Centenário de Marighella
Nesta segunda-feira, 5 de dezembro, a Bahia está recebendo a Comissão de Anistia, que deverá, em nome do Estado brasileiro, pedir desculpas à família de Carlos Marighella pelo assassinato dele, a sangue frio, cometido por verdugos da ditadura militar.
Nesta segunda-feira, 5 de dezembro, a Bahia está recebendo a Comissão de Anistia, que deverá, em nome do Estado brasileiro, pedir desculpas à família de Carlos Marighella pelo assassinato dele, a sangue frio, cometido por verdugos da ditadura militar.
Será, tenho certeza, uma emocionante solenidade que será realizada no Teatro Vila Velha, Estão previstas as presenças do ministro José Eduardo Cardozo, da Justiça, da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, e do governador Jaques Wagner. E é claro de centenas de defensores dos direitos humanos e de militantes políticos, muitos dos quais, como ele, participaram da luta contra a ditadura.
Os que, mais do que todos, terão razões para se emocionar serão Clara Charf, companheira de Marighella desde 1948, e Carlinhos Marighella, seu filho. Os dois tem desenvolvido uma atividade incansável desde a morte dele para assegurar que o Brasil e a Bahia nunca esqueçam a contribuição que ele deu às lutas do povo brasileiro, se deem conta na devida dimensão de sua dedicação às causas da democracia e do socialismo.
De modo especial, quero dizer que a Bahia tem razões para se orgulhar desse baiano nascido na Baixa dos Sapateiros lá pelos idos de dezembro de 1911 – melhor, em 5 de dezembro de 1911. A sessão da Comissão de Anistia, portanto, se dá no centenário de nascimento dele. Um dia de festa para a Bahia.
Honra-me muito ter escrito o livro “Carlos Marighella, o inimigo número um da ditadura militar”, que lancei em 1997, pela editora Casa Amarela, já em terceira edição. Pude, pesquisando, além do que já sabia, compreender a dimensão, a grandeza do revolucionário, do comunista, da pessoa sensível que era Marighella, de sua inventividade, de seu carinho com as crianças, de sua veia poética. Desmentia a natureza supostamente mal humorada dos comunistas – era de bem com a vida, sempre, mesmo nas situações mais difíceis que não foram poucas em sua existência.
Desde a juventude, nos anos 30, vinculou-se ao PCB. Foi preso em 1932, na Bahia; em 1936, no Rio de Janeiro; em 1939, em São Paulo. Nas duas últimas prisões, foi barbaramente torturado, e nunca disse uma única palavra que comprometesse seus companheiros ou o partido. Era de uma bravura incomum. Disse uma vez, corretamente, que não tivera tempo para ter medo. Preso em 1939, só saiu em 1945, com a anistia, quando se elege deputado federal pela Bahia, pelo PCB.
Exerce um mandato brilhante e ousado politicamente, afinado com o PCB naturalmente. É cassado em 1948, na esteira da cassação do registro do PCB. Volta à clandestinidade, dirige o partido em São Paulo, é o principal estimulador da greve operária de 1953, que envolveu mais de 400 mil trabalhadores e saiu vitoriosa. Sofre muito com o Relatório Kruschev, de 1956, quando foram reveladas as atrocidades de Stálin. É guindado à Executiva Nacional do PCB em 1957.
Pouco a pouco, vai se incomodando com o que considerava a linha excessivamente conciliatória do PCB, revelada de modo mais claro com o golpe de 1964, quando não houve chance de qualquer reação. Rompe com o partido em 1966, e funda logo depois a Ação Libertadora Nacional (ALN), assumindo claramente a perspectiva da luta armada, na qual se envolve profundamente. Torna-se o inimigo número um da ditadura militar e talvez o nome mais simbólico da esquerda brasileira naquele momento.
A partir de 1969, a ditadura aperta o cerco, não só torturando de maneira bestial, como sabendo manipular melhor as informações. O sequestro do embaixador americano, Charles Burke Elbrick, coloca todo o aparato repressivo da ditadura no encalço dele, que não havia participado da ação. Ele, que não havia sido avisado do sequestro, mas que o apoiou quando soube, comentou, também, que as consequências seriam pesadas. Foram.
Numa sucessão impressionante de torturas, de assassinatos, a repressão foi se aproximando de Marighella, até matá-lo covardemente na noite de 4 de novembro de 1969, na Alameda Casa Branca, em São Paulo. Nós todos morremos um pouco naquela noite. Hoje, na Bahia, celebramos o nome Marighella, herói do nosso povo, símbolo dos nossos melhores sonhos.
*Emiliano José é jornalista, escritor, deputado federal (PT/BA)