A Europa está numa turbulência econômica, financeira, social e política como não vivia há muito tempo.

Embora as tormentas mais fortes pareçam concentrar-se, agora, na Grécia, Itália, Espanha e Portugal, estes países talvez sejam apenas a ponta de um iceberg cuja profundidade e extensão ainda não se conseguiu medir com precisão.

Com a unificação monetária, através do euro, e a adoção de políticas de transferência de renda para países e regiões menos desenvolvidos do bloco, os povos locais acreditaram que haviam, finalmente, alcançado um padrão de vida semelhante ao dos países mais desenvolvidos, como Alemanha, França e Inglaterra. Governos de direita e de esquerda davam-se ao luxo de disputar a radicalização de programas sociais, sem considerar que a conta deveria ser paga em algum momento. E não se empenharam em desenvolver suas cadeias produtivas, de modo a reforçar sua competitividade regional e internacional. Nessas condições, enquanto os sistemas produtivos da Alemanha, França e, em certa medida, Inglaterra, mantinham seu dinamismo, exportando seus produtos para os países mais atrasados do bloco, estes viam eliminados diversos de seus setores produtivos, inclusive agrícolas, pioravam sua capacidade competitiva e tinham que ampliar seus programas de suporte social, de modo a manter a ilusão de prosperidade econômica e bem-estar social.

O bloco europeu como um todo também não prestou a devida atenção às consequências futuras dos movimentos de suas corporações transnacionais. Estas, especialmente a partir dos anos 1990, passaram a transferir unidades inteiras de suas plantas industriais para a Ásia, em especial para a China, aproveitando-se das condições favoráveis que aqueles países ofereciam para frear ou reduzir as tendências de declínio das taxas médias de lucro das corporações empresariais. Tais movimentos corporativos eliminaram postos de trabalho em seus países de origem, aumentando as pressões sociais pela distribuição de mais recursos estatais.

Paralelamente, esses diversos movimentos abriram condições para o surgimento de novos países emergentes e transformaram a Ásia do Pacífico no principal pólo industrial do mundo. Com isso, contribuíram para reduzir, em certa medida, a transferência de riquezas dos antigos países do terceiro mundo para os países do segundo e primeiro mundo. Embora as corporações transnacionais continuem se apropriando de parte considerável dos produtos internos brutos desses novos países emergentes, tais recursos entram principalmente nos circuitos da especulação financeira, sinalizando o quanto as corporações transnacionais se tornaram autônomas em relação aos Estados de seus países de origem e o quanto contribuíram para a desindustrialização dos Estados Unidos e de vários outros países desenvolvidos.

A Alemanha, porém, conseguiu manter sua prosperidade relativamente inalterada, em grande parte por haver aplicado um golpe econômico e financeiro sobre os demais países do bloco europeu e sobre seus próprios trabalhadores. Ao manter desvalorizado o antigo marco alemão em relação ao euro, e controlado os salários dos trabalhadores, o governo germânico elevou a produtividade e a competitividade das suas empresas nacionais e de suas exportações, em especial para os países do bloco, e conquistou uma situação que parecia inalterável. Aquele golpe, porém, pode se tornar fatal para a própria Alemanha. Os povos dos países que afundam na crise de endividamento e de quebra da prosperidade, com milhões de desempregados e cortes nos programas sociais, à medida que se apercebem do golpe aplicado pela Alemanha, em conluio com seus governos “socialistas” (Grécia, Espanha e Portugal) e para-fascistas (Itália), tendem a exigir a saída do país da zona do euro, a declaração da moratória da dívida, e a re-adoção de suas moedas nacionais, como forma de recuperação econômica e financeira nacional. A Alemanha se encontra, assim, diante de pelo menos dois cenários nada agradáveis. Por um lado, ela pode continuar achando que a culpa pelas crises grega, italiana, espanhola e portuguesa é de seus povos, que pouco trabalhavam e pouco produziam, que é a forma pela qual o governo Merkel vinha enfrentando a situação e explicando-a para o povo alemão. A perseverança nesse caminho deve levar à destruição do euro como moeda única, tirando da Alemanha todas as vantagens econômicas competitivas que lhe haviam propiciado anteriormente, além lhe causar um enorme desgaste político.

Por outro lado, a Alemanha também pode bancar a recuperação dos países em crise, de modo a salvar o euro como moeda única. Em outras palavras, ela terá que investir cerca de um a dois trilhões de euros para reerguer a economia daqueles países, provavelmente numa situação política em que não mais poderá aplicar golpes lucrativos. Saber se o governo alemão se convencerá disso é algo ainda a ser comprovado.

Em qualquer das hipóteses, esses cenários terão consequências sobre a economia mundial e devem rebater sobre a economia brasileira. Mais do que antes, o Brasil deverá ser compelido a rebaixar suas taxas de juros, aplicar taxas de câmbio que elevem a competitividade de seus produtos industriais, direcionar investimentos para melhorar sua infra-estrutura e elevar sua industrialização, e intensificar a redistribuição de renda para reforçar o poder de compra de sua população e, portanto, o mercado interno.

O tucanato propõe a velha receita neoliberal para o país. E aposta que o governo Dilma será incapaz de enfrentar a crise, cuja profundidade e extensão deve ser ainda mais grave do que o nível que apresenta na atualidade, em especial porque se conjuga com a crise norte-americana. Por outro lado, a atual crise mundial capitalista é uma oportunidade impar para o Brasil.

Ela abre condições econômicas, sociais e políticas para o governo Dilma dar uma virada ainda mais profunda na situação brasileira. Ele pode reformar a agricultura, ampliando o papel da economia agrícola familiar na produção de alimentos para o mercado interno. Pode intensificar a reforma da infra-estrutura e o adensamento das cadeias produtivas industriais, definindo mais claramente as formas de investimentos estrangeiros diretos e restringindo os investimentos especulativos de curto prazo. Pode estimular o desenvolvimento de setores industriais nacionais, estatais, privados e mistos, naquelas áreas industriais oligopolizadas ou monopolizadas por multinacionais estrangeiras.

Com essas reformas e estímulos, pode criar as condições econômicas para gerar os recursos necessários para modificar para cima a situação dos miseráveis e dos pobres. E pode gerar as condições políticas para realizar as reformas tributária e política, que ampliem a democratização da propriedade e da cidadania. Este é o momento.

 

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