FST 2012 – Rui Falcão: “Necessitamos de um novo paradigma de desenvolvimento no mundo”
Intervenção do presidente do PT no seminário Experiências governamentais de sustentabilidade sócio-ambiental, promovida pela Fundação Perseu Abramo, no dia 25/1, dentro da programação do Fórum Social Temático 2012 em Porto Alegre.
Foto: Venise Borges
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"É com satisfação que participamos desta mesa no Fórum Social Temático de Porto Alegre, que se realiza onze anos depois da primeira e memorável sessão do Fórum Social Mundial em 2001. O Fórum foi um marco nos debates e na resistência internacional ao neoliberalismo e ao pensamento único que esta posição ideológica encerra.
Guardadas as proporções, o debate que fazemos hoje é também herdeiro de um evento relevante, ocorrido há 20 anos no Rio de Janeiro: a “Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento”, mais conhecida como a “Eco 92”.
O conteúdo das resoluções daquele evento despertou grande interesse na opinião pública quanto ao destino do planeta e à sustentabilidade do desenvolvimento econômico do presente sem prejudicar os direitos ao desenvolvimento das futuras gerações. Houve uma representativa presença do movimento social e de organizações não governamentais de todo o mundo, no Aterro do Flamengo, naquele mês de junho de 1992. As organizações sociais brasileiras estavam lá, assim como nossos sindicatos, a CUT, nossas ONGs ambientalistas e outras, bem como nossa militância petista. Todos trabalhando para que as resoluções superassem os interesses mesquinhos das grandes corporações multinacionais e das grandes potências, a fim de assegurar um mundo melhor para todos.
As resoluções da “Eco 92” de fato foram importantes e até hoje influenciam os debates sobre desenvolvimento socialmente e ambientalmente sustentável por meio dos 27 princípios aprovados no Rio de Janeiro; das Convenções sobre Biodiversidade, Desertificação e Mudanças Climáticas; dos 2.500 itens da Agenda 21 e a “Carta da Terra”. Ao mencionar estas resoluções, aproveito para parabenizar o companheiro Braulio Ferreira Dias, do Ministério do Meio Ambiente, pela sua nomeação, semana passada, como Secretário Executivo da Convenção da Biodiversidade da ONU.
No entanto, a primeira avaliação internacional realizada institucionalmente na Conferência de Johanesburgo – “Rio + 10” sobre as expectativas geradas em 1992 comprovou como é difícil transformar boas resoluções internacionais em medidas concretas, apesar da importante aprovação do Protocolo de Kyoto em 1997 para reduzir as emissões de gases do “efeito estufa” na atmosfera, sobretudo o dióxido de carbono.
Durante este período, o capitalismo neoliberal atingiu seu apogeu, promovendo a mais radical desregulação financeira, comercial e de investimentos da história, cuja repercussão está na base da crise de 2008 e de seu espraiamento na conjuntura internacional de hoje.
A Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, a se realizar em junho próximo, será um momento político crucial para contrapor o modelo neoliberal, necessariamente predador, continuamente expansionista, concentrador e gerador de crises, ao modelo democrático e popular que defendemos. Será uma oportunidade de demonstrar — em articulação com movimentos, entidades, partidos políticos e governos progressistas — a superioridade do desenvolvimento sustentável. Que cada um tenha autonomia de escolher a fórmula que deseja aplicar: o importante é que tenha como paradigma o desenvolvimento sustentável, tanto do ponto de vista ambiental, como social, econômico, cultural, com a erradicação da pobreza, redução das desigualdades, distribuição de renda e aprofundamento da democracia.
É esta nossa aposta e saudamos a iniciativa de nosso governo de ter proposto a realização da Rio+20 novamente na Cidade Maravilhosa, como forma simbólica de resgatar compromissos assumidos e não respeitados, principalmente por parte daquelas nações que têm maior responsabilidade e poder para cumpri-los.
