Independente de estarmos no poder ou não, o PT permanece um partido que organiza, forma e estimula a atuação política de homens e mulheres

O quarto Congresso do Partido dos Trabalhadores, realizado entre os dias 2 e 4 de setembro de 2011, em Brasília, foi mais um dentre vários exemplos, da unidade, da grandiosidade e da força do nosso partido. Representou, ainda, um marco no aprofundamento da nossa democracia interna e na determinação de que as direções partidárias reflitam a pluralidade da nossa base. As deliberações no sentido de que as direções, a partir de 2014, tenham paridade entre homens e mulheres, contemplem uma cota mínima de 20% de jovens e 20% de negros só poderiam existir no PT. Maior rigor na cobrança das contribuições financeiras, a partir da compreensão que autonomia política implica na necessidade de autossustentação e a obrigatoriedade de que o(a) filiado(a) participe de atividades de formação foram decisões acertadas que vão no sentido de criar condições para que todo filiado se torne, também, um militante comprometido, atuante e participativo.

O fato de representarmos o que existe de mais moderno e politizado no conjunto de agremiações partidárias no país, entretanto, não pode nos levar a um acomodamento ou a uma limitação da nossa ousadia, devido à comparação com os demais. Poderíamos ter avançado mais ainda, em especial no que diz respeito ao papel e ao espaço político dos setoriais no interior do nosso partido. Nos debates realizados com a base partidária, em especial a que atua no movimento sindical, tenho percebido que parte considerável compreende que seria necessário existir, nas instâncias da direção partidária, maior equilíbrio entre os militantes com atuação institucional e os que atuam em movimentos sociais, intelectuais e outros segmentos da sociedade.

Considero que conquistar o poder político, seja ele federal, estadual ou municipal é o objetivo maior, pois é assim que se fazem as mudanças necessárias para transformar o Brasil num pais justo. No entanto, independente de estarmos no poder ou não, o PT permanece um partido que organiza, forma e estimula a atuação política de homens e mulheres. As emendas que apresentei no 4º Congresso, resultado de rico debate com o movimento sindical e outros movimentos, caminhavam nessa direção.

A necessidade de equilíbrio dentro do PT

Com essa visão, apresentei três emendas no Congresso do PT:

a) “Os encontros setoriais elegerão delegados (as) aos encontros partidários de mesmo
    nível, zonais, municipais, distritais, estaduais e nacionais, numa proporção de um (a)
    delegado (a) a cada 30 (trinta) presentes, limitando-se a representação a um total de
    10 (dez) delegados (as); (Rejeitada);

b) As coordenações setoriais terão direito a voz e voto nas reuniões dos diretórios de
  nível correspondente, zonais, municipais, distritais, estaduais e nacionais; (Rejeitada);

c) Na composição das direções municipais, estaduais e nacional, o partido buscará
  equilíbrio em sua composição, levando em conta a participação dos militantes do
  movimento social, intelectuais, integrantes da sociedade e membros do executivo e
  parlamento. (aprovada).

Sobre a eleição de delegados às instâncias correspondentes, a emenda tinha por objetivo garantir a presença de militantes do movimento social nas decisões do partido, fazendo a contrapartida e complementando a contribuição daqueles e daquelas que militam na institucionalidade. Para se ter uma noção do que estamos falando, seria uma representação quase simbólica. Jamais ocorreria que os movimentos sociais, com os critérios da emenda, chegassem a um número tão expressivo que distorcesse a representatividade do partido. Neste quarto Congresso não teríamos mais do que oitenta delegados oriundos dos movimentos sociais, caso estes critérios estivessem em vigor.

A proposta que os secretários dos setoriais passassem a ter direito a voz e voto nos diretórios (nacional, estaduais e municipais), em nenhum momento causaria distorção na representação junto às direções. Seria, ao contrário, mais um elemento que garantiria a representação da pluralidade do partido. Apenas na hipótese de todos os setoriais serem transformados em secretarias, seria possível ocorrer essa distorção. Nesse caso, poderíamos ter chegado a uma proposta consensuada de estabelecer um limite de membros dos movimentos sociais em cada reunião, de acordo com o conteúdo da pauta a ser debatida. Por que mulheres, sindicalistas, negros, jovens, lideranças do meio ambiente, do setor agrário e da cultura, eleitos em encontros com forte presença da militância, envolvendo petistas da grande maioria dos estados, teriam menos legitimidade do que companheiros e companheiras eleitos por chapas no processo do PED? A argumentação de que haveria distorção na representação das forças políticas também não procede. Primeiro porque as correntes já fazem parte e dão sua contribuição em diversos setoriais. Segundo, se alguma não o faz, este seria uma razão para que participasse de determinados segmentos, levando sua contribuição, suas reflexões e disputando – legitimamente – a condução da política deste ou daquele setor.

