Ex-ministro da Casa Civil no governo Lula, José Dirceu mantém-se como homem forte do PT, ainda que minimize sua participação na direção do partido. “Procuro ajudar o governo e o PT. Mas não tenho essa importância, esse papel que querem dar a mim”, afirma. No entanto, enquanto trabalha como consultor de empresas e prepara a defesa no processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), faz política na maior parte do tempo.

Ex-ministro da Casa Civil no governo Lula, José Dirceu mantém-se como homem forte do PT, ainda que minimize sua participação na direção do partido. “Procuro ajudar o governo e o PT. Mas não tenho essa importância, esse papel que querem dar a mim”, afirma. No entanto, enquanto trabalha como consultor de empresas e prepara a defesa no processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), faz política na maior parte do tempo.

Os rumores de uma rebelião no governo Dilma Rousseff, os desafios da presidenta frente à crise econômica e as propostas de reforma política estão na pauta de José Dirceu. Em entrevista concedida ao Sul21 na semana passada, ele avaliou positivamente a atuação de Dilma na área econômica e criticou a oposição – e setores da imprensa – por aventarem a possibilidade de Lula ser candidato em 2014.

Diante da série de denúncias em ministérios, Dirceu defendeu a política de alianças iniciada no governo Lula e afastou a relação da ampla coalizão com casos de corrupção. “O combate à corrupção tem sido feito. Mas é preciso fazer a reforma política e administrativa também”, defende. Do contrário, o sistema político perderia a credibilidade: “A reforma política é uma demanda que vai se impor. Senão, o sistema vai cair, e vai cair nas ruas”.

Na entrevista, José Dirceu também comentou a crise do governo Lula em 2005, os desafios do Brasil na América Latina e, por fim, as costuras políticas de seu partido para as eleições municipais em Porto Alegre.

Gostaríamos de começar com um assunto que vem sendo discutido nas últimas semanas, que é esse debate sobre se a presidenta tem, ou não, traquejo para lidar com as denúncias de corrupção. Alguns jornais noticiaram que o senhor teria dito temer que o governo Dilma não chegasse até o fim e que sentia-se “apavorado” com a forma como Dilma estava conduzindo o diálogo com os aliados. Como o senhor avalia a condução política de Dilma Rousseff a partir dessas denúncias de corrupção?
Suceder o Lula não é fácil. A Dilma é um “case” nesse sentido. As pesquisas mostram que ela tem 70% de aprovação, sendo que enfrenta uma crise internacional que não está sendo bem respondida pela maioria dos países. Com a experiência de ministra da Casa Civil, de ter participado do enfrentamento da crise de 2008 e 2009, ela está trabalhando para que o Brasil passe ao largo dessa nova crise. Essa, para mim, é a questão mais importante para o Brasil nesse momento: não permitir que o Brasil seja afetado, tomar as medidas necessárias em defesa da nossa moeda, da nossa indústria e da nossa economia. E sustentar o crescimento com os investimentos, apesar da necessidade de medidas de proteção ao crédito, de aumentar o juro e de fazer o ajuste fiscal que ela fez. Nesse sentido, a avaliação do governo nesses oito meses é altamente positiva. E a sociedade brasileira está dando esse retorno a ela. A Dilma herdou um sistema político, uma forma de governar e de administrar. Tem uma oportunidade de reformá-lo. Eu diria que a segunda grande tarefa, depois de enfrentar a crise econômica, é promover a reforma política. Essa tem que ser a bandeira do PT. A base do governo depende do PT e do PMDB. E depende da aliança do PT com o PSB, PCdoB e PDT. Evidente que não podemos prescindir do apoio do PP, do PR e do PTB. Não acredito que haja risco de perder a maioria, ou qualquer risco institucional. Jamais falei isso, até porque não é a minha avaliação. A Dilma aprovou os principais projetos, acabamos de aprovar agora o PL-116 (novas regras da TV por assinatura), a regulamentação do novo modelo de tramitação das medidas provisórias. Isso não significa que não haja instabilidade, claro. O PR, aparentemente, deixou de ser um partido da base e passou a ser independente, ainda que eu ache que não há acordo nem consenso dentro do PR sobre isso. Ao mesmo tempo, o PV diz que, frente à crise internacional, é necessário que o interesse nacional se coloque acima dos interesses partidários. Então, acho que existe mais um desejo da oposição e de setores da mídia do que uma divisão verdadeira dentro da base. Tanto isso é verdade que grandes jornais estão vindo com um factoide, como vieram na época do terceiro mandato do Lula. O factoide da vez é que o Lula volta em 2014. Isso é um factoide, até porque seria um tiro no pé. Não tem nenhum sentido colocar 2014 na ordem do dia. Na verdade, isso reflete também a falta de propostas da oposição, de um programa político alternativo. A oposição está dividida, fragilizada. Tem três candidatos. Um que teve um semestre desastroso, que é o Aécio Neves; outro, José Serra, é um eterno candidato que o seu próprio partido não quer; e tem o Geraldo Alckmin, que primeiro tem que governar São Paulo para depois querer ser presidente da República. Os indicadores de São Paulo não estão apresentando bons resultados, e as pesquisas de opinião mostram que o governo paulista não vai bem.

