As manchetes sobre a dívida externa e o descumprimento de pagamentos abundam nestes dias na Europa. Parece que são o eco do que aconteceu com a crise da dívida na América Latina nos anos oitenta. Esse episódio desembocou no que se chamou a década perdida na região, mas na realidade, a crise perdurou para além daquela década trágica. O calvário para os cidadãos da América Latina é uma lição que na União Europeia não pode ser ignorada.

As manchetes sobre a dívida externa e o descumprimento de pagamentos abundam nestes dias na Europa. Parece que são o eco do que aconteceu com a crise da dívida na América Latina nos anos oitenta. Esse episódio desembocou no que se chamou a década perdida na região, mas na realidade, a crise perdurou para além daquela década trágica. O calvário para os cidadãos da América Latina é uma lição que na União Europeia não pode ser ignorada.

Tal como em vários países da Europa, o sobre-endividamento na América Latina foi acompanhado pela voracidade e irresponsabilidade do setor financeiro internacional. Durante a segunda metade dos anos setenta, os bancos das economias desenvolvidas enfrentaram a necessidade de reciclar os seus recursos através de empréstimos imprudentes em busca de lucros rápidos. Os países que tinham uma maior base de recursos naturais foram os mais procurados.

Ontem como hoje, nenhum dos organismos internacionais encarregados de supervisionar o sistema financeiro internacional viu a aproximação da crise. O Fundo Monetário Internacional não se deu conta que a estagnação na economia mundial, o sobre-endividamento e a rápida deterioração dos termos de troca eram uma combinação explosiva. Qualquer aumento nas taxas de juro podia ser o detonador de uma brutal explosão. No plano nacional, as autoridades económicas tão-pouco estiveram à altura da sua missão. Todos os bancos centrais e ministérios das finanças na região ficaram surpreendidos quando o México anúncio a sua incapacidade de pagamento em Agosto de 1982.

Claro, quando a crise rebentou os bancos credores pediram a ajuda dos organismos financeiros internacionais e dos seus governos. O FMI impôs os primeiros pacotes de austeridade na região, cortando nas despesas públicas e aumentando a pressão fiscal sobre os segmentos mais desprotegidos da população. Depressa se tornou evidente que o crescimento económico ficava congelado e que o emprego e a receita caíam. A crise aprofundou-se num círculo vicioso. É o mesmo que se vê que está a acontecer na Grécia, mas os credores e os tecnocratas do Banco Central Europeu não largam a presa.

Depois de 10 anos de estagnação, era claro que a dívida dos países da região nunca seria paga e que seria necessário levar a cabo algo que os bancos credores, co-responsáveis da crise, se tinham negado a discutir desde o início. Tal como nas negociações sobre a crise na Grécia, a palavra reestruturação era até 1989 um termo proibido.

O plano Brady foi cozinhado pelo ex-secretário do Tesouro Nicholas Brady para reestruturar a dívida dos países latino-americanos, permitir-lhes o regresso aos mercados financeiros e, supostamente, retomar o crescimento. O esquema estava baseado num programa de cortes no principal, ampliação de prazos de pagamento e em alguns casos reduções nas taxas de juro.

Os títulos Brady consistiam em títulos de recompra da dívida comercial previamente adquirida, em conjunto com novos calendários de prazos ou com um desconto. Estavam relacionados com títulos de taxa zero do Tesouro norte-americano, o qual introduzia a denominação em dólares, o que por sua vez proporcionava um sentimento de garantia adicional e permitia alargar o prazo de vencimento. O México, tão próximo do núcleo imperial, pagou novamente o preço da iniciação e foi o primeiro país a emitir títulos Brady ( cerca de 42 mil milhões de dólares em 1990).

Para obrigar os credores foi necessário dar-lhes algo em troca. Desta vez, o aval consistiu na aceitação dos mandatos do Consenso de Washington. Assim, os primeiros ajustamentos impostos pelo FMI cederam o seu lugar à consolidação das reformas estruturais e a uma modificação profunda do modelo econômico e social. O que no princípio da crise era um arranjo temporário tornou-se permanente. O neoliberalismo impôs a mais pesada hipoteca sobre a região, uma herança odiosa para as gerações seguintes.

Face à probabilidade de incumprimento por parte da Grécia já se fala de reestruturação (ainda que o Tesouro norte-americano mantenha a sua oposição activa devido à grande exposição que têm os bancos desse país na crise europeia). Também se discutem planos para que o Banco Central Europeu emita eurobonds (títulos de dívida europeia) que poderiam desempenhar um papel análogo aos títulos Brady. De qualquer modo, é seguro que a primeira coisa que se procurará será uma reestruturação suave, com perdas marginais e extensão moderada de prazos de vencimento. Em troca, a política macroeconômica deverá subordinar-se às necessidades do capital financeiro.

Nestes dias, quando boa parte da Europa se vê ao espelho, talvez possa ver o rosto da América Latina. A imposição de um regime macroeconômico de austeridade só levará ao aprofundamento da recessão e da crise às economias da região.