da presidenta para lidar com essas situações. É necessário reagir a essa ofensiva ideológica por meio da aceleração das transformações econômicas, sociais e políticas no Brasil de forma sustentável, do reforço do trabalho político com os movimentos sociais, do apoio à democratização do Poder Judiciário e à regulamentação dos meios de comunicação, ou no mínimo pela quebra dos monopólios do controle midiático.

Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo é composto por economistas, cientistas políticos e dirigentes partidários e lideranças dos movimentos sociais, convidados pela diretoria da FPA periodicamente para discutir acontecimentos nacionais e internacionais e suas consequências na situação política, econômica e social do país. Esse texto é uma síntese de reunião realizada em 30 de janeiro.