Nilmário Miranda: Comissão da Verdade é “quarto momento” da redemocratização
Ex-ministro admite frustrações, mas enfatiza avanço histórico e observa que esta "não é a última página da transição"
Ex-ministro admite frustrações, mas enfatiza avanço histórico e observa que esta "não é a última página da transição"
São Paulo – Veterano militante dos direitos humanos, o ex-ministro e ex-deputado Nilmário Miranda, atual presidente da Fundação Perseu Abramo, considera a aprovação da Comissão da Verdade o "quarto momento" da redemocratização do Brasil. Os anteriores seriam a Lei da Anistia, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos e a Comissão da Anistia.
O ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República considera relevantes as críticas ao projeto aprovado, admite frustrações, mas observa que no Brasil "sempre foi assim", referindo-se ao andamento do processo político. "Quando houve a anistia (em 1979), houve uma frustração muito grande, por não ter incluído a questão dos mortos e desaparecidos e excluído os torturadores. Mas foi o que permitiu a volta dos exilados, a reorganização dos partidos, a volta da democracia. A questão dos mortos e desaparecidos era tabu, e houve críticas pesadas (durante a formação da comissão)."
Para Nilmário, as emendas não alteram o resultado central. "Quem decide é o Congresso, sempre é o Congresso. Todos nós queríamos muito mais. Mas pela primeira vez vai haver uma comissão com dedicação integral, remunerada", afirma. Segundo ele, o número de integrantes da comissão – sete – não restringe o trabalho ("No Chile eram oito"), tampouco o período previsto para a conclusão das atividades (dois anos). "Como dizer de antemão que não vai dar tempo?", questiona.
Mesmo a dilatação do período de análise (1946-1988) não chega a representar um problema, na visão de Nilmário. "Isso foi um acordo feito nas negociações do Jobim (Nelson Jobim, ex-ministro da Defesa). O período de 1946 até 1961 foi democrático. O período que interessa mesmo à sociedade é 1961-1988, especialmente 1964-1985. A tendência natural é concentrar nesse período."
Não se pode fazer um pré-julgamento, prossegue Nilmário, ainda mais sem conhecer as pessoas que vão compor a Comissão da Verdade. "Daqui a cinco anos, vamos avaliar a sua importância para a democracia", diz, destacando a importância de se obter uma "posição oficial do Estado brasileiro sobre a ditadura".
É importante ainda observar a situação política, acrescenta. "Quem imaginava, dez anos atrás, que isso poderia acontecer. É um grande momento histórico. Não é o que eu queria, o que o ACM Neto queria. Aprovou a lei possível, é um avanço. Esta é a melhor época para isso. Tudo tem sua vez e sua hora."
Sobre nomes, depois de tentar se esquivar, Nilmário avalia que o ideal seria contar com pessoas que não sofreram diretamente as consequências da ditadura – apenas para não serem questionadas durante todo o tempo. E lembra que a Argentina recrutou gente como o escritor Ernesto Sábato, a África do Sul, o bispo Desmond Tutu e o Chile, um senador de centro, Raúl Rettig, para compor comissões semelhantes.
As resistências são normais, lembra Nilmário. "Ela (a comissão) mexe com as entranhas das pessoas. A ditadura foi civil-militar. Envolveu empresários, juristas, cientistas, políticos, e uma rede de espiões calculada em mais de 300 mil pessoas. A verdade incomoda." Mas ele acrescenta que a Comissão da Verdade não encerra o processo – há muitos casos de mortos e desaparecidos por desvendar e documentos a serem abertos. "Não é a última página da transição, mas é importantíssima."
Na noite da aprovação da Comissão da Verdade pela Câmara, Nilmário Miranda celebrou tomando vinho com Carlos Tibúrcio, também jornalista, com quem dividiu a autoria do livro "Dos Filhos deste Solo", sobre vítimas da ditadura. "Vinho e verdade estão associados na história", escreveu Nilmário.