No seminário internacional “Governos de esquerda e progressistas na América Latina e no Caribe”, o debate sobre integração, a democracia e o desenvolvimento como política dos governos, teve como painelistas Marco Aurélio Garcia, assessor Especial de Política Externa da Presidência da República (Brasil), Ana Elisa Osório, deputada do Partido Socialista Unido e vice-presidenta do Grupo Parlamentar Venezuelano no Parlamento Latino-americano (Venezuela), Gustavo Codas, diretor-Geral da Itaipu Binacional (Paraguai),  e Oscar Laborde, Embaixador, Representante Especial para a Integração do Mercosul (Argentina).

Inicialmente, Marco Aurélio Garcia expressou sua solidariedade para com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que se encontra em Cuba para tratamento de um câncer. O assessor da presidenta Dilma destacou que a América do Sul vive hoje um momento de grandes transformações, com processos absolutamente originais. Para ele, “mesmo nos países onde as forças de esquerda, populares e nacionalistas não tiveram vitórias, contamos com uma direção à esquerda”. Entretanto, segundo Marco Aurélio, ainda não se trata de “uma hegemonia das ideias de esquerda, mas de políticas de esquerda”.

Mesmo assim, segundo Marco Aurélio Garcia é auspicioso perceber que, em processos eleitorais recentemente transcorridos na América Latina, incluindo a corrida presidencial em curso na vizinha nação argentina, forças conservadoras apresentam grande resistência em assumir-se como sendo de direita.

Ainda em relação à América Latina, Garcia saudou a recente vitória de Ollanta Humala no Peru e destacou a fundação da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) como fato de grande importância para a integração solidária da América Latina, possível apenas em função das vitórias e dos avanços obtidos no continente pelas forças progressistas.

Marco Aurélio Garcia referiu-se à experiência brasileira relatando o que considera eixos destacados da atuação do governo federal nos últimos anos. Segundo Garcia, no Brasil os governantes jamais haviam decidido enfrentar com firmeza a questão das desigualdades sociais, o que inviabilizava inclusive uma democracia política mais sólida. Para piorar, quando da assunção de Lula à Presidência da República o Brasil se encontrava estagnado havia 20 anos. E, na visão do assessor especial de Dilma Rousseff, mesmo considerando, como Celso Furtado, que crescimento não necessariamente é desenvolvimento, a expansão econômica foi fator decisivo no processo de enfrentamento do apartheid social que se encontrava instalado no país desde os anos 80.

Na contramão dessa história, os últimos anos assistiram a uma melhoria inédita do nível de vida da população, com “a retomada do crescimento, que não foi espetacular mas constante, e a fortíssima distribuição de renda, que nos permitiu incluir mais de 40 milhões de pessoas. Segundo dados do IBGE, nos últimos anos a renda dos mais ricos cresceu 10%, enquanto a dos mais pobres, aumentou 65%".

Na visão do assessor da Presidência, além da política salarial, com o aumento do salário mínimo acima da inflação, também contribuíram para esse processo os programas sociais, como o Bolsa Família, e a ampliação do crédito popular. Medidas como essas ajudaram a fortalecer, no Brasil, um mercado de consumo de massas – fator decisivo no enfrentamento da crise econômica mundial.

Sobre a política externa brasileira, Marco Aurélio falou da clara opção pela América do Sul. Para ele, a integração latino-americana precisa ser diferente de outros processos de mesma natureza que têm se concretizado em todo o mundo. "Precisamos de uma integração solidária. E entendemos que nosso processo não será diferente de outros por aí se a região permanecer desigual regionalmente. Nós, brasileiros, não queremos ser a Alemanha da América Latina", finalizou Garcia, ovacionado por todo o auditório.

A mesa contou ainda com o embaixador e representante especial para a Integração do Mercosul da Argentina, Oscar Laborde. Para ele, cada processo tem seu caminho próprio, destacando que “não se trata de dizer um para o outro qual o melhor”. Disse ainda que o mundo já “não é mais bipolar ou unipolar, mas multipolar e a América do Sul pode ser um polo neste sentido e que, por isso, é preciso pensar um sistema alternativo ao modelo neoliberal e capitalista”.