É muito comum, quando se fala em corrupção no governo federal, lembrar da reforma política. Sem ela, seria impossível governar sem fazer algum tipo de vista grossa…
Não, não. Você tem que governar com alianças. Você não pode dizer que a aliança leva à corrupção. Nem que sem alianças não teremos corrupção. Nós não podemos governar sem coalizão. É algo inerente ao atual modelo político brasileiro. Eu não acredito que a corrupção tenha a ver com coalizão. Corrupção tem ligação com a própria corrupção, e você tem que combatê-la. Para isso, há os órgãos de fiscalização e é preciso aperfeiçoar a legislação também. Não temos nenhum problema com isso. O governo Lula foi o que mais combateu a corrupção. Aliás, Lula e Dilma indicaram cinco vezes o primeiro colocado na lista para o Ministério Público, e a oposição elegeu três membros para o Tribunal de Contas da União. E se você olhar a Controladoria Geral da União antes do Lula e comparar com hoje em dia, vai ver que ela ganhou poderes quase autônomos. Fora que a Polícia Federal atua com a mesma autonomia do Ministério Público. O combate à corrupção tem sido feito. Existe corrupção? Claro que tem. Precisa mudar o quê? Primeiro, precisa mudar a legislação, fortalecer órgãos de controle e criar secretarias de controle interno (Ciset) em todos os ministérios. Mas é preciso fazer a reforma política e administrativa também. Qual é o sistema político que existe no Brasil? Uninominal, voto no candidato, disputa dentro do mesmo partido. Cada vereador, deputado estadual e federal é uma campanha diferente. O custo disso é 20, 30 vezes maior do que com voto em lista ou distrital misto. Tem que fazer reforma política para ter financiamento público de campanha e para ter um sistema eleitoral que reduza para 10% do custo das campanhas. Em segundo lugar, tem que fazer a reforma administrativa. Na Constituição de 1988, o PT defendeu que os cargos em comissão fossem ocupados por funcionários de carreira. No entanto, o que era para ser a exceção – a indicação – virou a regra. Nós temos que abolir isso, temos que determinar que os cargos de confiança serão ocupados por funcionários de carreira, com exceção dos indispensáveis. Em vez de 22 mil servidores públicos, o Executivo vai indicar dois mil. Isso vai acabar com a corrupção? Evidentemente que não. Tem corrupção nas empresas privadas, em ONGs, em qualquer lugar. Mas acho que essas reformas vão minorar, e muito, o problema da corrupção no Brasil.

Voltando na questão do PMDB, o senhor acha que a aliança com o PMDB está consolidada? Porque se fala de uma aparente rebeldia dentro do PMDB, até de certo modo organizada com vistas a 2014. E tem um caso concreto, com a divulgação das fotos dos presos na Operação Voucher, e também as denúncias no Ministério da Agricultura.

