Negociando com a oposição a relatoria, no Senado, do projeto que cria a Comissão da Verdade, o governo federal está confiante de que a proposta entrará em pauta nesta quarta-feira na Câmara Federal. Ao Sul21, a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, confirma que o PSDB pode ficar com a relatoria do projeto no Senado e afirma que o governo trabalha apenas “com algumas particularidades” em relação ao DEM. “Mas estamos otimistas com a votação ainda nesta semana”, afirma.

Na entrevista, a ministra defende que qualquer alteração no projeto, agora, comprometeria a chance de a Comissão da Verdade ser aprovada. Maria do Rosário salienta que a escolha dos integrantes da futura comissão é de exclusividade da presidenta Dilma Rousseff, que cogita a participação de representante das Forças Armadas. Por outro lado, ela diz que protagonistas da tortura no período de exceção certamente não estarão entre os escolhidos.

Para a ministra, apesar de não ser “uma comissão revanchista”, o trabalho final das investigações permitirá à sociedade civil seguir lutando pela punição dos torturadores. “Os setores sociais que fazem a luta por justiça seguirão mobilizados, mas não mais apenas com as informações contadas pelos órgãos de repressão daquele período”, destaca.

Sul 21 –  Pela movimentação política do governo federal, o Brasil está mais perto de aprovar a Comissão da Verdade?

Maria do Rosário –  Sim. Estamos em fase final das negociações com os partidos. Ainda trabalhando com algumas particularidades, como o DEM. Mas, está bem construído.

O que faz a senhora ter esta convicção?
Há uma movimentação da sociedade favorável à aprovação da Comissão da Verdade, que entende que protelar significará perder a chance de ter um instrumento real de investigação da história do Brasil.

A reunião com os ex-ministros de Direitos Humanos na última semana e a moção de apoio de artistas e intelectuais têm peso político para pressionar o Congresso?
Têm peso. A reunião dos ex-ministros e este ato dos artistas e intelectuais reforçam a luta dos setores que sempre resistiram em nome da verdade. O Brasil precisa da verdade.

A expectativa de que a matéria entre na pauta nesta quarta está mantida?
Estamos trabalhando para isso, mas sabemos que há três medidas provisórias na pauta, como a Emenda Constitucional 29, a indicação dos membros do Tribunal de Contas na União (TCU). Mas estamos otimistas com a votação ainda nesta semana.

O governo ainda negocia com o DEM. Qual é a exigência do partido?
Não é uma exigência por  cargos, mas de acrescentar emendas com propostas de alteração nos critérios de participação dos integrantes da comissão. Mas estamos em um bom diálogo. Eu tenho dito ao DEM e aos demais partidos, que temos a chance de mostrarmos uma unidade pela democracia.

Como fazer uma narrativa sobre a violação dos direitos de forma plural, se a história for recontada por pessoas que defendem os interesses de vítimas e também as que defendem os interesses dos militares?
Eu acho que este equilíbrio é necessário. Esta comissão não é revanchista, é pela verdade e estará do lado das pessoas que sofreram a repressão. Não existe um debate entre dois lados, dos torturadores e dos torturados. A comissão irá analisar as responsabilidades do Estado brasileiro nas mortes, prisões forçadas e na tortura utilizada como forma de ação política. Evidente que há setores que precisam se sentir representados por ela, que são os lutadores da democracia no Brasil. Mas não é uma Comissão que fará um trabalho específico contra as Forças Armadas. Hoje as Forças Armadas constroem a democracia também, dentro dos pressupostos constitucionais.

A presença de militares é um ponto  criticado por militantes dos direitos humanos.
A escolha será da presidenta.

Mas não está descartada?
Não. Mas eu percebo um espírito contrário a isso. A certeza é que pessoas que estiveram envolvidas na repressão não estarão na Comissão.

E presos políticos?
Isso eu já não posso afirmar que não terá. Mas como a Comissão da Verdade é para investigar a tortura no período, a única coisa que eu posso assegurar é que não haverão envolvidos com torturas.

Quem deve ser o relator do projeto?
Como o governo prioriza que a matéria seja votada, não opinamos sobre a escolha de relatores. Estamos deixando no trabalho das lideranças.

Há possibilidade de ser alguém do PSDB?
Existe sim. O projeto já não é mais do governo e tampouco da oposição. É um projeto que reúne democratas.

O governo irá alterar o projeto para atender aos interesses das siglas antes de colocá-lo em votação? E como ficam os setores mais críticos que vinham pedindo alterações no projeto?
Talvez mudanças no projeto possam atrasar a votação da matéria. Eu posso  assegurar que os instrumentos que termos com a Comissão da Verdade, como estão propostos, são bons para investigar o ocorrido no período. Ainda vamos contar com o trabalho das Comissões de Mortos e Desaparecidos Políticos e da Comissão de Anistia.

O objetivo original da Comissão da Verdade era apurar denúncias de violações dos direitos humanos durante a ditadura militar, mas o prazo foi alterado para o período de 1946 a 1988. Este ponto é outro muito questionado.
Mas é melhor um período mais amplo do que mais restrito. O período vem da Constituição de 46 até a Constituinte de 88. O foco é a ditadura militar, mas o golpe de 64 não foi realizado da noite para o dia. Precisamos contar com esta margem de tempo.

É possível esperar que no Brasil, ao criar uma Comissão da Verdade, possa debater sobre a punição aos torturadores?
Quem pune é o poder judiciário. Uma comissão criada no âmbito do poder executivo jamais teria um poder punitivo. Nos outros países também foi assim. Assim como não temos meios punitivos hoje, não temos como saber como será no futuro. Mas não é isso que o governo defende. Se estivéssemos defendendo responsabilização criminal, nós estaríamos impedindo ou pelo menos dificultando o primeiro passo da justiça, que é a verdade e a memória. Por isso eu acredito que isto será um processo para nós. Sabemos que existem familiares que tem posição crítica e especialistas também. Mas, vendo a situação da Argentina ou demais países do Conesul e do mundo, as Comissões da Verdade não começaram com este caráter punitivo.

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei de Anistia, que prevê que os autores de crimes no período da ditadura deixariam de responder a crimes de natureza política, não compromete este processo?
Não. O trabalho da Comissão da Verdade é fazer um levantamento circunstanciado dos fatos no período proposto. Vai apresentar o relatório à sociedade e os setores sociais que fazem a luta por justiça seguirão mobilizados, mas não mais apenas com as informações contadas pelos órgãos de repressão daquele período. Com informações de uma comissão autônoma, que será a Comissão da Verdade.

Como a senhora recebe a crítica do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, sobre a Comissão da Verdade estar sendo tocada em regime de urgência ser uma “encenação” do Brasil para a comunidade internacional?
Ao contrário. Respeito toda crítica. Mas este não é um governo de encenação. Estamos aqui tentando fazer a nossa parte, orientados pela presidenta Dilma que é insuspeita na defesa da democracia e dos Direitos Humanos. As pessoas podem dizer o que quiserem, mas não poderão jamais negar que este é um governo que quer avançar nesta luta. E a presidenta tem esta história.