Laborde ressaltou que a similitude dos processos vividos pelos países latino-americanos – populares, de luta e de resistência ao neoliberalismo – é a decisão dos governos de colocar o Estado a serviço dos povos.

Para Laborde, os governos de esquerda e progressistas da região disseram não à ALCA em 2005 e se isso não tivesse acontecido, no enfrentamento da crise financeira internacional de 2009 teriam visto um resultado bem diferente. Os modelos existentes eram de submissão da política pela economia e ao dizer não à ALCA era necessário buscar outra alternativa. Ele citou a fundação da Unasul e a decisão, sem precedentes nos 200 anos de independência dos países da América do Sul, de criar o Centro de Estudos Estratégicos para a Defesa para reunir países que nunca haviam  discutir um sistema de defesa comum.
 
Para finalizar, o embaixador listou, entre os desafios colocados agora para a América do Sul, a decisão de não retroceder nos avanços conquistados e a necessidade de saber se a esquerda é capaz de constituir uma matriz de pensamento comum latino-americano, que passe pela redefinição do papel do Estado e pela promoção da democratização das instituições.

A deputadavenezuelana Ana Elisa Osório, enfatizou que o atual quadro político da América Latina é de um avanço considerável, mas que ainda existem países isolados desse conjunto que chegou à democracia. No caso da Revolução Bolivariana vivida pela Venezuela, ela enfatizou que são 12 anos de um processo de inclusão, participação e de abertura das correntes de pensamentos progressistas e de esquerda, que há muitos anos vinham apostando em mudanças nas desgastadas estruturas do Estado. Os elementos que configuram o modelo político atual da Venezuela, segundo Ana Osório, são as eleições livres, plurais e com alternância de poder; a liberdade de associação e pluralismo político; a plena liberdade de expressão e manifestação; a liberdade de imprensa; e a autonomia e independência dos poderes públicos.

Para Ana, os países latino-americanos e caribenhos tem em comum a resistência contra os invasores e que a visão da revolução bolivariana está presente nos outros países, como a luta pela igualdade, a democracia, a equidade, a soberania dos povos, o amor, a complementaridade, a solidariedade. A deputada enfatizou que o futuro social, político, ecológico e cultural dos povos da região não pode se manter isolado, pelo contrário, é preciso projetar iniciativas, formas cooperativas e objetivos que sejam adotados cada dia por mais governos e povos. A organização dos povos da região, segundo ela, é um dos objetivos mais importantes a ser concretizados, contando com importante participação dos movimentos sociais e consolidando vínculos para estreitar relações com os movimentos  dos indígenas e dos afrodescendentes para que participem da elaboração de projetos de integração.

Representante do Paraguai, o diretor-geral da Itaipu Binacional, Gustavo Codas, abordou as mudanças políticas ocorridas em seu país, desde a chegada de Fernando Lugoao poder e falou sobre os novos desafios colocados para os partidos, fundações partidárias e academia em relação ao futuro das relações Sul-Sul.

Segundo Codas, o governo Lugo é formado por uma ampla coalizão que reúne a extrema esquerda, a esquerda, e até mesmo a centro-direita, criada  para derrotar o Partido Colorado, que estava no governo desde 1947. Codas também falou sobre as disputas internas. Segundo ele, “dentro do governo convivem tendências de mudanças e conservadoras e o grande desafio é aprofundar essas mudanças. Em 2010, constituímos a Frente Guazú, que reúne os setores progressistas e nacionalistas para apontar esses caminhos para seguirmos mais longe”, finalizou o representante do Paraguai.

Sobre a integração regional, Codas enfatizou que já existem diversos espaços como o Mercosul, a Alba, a Unasur, e mais recentemente a Comunidade de estados da América Latina e Caribe, mas que é preciso pensar nas relações que os países querem construir a nível Sul-Sul e sobretudo em relação a integração regional.  Ele citou o exemplo da posição brasileira frente à decisão boliviana de nacionalizar o gás, quando o então  presidente brasileiro Luis Inácio Lula da Silva afirmou que aquela era uma questão de soberania do povo boliviano. Da mesma forma, as relações entre Brasil e Paraguai em relação à energia de Itaipu só foram impulsionadas quando de um lado estava o presidente Fernando Lugo e do outro, Lula, tendo como base novos parâmetros para as relações bilaterais que não as exclusivas de mercado.