Vamos separar as coisas. Nós não podemos aceitar ou permitir nenhuma violação dos direitos garantidos ou individuais. É intolerável, inaceitável que a Polícia Federal coloque algemas, faça prisão arbitrária, seja temporária ou preventiva. Isso expõe a imagem das pessoas. Quanto às alianças… Aliança é unidade e luta. Nós temos aliança com o PMDB, mas não temos o mesmo programa, nem as mesmas propostas, nem o mesmo objetivo e nem somos iguais, seja ao PMDB ou ao PCdoB, PSB ou PDT.

É normal, então, que em um assunto como o Código Florestal o PMDB vote contra o governo?
É algo que se pode esperar, porque eles representam interesses que nós não representamos.

Mas essa diferença não prejudica a manutenção da base?
Não, porque existem objetivos maiores. O PMDB é um partido desenvolvimentista, nacionalista, um partido que concorda conosco no básico de nosso programa. Não é um partido que está pregando privatização, que defende a abertura do nosso mercado – pelo contrário, ele prega que o nosso mercado seja defendido. Então, nós temos um programa mínimo com o PMDB, mas não temos ponto em comum com o PMDB na reforma política, por exemplo.

Então a reforma política não vai sair. Se as duas principais bancadas não concordam…
O risco de a reforma política não sair é grande. O Senado aprovou a reforma política da Câmara, então aprovou tudo; do próprio Senado, não aprovou quase nada, a Câmara é que vai ter que aprovar. Então, vamos falar da Câmara, que é o que conta. Ninguém tem maioria na Câmara. Nem para emenda constitucional, que são duas votações de 308 deputados, nem para uma votação simples em determinadas questões. A reforma política, no meu entendimento, é uma demanda que vai se impor. Senão, o sistema vai cair, e vai cair nas ruas. Esse sistema, como existe hoje, vai acabar caindo nas ruas. Porque ele se auto alimenta das emendas, das nomeações. Basta olhar para qualquer campanha para saber que nenhum candidato, nenhum partido tem condições de financiá-la, precisa pedir dinheiro para empresas privadas.

O PT é uma minoria programática no Congresso?
Eu diria que o PT, nessas questões da reforma do Estado e da reforma política, é o partido que está mais próximo dos anseios da sociedade. O problema é que a sociedade quer o objetivo, mas não concorda com o meio, que é o financiamento público; quer o objetivo, mas não concorda com o meio, que é o voto em lista. Isso porque está sendo induzida a acreditar que o financiamento público vai tirar dinheiro do Estado. Eu acredito que o PT está na vanguarda, mas precisa se mobilizar mais, envolver mais a sociedade. Como o movimento do Ficha Limpa abraçou, de certo modo, as bandeiras da reforma política dentro dos princípios que o PT defende, temos alguma chance de criar um movimento da sociedade com relação a isso. Agora, nós podemos também recuar como o deputado Henrique Fontana propôs, de maneira inteligente e correta, no meu entendimento. Vir com uma proposta mediana, que seria uma votação mista, uninominal e em lista. Eu prefiro uma votação distrital e em lista, mas acho que a proposta dele é mais fácil de passar. E o financiamento público, lógico que com a fidelidade partidária.

O senhor falou que, se não mudar esse sistema político, ele vai cair nas ruas. O que o senhor quis dizer com isso?
Que, um dia, a sociedade vai se rebelar contra esse sistema político, como tem acontecido em todos os países do mundo. Porque é um sistema inócuo.

Há, entre a população, uma descrença com a política e os políticos. Para muita gente, político virou quase sinônimo de ladrão, de criminoso.
Isso é um erro. E eu sei quem faz isso, quem cria essa imagem. É a grande mídia, que tem como objetivo ter um Poder Legislativo enfraquecido. Não que ela não tenha razão nas denúncias que faz, mas a maneira como ela persiste nisso tem um outro objetivo, que é manter o Legislativo dócil, porque daí ele não fará nunca uma regulação, nunca vai taxar as grandes fortunas e heranças, nunca vai taxar as grandes rendas e as grandes propriedades. Independente da eficiência ou não desses impostos, estou falando mais do ponto de vista ideológico. A agenda da terra é outra que não anda no país. Tem temas que não avançam no Brasil, em parte, por causa da mídia. Além do que, ela quer monopólio, não quer concorrência e não quer ser regulada. Porque ela é um poder político, e quer disputar esse poder político com os partidos e com o parlamento. Eu acho nefasto esse papel que ela exerce, de desqualificar os partidos e a política de modo geral. Por que a mídia não aprova o financiamento público e o voto em lista? Porque isso corta o mal pela raiz. A mídia tem que fazer jornalismo investigativo, tem que exercer seu papel de fiscalização. É verdade que muitas vezes a corrupção vem à tona porque a mídia publica. Não nego nada disso, nem me oponho a que ela faça isso. Não é disso que reclamo, é outro departamento.