Devido à crise econômica que assola destacadamente os países desenvolvidos e que está longe de ser superada em função das medidas equivocadas adotadas para enfrentá-la, existe a preocupação de que a conferência possa ser esvaziada, tanto na forma (pela ausência de líderes importantes) quanto no conteúdo (pelo bloqueio a resoluções claras e concretas).
Não devemos temê-lo, pois o Brasil e muitos outros países têm o que dizer e propor no que tange ao desenvolvimento sustentável. Os indicadores da CEPAL sobre sustentabilidade apontam a América Latina como um continente onde houve progresso desde a Eco–92, particularmente nos últimos dez anos. Na pior das hipóteses, a Rio+20, pode reforçar a polarização entre modelos opostos de desenvolvimento – como já assinalamos — embora desejemos uma resolução que ofereça propostas concretas para todos.
Nosso governo tem se empenhado e destacado nas negociações sobre acordos ambientais internacionais conforme ficou evidente, particularmente na Conferência das Partes – COP 15 em Copenhaguen com o anúncio da redução voluntária de emissões. Além disso, adotamos uma série de medidas para combater o desmatamento no Brasil e investimentos governamentais em energias renováveis. Ainda mais, na recente COP 17 quando a ação de nossos diplomatas impediu a conclusão de um evento sem resoluções, embora o acordo alcançado esteja eivado de termos vagos e às vezes com múltiplas interpretações, especialmente sobre os limites aceitáveis do aquecimento global.
Mesmo assim, têm sido nítidos os avanços do Brasil no que concerne à consecução das metas estabelecidas em Copenhaguen. No combate ao desmatamento, por exemplo, em 2011 o País alcançou uma redução de 66% em relação à média de desmate verificada entre 1996 e 2005. Isto repercutiu na diminuição das emissões de CO2 desde 2005 até hoje – resultado que possivelmente coloca o Brasil na liderança do ranking de redução de emissões.
A propósito da Rio+20, gostaria de tecer alguns comentários pessoais sobre o documento-base para a Conferência, ainda em sua fase inicial, e que tem o mérito da abertura para receber contribuições de organizações da sociedade civil e de ONGs brasileiras que estão participando ativamente.
É fundamental que este documento não seja “regressivo”, isto é, que não deixe de reafirmar as resoluções das várias conferências sociais da ONU realizadas desde o início dos anos 1990, mesmo que não tenham sido cumpridas a contento. E que, a partir da realidade atual, apresente novas propostas de maior abrangência e compromissos mais efetivos quanto ao desenvolvimento sustentável.
Compartilho da opinião de nosso governo sobre a necessidade de reforçar o papel do multilateralismo, bem como do princípio emanado da “Eco 92” da “responsabilidade comum, mas diferenciada” entre os países da comunidade internacional sobre os destinos do planeta.
O documento de contribuição brasileira à Conferência Rio+20 menciona 25 desafios novos e emergentes a serem contemplados quanto ao desenvolvimento sustentável entre eles a erradicação da pobreza extrema, segurança alimentar e nutricional, equidade, empoderamento das mulheres, promoção da igualdade racial, energia, papel do Estado, acesso à tecnologia, financiamento do desenvolvimento sustentável e outros itens também importantes.
No entanto, além deste item, a ONU propõe a discussão sobre a “estrutura institucional do desenvolvimento sustentável” e a “economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza”.
Quero me ater a este último item. Várias pessoas no Brasil e em outros países têm manifestado reservas sobre o significado do termo “economia verde”. Se não seria meramente um marketing para uma nova fase de acumulação de capital a partir da exploração dos recursos naturais, além de um disfarce para velhas e abomináveis práticas de “irresponsabilidade empresarial” contra o meio ambiente sob o manto de falsas medidas de proteção ambiental, o chamado “greenwashing”.
