O julgamento de Ustra: a memória contra o extermínio
Na tarde de ontem, 27/07, deu-se início ao julgamento do processo civil que a família do jornalista Luiz Eduardo Merlino move contra o coronel reformado do Exército Brasileiro, Carlos Alberto Brilhante Ustra. Foi a vez de 6 testemunhas de acusação prestarem seus depoimentos no Fórum [Palácio de Justiça] João Mendes, na capital de São Paulo.
Na tarde de ontem, 27/07, deu-se início ao julgamento do processo civil que a família do jornalista Luiz Eduardo Merlino move contra o coronel reformado do Exército Brasileiro, Carlos Alberto Brilhante Ustra. Foi a vez de 6 testemunhas de acusação prestarem seus depoimentos no Fórum [Palácio de Justiça] João Mendes, na capital de São Paulo.
Todas as declarações das testemunhas convocadas confirmaram a tese de que Ustra era a autoridade que ordenava os interrogatórios e o início das torturas que aconteciam nos porões [caves] do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), órgão da ditadura civil-militar de que foi comandante entre outubro de 1969 e dezembro de 1973. Paulo Vannuchi e Leane Ferreira de Almeida, dois dos depoentes, disseram que Ustra participava pessoalmente das sessões de tortura que conduzia.
Merlino era militante do POC (Partido Operário Comunista) e tinha 23 anos quando foi preso sem ordem judicial, em 15 de julho de 1971, na casa de sua mãe, na cidade de Santos. No dia 19 do mesmo mês, a família receberia a notícia de que ele havia se suicidado, atirando-se embaixo de um carro na BR-116. Na verdade, Merlino passou horas sendo torturado no pau-de-arara, até que complicações por conta da gangrena que tivera na perna o levassem a morte. A agonia do jornalista em seus últimos momentos foi presenciada por algumas das testemunhas. Segundo elas, o militante chegou a ser levado ao Hospital do Exército, mas, ao saberem que teriam de amputar-lhe a perna, os torturadores preferiram deixá-lo morrer. Laurindo Junqueira Filho, outra testemunha, disse à juíza que um caminhão atropelou o corpo de Merlino, por diversas vezes, até esquartejá-lo, para dar maior veracidade à versão de suicídio.
O coronel não compareceu ao Tribunal, e as duas advogadas que o representavam não se manifestaram em nenhum momento. Em etapas posteriores, novas testemunhas devem ser ouvidas, mas, a princípio, não há previsão para que o caso seja encerrado.
Enquanto ocorria a sessão, cerca de 300 pessoas ligadas a movimentos sociais, entidades de direitos humanos e solidárias à família manifestavam-se em frente ao Fórum João Mendes; fato que deixou Ângela Mendes de Almeida, ex-companheira de Merlino, bastante surpresa e entusiasmada. A família deu entrada na primeira ação declaratória em 2008, porém, através de um recurso, acatado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a defesa do coronel conseguiu que o processo fosse arquivado. Hoje, para Ângela, o próprio fato de esta nova ação estar tramitando representa “um avanço no processo em que estamos vivendo, num momento em que se vive um retrocesso na Comissão da Verdade e Justiça”.
A ação civil declaratória movida contra Ustra não implica pena criminal nem envolve indenização pecuniária. Trata-se de um reconhecimento moral de que existiu de fato um terrorismo de Estado no Brasil, algo que acarreta consequências práticas para os dias de hoje. No entendimento da família do jornalista assassinado e seus apoiadores reunidos no Coletivo Merlino, o silêncio e o esquecimento do passado unem-se à inovada política do “medo” e da “segurança” para dar continuidade à violência institucional e, sobretudo, à “engenharia do extermínio dos pobres”. Para Nicolau Bruno, membro do coletivo, é importante que os grupos contra a tortura e os movimentos sociais “criem uma unidade, criem um fio de memória que ligue as lutas contra a ditadura às lutas contra a violência nas periferias”. Afinal, como fez questão de frisar na fala que encerrou a manifestação, “a luta contra a ditadura era, antes do mais, uma luta anticapitalista”.
Ato contra a impunidade dos crimes de lesa humanidade praticados durante a ditadura militar reuniu entidades de direitos humanos, ex-presas e presos políticos, familiares de desaparecidos e jovens, em frente à 36ª Delegacia, na Rua Tutóia, antigo centro de tortura de São Paulo.