Por mais que haja um discurso “antipolítica” da mídia, a crise do Mensalão em 2005 não contribuiu para criar essa imagem? Como o senhor avalia aqueles acontecimentos? O PT já conseguiu se recuperar de 2005?
O PT não só se recuperou como é o maior partido nas votações para a Câmara dos Deputados e elegeu três vezes consecutivas o presidente da República. Sem isentar o PT de suas responsabilidades. O caixa dois do PT foi transformado no mensalão em uma tentativa de criar uma crise institucional ou de provocar a derrota do Lula em 2006. Tratou-se de uma disputa política, uma tentativa de deslegitimar o PT e derrubar o presidente Lula. No meu caso particular, fui transformado em alvo principal e passei a ser chefe de quadrilha e corrupto. Eu, que nunca tinha sido investigado na minha vida. Nunca foi provado nada contra mim na Casa Civil, nos 30 meses em que ela esteve sob minha responsabilidade.

Alguns artigos da época diziam que o PT e governo Lula haviam acabado após o mensalão. Esta era a tese geral. Agora o senhor mesmo disse que o governo melhorou. Que condições pós-crise do mensalão fizeram o governo deslanchar?
O governo tomou decisões de política econômica que deram condições para o PAC e para o crescimento do país. O governo aprendeu com a crise. Fez várias mudanças na relação com os partidos e várias mudanças internas. E o país aprendeu muito com a crise. A sociedade, a imensa maioria dos brasileiros, se deu conta do que o que estava em jogo não era o problema de caixa 2. O que estava em jogo era o governo do Lula, o rumo do país. Se não, o Lula não teria sido reeleito. Qual é o presidente que suportou uma campanha como o PT e o Lula suportaram entre 2005 e 2007? Ainda reelegeu sua sucessora, o que era mais difícil que eleger o Lula. É mais PT, mais projeto político, apesar do peso da liderança do Lula na eleição.

Há quem diga que o senhor acumulou funções demais na Casa Civil.

Tanto acumulei que em outubro de 2003 eu pedi para separar e em fevereiro de 2004 o presidente Lula separou. Mas eu acumulei não porque eu queria, e sim porque era uma necessidade do país e do governo naquele momento. Tanto é que deu certo, fizemos o programa de reformas que tínhamos que fazer no Congresso Nacional e reorganizamos o governo. A Casa Civil, que eu exerci durante 30 meses, não foi um fracasso. A chamada crise do mensalão é outra coisa, que me atingiu e não deveria ter me atingido. Aquela CPI era dos Correios, a outra CPI sobre o mensalão não chegou a analisar o mensalão, e a CPI dos Bingos, que depois virou a CPI do Fim do Mundo, eu nem sou citado no relatório final. A Polícia Federal não me denunciou, e ninguém lembra disso. O procurador-geral da República me denunciou antes da Polícia Federal e antes da conclusão da CPI. Evidentemente que uma denúncia assim é parte de um movimento político, não tenho dúvidas sobre isso.

Houve notícias nos últimos dias de que o senhor teria ido a Brasília para ajudar a apagar incêndios. Como é que está sendo sua participação atualmente?
Eu sou da direção nacional do PT, sou blogueiro, sou militante do PT e participo de articulações políticas. Procuro ajudar o governo e o PT. Mas não tenho essa importância, esse papel que querem dar a mim. Felizmente, né? Porque isso significa que tem outros quadros fazendo o que precisa ser feito. Temos líderes, temos direção, temos ministros que conduzem a política. O meu papel é o mesmo papel de dezenas de lideranças e dirigentes do PT. Eu nem sou membro da executiva nacional. Minha prioridade é o meu julgamento no STF, que eu quero que aconteça o mais cedo possível.