Creio que estas dúvidas são pertinentes, principalmente, ao lermos o documento do Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (PNUMA) a respeito deste tema. Sua posição é absolutamente neoliberal no tocante ao envolvimento do setor privado no desenvolvimento da chamada “economia verde”, embora estejamos assistindo uma vez mais à conseqüência da liberalização irracional nos países centrais.
Eu não tenho dúvidas de que necessitamos de um novo paradigma de desenvolvimento no mundo e tampouco de que este não será alcançado sob a égide do neoliberalismo, pois o novo paradigma de desenvolvimento sustentável se pauta pela igualdade e por uma transição justa e equilibrada a partir do modelo atual. E isso somente será tangível com uma participação decisiva do Estado e de regulamentação. Mas, sobretudo porque a expansão global da economia capitalista ameaça o meio ambiente, sendo urgente controlar o crescimento desenfreado na forma como ele se processa. Trata-se de reverter, ou pelo menos deter, o impacto deste sistema sobre a biosfera, vez que os imperativos do mercado capitalista impõem o crescimento máximo e contínuo em busca do lucro, pouco levando em conta as questões ambientais.
Embora a erradicação da pobreza esteja em pauta na Rio+20, e nós no Brasil temos muito a dizer sobre isso, ela por si só não assegura a igualdade e há muitos bens e serviços disponíveis atualmente para uma minoria da população mundial aos quais o conjunto dela não pode aspirar, pois o planeta não o suportaria. Por exemplo, não seria possível ambientalmente que cada família no mundo tivesse um automóvel, embora, em princípio, seja um direito de todos!
Portanto, devemos focar na busca da igualdade, entre as pessoas e entre as nações. Para que isto seja sustentável, é preciso pensar em mecanismos eficazes de divisão da riqueza e de padrões de consumo igualitários e sustentáveis, implicando limites dos atuais padrões de consumo dos países desenvolvidos, bem como das elites nos países em desenvolvimento em combinação com a elevação dos padrões de consumo da maioria das populações do sul do planeta.
Esta mudança de paradigma requer medidas mais eficazes e imediatas sobre a contenção do aquecimento global e, consequentemente, a implementação de uma economia menos apoiada nas fontes fósseis de energia. Sabemos que isso não é fácil de alcançar e os países em desenvolvimento não podem ter suas oportunidades anuladas devido à irresponsabilidade ambiental de outros. Por isso é que falamos numa transição justa e equilibrada. Mas ela precisa ocorrer de fato, senão todos perderemos.
O posicionamento sobre o tripé do desenvolvimento sustentável, o econômico, o social e, particularmente, o ambiental, não é monopólio de nenhum partido político, tampouco do PT, que tem seus mártires na luta em defesa de causas ambientais, entre eles Chico Mendes, assassinado no Acre em 1989.
Nós do PT continuaremos a contribuir com este debate e com o processo preparatório da Rio+20, além da implementação posterior de suas resoluções.
Como mencionei no início, o tema do desenvolvimento sustentável é amplo e mexe com muitos interesses. O nosso papel como partido é ajudar a compô-los da melhor maneira possível para dar continuidade às iniciativas de nosso governo federal desde 2003. E continuaremos a fazê-lo nos governos estaduais, no parlamento, nos estados e municípios onde tivermos voz. Não por outra razão, firmamos há pouco a Carta Compromisso para promover a Plataforma Cidades Sustentáveis, sinalizando nosso engajamento, antes, durante e depois das eleições, na promoção do desenvolvimento sustentável.
Finalmente, queremos deixar claro que, quando as composições de interesses não forem possíveis, temos o nosso lado. Que é o mesmo dos trabalhadores, dos pequenos produtores, dos estudantes, dos empreendedores responsáveis, das mulheres, dos negros, dos povos da floresta, enfim, da maioria do nosso povo.
Por isso, estaremos no Rio de Janeiro tanto nas atividades oficiais no “Rio Centro”, quanto, uma vez mais, na “Cúpula dos Povos” no Aterro do Flamengo."