Na noite da quinta-feira passada, dia 11, uma discreta mesa de um restaurante de Puerto Madero, a região de Buenos Aires preferida pelos turistas endinheirados e os empresários enfastiados, abrigou dois senhores bem vestidos. Eles pediram um cardápio nada original: provoleta, aquela grossa fatia de provolone levemente derretida na grelha e coberta de azeite e orégano, um inevitável asado, salada e vinho de Mendoza.

Na noite da quinta-feira passada, dia 11, uma discreta mesa de um restaurante de Puerto Madero, a região de Buenos Aires preferida pelos turistas endinheirados e os empresários enfastiados, abrigou dois senhores bem vestidos. Eles pediram um cardápio nada original: provoleta, aquela grossa fatia de provolone levemente derretida na grelha e coberta de azeite e orégano, um inevitável asado, salada e vinho de Mendoza.

Pareceriam dois senhores num típico jantar sem outra razão que a rotina e o protocolo, num restaurante acostumado a misturar novos ricos espalhafatosos e empresários discretos, se não fosse observado um detalhe: eram os ministros de Economia mais poderosos da América do Sul, o argentino Amado Boudou e o brasileiro Guido Mantega. O jantar foi, na verdade, uma espécie de ensaio final para ajustar os detalhes do que seria discutido no dia seguinte, durante a reunião de ministros de Economia e dos presidentes dos bancos centrais da Unasul, a União de Nações Sul-americanas, nome do bloco nascido em 2008 e que reúne os doze países sul-americanos.

Durante toda aquela quinta-feira técnicos das equipes econômicas dos governos da região esmiuçaram diferenças e divergências procurando limar os pontos mais ásperos e diminuir atritos no encontro da sexta-feira. A proposta da cúpula de ministros era estabelecer uma ação comum para que os países da região consigam enfrentar sem maiores danos a descabelada crise que sacode as economias, derrete as bolsas e espalha o pânico entre os países mais ricos do planeta.

A jornada seguinte – sexta-feira, 12 de agosto – foi extenuante. Apesar dos esforços dos técnicos, algumas divergências continuavam agudas. Afinal, um dos que mais insistiram na convocação do encontro havia sido o presidente da Colômbia, o conservador Juan Manuel Santos, cujo governo ainda vê com desconfiança as políticas econômicas de quase toda a região e continua vendo com bons olhos as diretrizes de um neoliberalismo que causou cataclismos num tempo não tão remoto da América do Sul.

Encontrar pontos de convergência entre os integrantes do bloco não é nada fácil, mas havia e há evidente boa vontade para que se chegue a bom porto.

No final, um balanço positivo: o Conselho de Economia da Unasul conseguiu superar diferenças ideológicas e avançar em acordos técnicos. O discurso de Mantega, perfeitamente afinado com o de Boudou, se manteve firme: a América do Sul está preparada para enfrentar a crise, em condições ainda melhores que as de 2008, e precisa buscar suas próprias armas e defesas para não se deixar levar de roldão.

Pondo de lado os difíceis detalhes da estratégia a ser traçada, um dado deve chamar a atenção: a Unasul, que até agora tinha mostrado eficácia em episódios políticos pontuais (quando contribuiu de maneira decisiva para evitar desdobramentos de ameaças golpistas no Equador de Rafael Correa e na Bolívia de Evo Morales), pode avançar, no campo econômico, mais do que qualquer outra instituição regional jamais conseguiu. Diante do vendaval da crise que varre as economias centrais, os países sul-americanos parecem ter se lançado a sério na busca de proteções próprias, sem ficar à espera de decisões alheias. Pela primeira vez, e apesar das diferenças e distâncias que separam os próprios integrantes do bloco, todos parecem em melhores condições do que os países centrais sacudidos pela crise. O grande desafio dos governos da América do Sul é, a partir de agora, sair da área dos discursos e declarações e passar à prática.

O primeiro passo a ser dado é encontrar equilíbrio entre políticas tão dispares como as conservadoras, aplicadas pelos governos do Chile e da Colômbia, e as radicais, defendidas pela Venezuela, a Bolívia e o Equador. E é aí que deve-se ressaltar a importância mediadora e o peso específico dos governos aos quais pertencem aqueles dois senhores que, na noite da quinta-feira, véspera do encontro, se contentaram com um cardápio prosaico num lugar de novos ricos.

Oxalá – o jantar e a escolha do lugar, e não o que disseram no dia seguinte – tenha sido um mero disfarce para suas verdadeiras intenções.