O que o senhor está fazendo hoje?
Sou advogado, tenho atuado como consultor e sou militante do PT. Em dois terços do meu tempo eu estou me defendendo ou fazendo política, no resto do tempo estou trabalhando, como consultor e advogado.

O senhor foi uma pessoa importante na construção da candidatura de Lula, enfrentando até alguns setores dentro do PT. Como foi essa trajetória do PT até a Carta aos Brasileiros?
Isso começa entre 1981 e 1983, entre o PT se legalizar ou não. Havia um debate sobre a possibilidade do PT não se legalizar, se o PT era um partido ou uma frente, um partido tático ou estratégico, um partido de quadro ou de massa, se o PT ia desenvolver programas de governo ou não, se ia tomar o poder e aplicar um programa revolucionário. Depois há um interregno, a partir de 1991, quando nós perdemos a maioria no PT e eu me afasto da direção nacional. Quando eu me torno deputado federal, eu tomo a decisão de me afastar da secretaria-geral, tento ser líder de bancada, que eu perco, e tento ser candidato a governador, que eu perco também. E eu vou advogar, monto um escritório de advocacia. O resultado da campanha de 1992 foi um choque, nos demos conta de como nosso discurso estava errado. Tanto que a campanha do Suplicy já é, pela primeira vez, para o bem e para o mal, o primeiro uso do marketing eleitoral no Brasil. Digo para o bem ou para o mal porque há muitas deformações, muitas vezes o marketing acaba substituindo a política, o profissionalismo substitui a militância e tudo o mais. Quando chega em 1995, o Lula me chama para conversar e me pergunta se eu queria voltar para a direção do PT. Eu digo “olha, posso voltar, mas eu estou organizando a minha vida, quero ser candidato a prefeito de São Paulo”. E eu reforcei que a Articulação não ganhava aquele congresso (do PT), que eu ia para o sacrifício, mas eu aceitava, já que ele queria e precisava de um candidato. Achava que não ganharíamos, mas nós ganhamos. Na primeira entrevista que eu dei depois do congresso, eu disse: “São três coisas. O PT vai assumir que é governo”, porque o PT fazia oposição a seus próprios governos; “o PT vai se abrir para a sociedade”, porque o PT estava fechado; “e o PT vai fazer alianças. O PT vai virar uma instituição”. E eu comecei a trabalhar para isso, projetando a eleição de 1998. E nós perdemos a eleição de 1998, por uma série de razões. De 1999 para 2002, consolidamos o que vínhamos aplicando desde 1987, que era transformar o PT em um partido que fizesse alianças, que tivesse um programa para o Brasil de 2002, para os problemas brasileiros e do mundo em 2002, e que o PT se comportasse como uma instituição política. E ganhamos a eleição. A Carta ao Povo Brasileiro… Eu diria que ela era quase desnecessária. Mas foi uma espécie de seguro, para o caso de acontecer uma campanha de terrorismo contra nós e nós perdermos a eleição por uma incompreensão do nosso discurso.

Mas ela inverte a tendência de revoluções dos congressos do PT.
Mas o governo não inverteu. Porque o governo teve que fazer o ajuste fiscal que era necessário, ficou conservador por excesso na política econômica, depois retomou o caminho. Depois da reeleição do Lula, retoma o caminho.