Nada contra a presença nas instâncias partidárias da militância que ocupa cargos no aparelho do Estado, mas, convenhamos, há uma certa distorção, principalmente se considerarmos que nossa origem e vocação foi, e continua sendo, a busca por um “empoderamento” daqueles que estão na produção, nas periferias, nas lutas por melhores condições de vida. Se olharmos a composição de parte significativa das direções nos estados e municípios perceberemos que há uma presença exagerada daqueles que ocupam cargos na administração pública ou no parlamento. Há casos em que a quase totalidade dos membros da executiva é composta por militantes com essas características. A ausência de representantes de outros segmentos nos órgãos de direção faz com que a pauta da instância partidária se restrinja à administração e ao parlamento. Reconheço que na Executiva nacional e, em alguns estados e municípios, têm havido uma interlocução positiva envolvendo os diversos segmentos organizados da sociedade, com seus anseios e demandas. Convenhamos que esta não é uma regra geral. O PT real é um pouco diferente do PT dos nossos sonhos, discursos e resoluções.

Autonomia e Corporativismo

Durante o Congresso, argumentou-se que essas propostas retiram autonomia dos movimentos sociais e são corporativas. Considerar que estas emendas poderiam ferir a autonomia dos movimentos sociais é, no nosso entendimento, uma argumentação inusitada e falsa, de quem confunde setorial de movimentos sociais, vinculados ao PT, com organizações da sociedade. Setorial é um ente do partido, submetido às instâncias do partido e jamais poderão ter autonomia. Suas deliberações precisam ter a concordância das instâncias partidárias. Setorial sindical do PT não é a CUT, esta sim, autônoma em relação ao partido, bem como a Secretaria da Juventude não é a UNE, a Marcha Mundial de Mulheres não é a Secretaria Nacional de Mulheres do PT e assim por diante. Os setoriais debatem propostas para serem apresentadas no interior dos movimentos e na sociedade, sempre defendendo autonomia das organizações para evitar que estas se transformem em aparelhos partidários.

Outro argumento esdrúxulo destacava o perigo do corporativismo, como se uma maior presença dos segmentos organizados pudesse fazer com que suas demandas específicas ganhassem uma dimensão exagerada dentro do partido, tornando-o refém de pleitos localizados que não necessariamente interessassem a toda sociedade. Nossas propostas tinham por objetivo, justamente, combater o corporativismo existente hoje em nosso partido devido à presença super dimensionada de militantes que atuam na institucionalidade. É ou não verdade o sentimento de parte expressiva da militância de que o nosso partido se transformou numa agremiação de quem tem mandato, de quem ocupa cargos na administração pública e de assessores. Esta, sem dúvida, é a maior e mais poderosa corporação do partido. Perto dela somos apenas um pequeno exército de “bagrinhos” revoltados, “brutos e malvados”.

Durante toda a existência do PT ouvimos e lemos afirmações de profunda admiração pelos movimentos sociais e freqüentes declarações de amor eterno. Entretanto, quando apresentamos uma proposta extremamente humilde para aumentar somente um pouquinho o nosso poder e inserção no partido – pronto! –  Já somos acusados de corporativos. No fundo parece que somos bons para determinadas tarefas, desde que tenhamos pouco poder e não ameacemos a poderosa corporação. Fiquem tranqüilos. Isto jamais ocorrerá!

As sugestões que fazemos vêm no sentido de, justamente, buscar o equilíbrio entre os mais diversos segmentos onde a militância está presente, dando voz (e voto) nas instâncias de decisões aos representantes dos movimentos organizados sem suprimir a voz (e o voto) daqueles que ocupam cargos no Estado e no Parlamento. A aprovação de uma de nossas sugestões, recomendando que, na composição das direções, o partido buscasse equilíbrio entre militantes de movimentos sociais e membros do executivo e legislativo demonstra o sentimento da militância acerca da necessidade desse equilíbrio. Essa compreensão, entretanto, não foi suficiente para que nosso partido desse o passo seguinte, aprovando regras que garantisse esse equilíbrio.

Por fim, quero ressaltar que o extraordinário crescimento do PT se deve aos acertos das políticas implementadas pelos nossos governos, demonstrando que o PT é o verdadeiro partido que melhora a vida do povo brasileiro. No entanto, é preciso que criemos mecanismos para que esses trabalhadores e trabalhadoras, organizados ou não em movimentos, encontrem espaços para militar dentro do partido, com suas demandas e propostas. Todos nós devemos atuar para que o PT do futuro não se transforme em um dos velhos partidos de esquerda que, de tanto priorizarem a institucionalidade, se distanciaram dos movimentos sociais, que não se sentem mais representados por eles. As reformas neoliberais impostas por estes mesmos partidos quando chegaram ao poder, também é reflexo deste distanciamento. Se persistirmos no caminho que alguns companheiros e companheiras estão traçando, em que a representação política só tem valor quando conquista espaços de poder no aparelho do Estado, podemos estar caminhando rapidamente para transformar o PT em um partido igual aos outros.

João Antônio Felício é secretário Sindical Nacional do PT e secretário de Relações Internacionais da CUT