Indignações seletivas: a crise da USP
Lemos no noticiário que seis estudantes da Universidade de São Paulo foram expulsos da instituição devido à suposta participação em atos de vandalismo ocorridos na ocupação da Coordenação de Assistência Social (Coseas) em 2010. O reitor, João Grandino Rodas, alega que um processo disciplinar instaurado após o evento teria comprovado a participação dos seis estudantes da Escola de Comunicação e Artes e da Faculdade de Filosofia na depredação do patrimônio e desaparecimento de documentos. Os alunos negam e asseguram que devolveram tudo que estava no prédio em ato público; alguns ainda afirmam que nem sequer estiveram na ocupação, o que caracterizaria então uma perseguição política.
É sintomático que as expulsões ocorram no mesmo ano em que a polícia entrou no campus, por solicitação do reitor, para retirar os alunos que também ocuparam o prédio da reitoria para protestar contra a presença de policiais na USP, que, em nome da segurança após o assassinato de um aluno da Faculdade de Economia, estariam abordando alunos e até professores (quase todos dos cursos de Humanidades, é bom que se diga) com o famoso modus operandi truculento da tropa paulista. E em um momento que alguns professores, em nome da “legalidade”, estariam reprovando alunos por faltas em razão da greve que realizam desde a invasão da polícia ao campus. Em todos esses casos, não faltaram vozes da chamada “opinião pública” felicitando a direção da universidade pelo rigor contra os “vagabundos” e “maconheiros”.
Decerto que ninguém em sã consciência defenderia gratuitamente depredação de patrimônio público ou a aprovação de alunos sem a devida presença em situações normais, mas não parece ser esse o caso. A universidade brasileira, e em especial a USP, parece estar vivendo um grande déficit democrático, com uma estrutura incapaz de responder de forma adequada, e sem truculência, aos problemas internos. Comparar as manifestações dos alunos com uma simples “baderna”, sem abrir espaço para um diálogo realmente propositivo, inclusive para dissuadir eventuais posturas mais extremistas de grupos políticos mais radicais, é no mínimo má vontade. E aplaudir o acionamento de forças de repressão para resolver esses problemas é um atestado de incompetência acadêmica e política.
Mas a estranheza fica maior quando comparamos o rigor e o rito quase sumário dessas decisões uspianas com eventos que ocorreram há pouco tempo e não parecem ter despertado a mesma indignação nos paladinos da law and order que grassam hoje pela internet e por outras mídias. Em outubro de 2010, no InterUnesp, evento dos alunos da Unesp, alguns desses discentes organizaram pelas redes sociais aquilo que ficou conhecido como “rodeio das gordas”, que consistia em subir violentamente nas costas de alunas consideradas “feias” ou “gordas” como se estivessem em cavalos de rodeio. Após repercussão negativa na imprensa, foi aberto processo disciplinar e os três alunos identificados como promotores dos atos violentos foram apenas suspensos por cinco dias. Os organizadores do InterUnesp decidiram bani-los das próximas edições. O Ministério Público das cidades de Araraquara (onde ocorreu o evento) e de Assis (onde fica o campus de alguns dos acusados) resolveram agir e propuseram a não abertura de processo se cada um doasse vinte salários mínimos em cestas básicas a instituições assistenciais. Dois deles aceitaram. O que recusou foi processado por danos morais e, caso condenado, deverá pagar cinquenta salários mínimos de indenização.
Salvo algumas notas na imprensa, quase ninguém se manifestou com o mesmo furor contra esses jovens que praticaram tal violência contra alunas da universidade, para não falar da punição branda que a própria instituição aplicou, apesar dos comunicados indignados divulgados pela direção à época. Cabe a pergunta: dois pesos e duas medidas? Uma manifestação, independentemente de equivocada ou não, contra um regimento interno do período da ditadura militar é descrita como “baderna”. Outra, típica da misoginia que anda de mãos dadas com outras formas de intolerância em nossa sociedade, é tratada como algo apenas pueril. Uma questiona estruturas de poder retrógradas na sociedade, outra é expressão típica dessas estruturas. Se fosse honesto o legalismo mobilizado por dirigentes e alguns professores para aplicar punições, seria de esperar rigor idêntico para ambos os casos e uma onda de indignação pelos chamados formadores de opinião em seus blogs. Mas não foi isso o que observamos.
Certamente não chegam a ser estranhas essas indignações seletivas, quando vemos casos como o do recente livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., lançado no final de 2011. Repleto de dados sobre irregularidades nos processos de privatizações promovidas no governo FHC e sério candidato a best seller pela grande procura nas livrarias, A Privataria Tucana passou quase desapercebido pela imprensa e por seus leitores, vanguardeiros da moralidade…
*Agnaldo dos Santos é professor da Unesp-Campus Marília e membro do Núcleo de Estudos d’O Capital do PT-SP
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