Estamos, aqui no Rio Grande do Sul, do lado da Argentina e do Uruguai. Como o senhor analisa essa posição estratégica, e a atuação do governo Tarso dentro dessa conjuntura?
É natural que o Brasil e a América do Sul se integrem. Em energia, em telecomunicações, em estrutura, transporte ferroviário e rodoviário. Que haja um mercado comum, mais ou menos livre, e que haja instituições comuns quanto à legislação ambiental, trabalhista, social, câmaras de arbitragem, parlamentos, governos. Que esses países se articulem de forma conjunta, como estão fazendo agora, com a crise internacional. E acho que o Brasil é o maior beneficiado com isso, porque o Brasil está se transformando em um exportador de capital, tecnologia e serviços para a América do Sul. Não é só comércio, é bem mais do que isso. Depois, nós temos uma integração política e cultural. Acho que tudo isso é fundamental e que o Rio Grande do Sul tem que ocupar seu lugar, porque o Rio Grande do Sul é uma porta para o Mercosul e é o estado brasileiro mais próximo da cultura e da história américo-espanhola. Eu conversei com o governador Tarso Genro sobre isso, acho que o Rio Grande do Sul tem que assumir a vanguarda. Em relação ao governo do Tarso, eu faço uma excelente avaliação. Em primeiro lugar, a vitória dele em primeiro turno é um fato histórico. Em segundo lugar, o PT retomar o governo com uma vitória em primeiro turno não deixa de ser uma confirmação da nossa política de alianças. Por um caminho que não pode ter sido igual (ao do governo Lula), mas é. Terceiro lugar, é uma aliança política que pode superar a crise fiscal que o estado vive e, ao mesmo tempo, atender as demandas populares. É uma aliança popular e empresarial sólida, tem capacidade de pensar o estado com relação a políticas sociais também. Eu acredito que o Rio Grande do Sul tem um potencial fantástico, e que o Tarso tem liderança e capacidade para enfrentar isso. É um momento difícil, porque o estado depende de indústrias que estão sob a concorrência direta externa, por causa do câmbio e tudo isso. E acho que a solução da crise fiscal do estado é possível. Tem que negociar com o governo federal uma série de questões que o estado tem pendentes…

Dá para renegociar a dívida?
Acho que sim. A dívida é uma questão que eu entendo que tem que abater o juro pela metade, reduzir e trocar o indicador, que é o IGPM, para INPC. Mas isso depende inevitavelmente de um acordo com os governadores e do Congresso aprovar. Não pode pedir para a presidenta fazer isso, tem que discutir no Congresso. O Rio Grande do Sul não é um estado que dependa tanto disso, porque é um estado industrial-agrícola, forte, organizado… Tem estados brasileiros que não aguentam pagar 17% da receita líquida em serviços da dívida interna, isso arruína o estado, inviabiliza. Renegociando a dívida, os estados vão crescer mais e investir mais. Com isso, arrecadação estadual e federal vai crescer e o que for abatido dos 17% vai voltar em crescimento da arrecadação da União. Não sei a posição do governador, estou falando da minha opinião. Mas os investimentos vão crescer muito no RS, a economia do RS tem dinamismo para encarar. Talvez seja o momento de olhar mais para a América do Sul. Os governos têm que tomar a frente da integração, por isso que eu defendo uma postura mais pró-ativa. O Lula, na verdade, é visionário porque ele praticamente consolidou a ideia política da integração. O Brasil, como é o maior país, tem que ser generoso, tolerante e fazer concessões. Não adianta, até porque custa mais caro para nós não fazer. E o Brasil é interessado nisso.

E as eleições de 2012 em Porto Alegre? O PT estuda apresentar candidato próprio, mas pode também fazer uma aliança com Manuela D’Ávila ou mesmo com José Fortunati. O que o senhor pensa sobre isso?
Acho que o PT tem que apresentar candidato, como o PSB e o PCdoB vão apresentar. Pelo menos, é o que eu sinto. O PDT tem um candidato, e o PMDB vai apoiar esse candidato. A tendência é essa. Então, existe depois uma disputa um pouco de outros partidos, como o PP e PTB. Quem vai ser o candidato? Isso nós podemos negociar. A tendência do PT é sempre ter candidatura própria. Tem que analisar o quadro nacional, o quadro aqui, o segundo turno… Eu não tenho nenhum preconceito em apoiar uma candidata como a Manuela, desde que seja do interesse da nossa política aqui no estado, da nossa política nacional e tudo o mais. Mas quem tem que decidir é o PT de Porto Alegre, são os filiados, a prévia. Candidatos nós temos, não é por falta de candidato. Tem que analisar as variantes. Quem vai ser, o tempo dirá, mas acho que o PT tem que ter um nome, que não podemos deixar de ter um nome, mas também abertura para fazer uma aliança se concluir que é a melhor decisão. E aí o PT daqui tem maturidade e experiência. Não sou eu que vou pretender falar para um partido que ganhou a eleição estadual em primeiro turno o que deve ser feito.