Texto apresentado na íntegra no seminário Brasil hoje e suas perspectivas, realizado em 17 e 18/6/2011, em Recife, pelo  fórum dos presidentes do PT Nordeste, pelo Diretório Nacional do PT e pela Fundação Perseu Abramo.

 

Venho tentando alinhavar algumas convicções teóricas com base em referenciais históricos, integrados a princípios da economia política e despojado das amarras de modelos estruturalistas, ousando reinterpretar algumas das concepções de desenvolvimento regional, já apontadas pelo mestre Celso Furtado.

O olhar e a reflexão a respeito da herança da disparidade regional do Nordeste no contexto da Nação nos mostram que esta é uma construção histórico-social e não pode ser associada a uma causalidade de ordem natural (secas, por exemplo) ou mesmo aos traços de uma suposta “preguiça ibérica”, bem ao gosto do pensamento weberiano que serve de amparo ao discurso do dominador que procura desvendar as supostas raízes do Brasil.

Sabemos que o preconceito que ocupa os poros da Sociedade muitas vezes invade a academia e as casas de política, sob uma pretensa razão histórica e científica, procura reinar no campo do absoluto e termina se firmando como senso comum nas redes e revistas de consumo de verdades.

No entanto, é esta construção histórica, sem conteúdos determinísticos presos a modelos rígidos que vai, em grande parte, explicar os traços da conformação da Região, do Nordeste como ficará conhecido mais tarde.

A Região não existe em si, em termos de uma invenção metafísica, mas do constructo, conjugado na história, de seus atores sociais, e de sua inserção geo-política na ordem internacional do mundo mercantil e do trabalho.

É necessário, pois reconhecer como se dá a formação dessa identidade que vai estabelecer os contornos de sua territorialidade enquanto região Nordeste. Identidade essa que passa a ser reconhecida externamente, fora da região, na visão do outro.

Irei destacar quatro momentos dessa identidade que se forma. Primeiro, a de um “espaço em crise” na ordem colonial; segundo, os contornos da antiga Capitania de Pernambuco e suas Anexas, como a proto nação republicana de um país que não aconteceu e que iria erigir a vaga noção do Norte como era referida a região Nordeste. Reforça a noção de “espaço em crise” com a de derrotados; terceiro, admitir que as terras no Nordeste foram fechadas dentro do regime de sesmarias, em contraposição ao Sudeste cafeeiro, com importantes distinções quanto ao mundo do trabalho; quarto, a Política dos Governadores da Primeira República que reforçaria o coronelismo e o clientelismo, e afastaria o Nordeste dos centros de decisão política nacional com um breve interregno com Celso Furtado e mais atualmente no governo Lula, com uma agenda em aberto.

Os primórdios da colonização (que se iniciou no Nordeste) colocam em destaque a agricultura mercantil canavieira. Esta se fez em bases escravistas, depois associada à pecuária e à produção algodoeira, com geração de excedentes de culturas de subsistência.

A partir do início do século XVII o açúcar vai passar a enfrentar uma crise secular, com a abertura da concorrência antilhana. O preço do açúcar cairia e assim permaneceria até os primórdios do século XIX. Vamos destacar: esta é a primeira caracterização regional (ainda incompleta) enquanto “espaço em crise”. Projetaria um processo denominado de “letargia secular” por Celso Furtado: os proprietários seguiriam produzindo por falta de alternativas.

No entanto, é o endividamento dos proprietários que faria persistir a produção e uma crescente dependência com relação ao capital mercantil, que era traficante. Era necessário produzir mais para reproduzir o sistema, comprar mais escravos e se endividar mais. Era a lógica do capital mercantil escravista. Coloca-se uma questão nem sempre bem respondida pelos historiadores: afinal quem representava a classe dominante? Os latifundiários ou comerciantes – exportadores e importadores? A primeira opção não é correta.

A mortalidade mais elevada dos escravos no Brasil açucareiro mostra uma dominação mais acentuada do capital mercantil traficante do que no Sul algodoeiro da União Americana. No entanto, serviu de mote para a literatura científica de língua inglesa acentuar o caráter irracional do senhor de escravos no Brasil colonial vis-à-vis o espírito empreendedor e racional dos escravistas sulistas americanos, onde ocorria reprodução escravista. Os argumentos fundantes do preconceito acentuam a superioridade dos brancos anglo-saxões protestantes (WASP) como sendo portadores de uma racionalidade, em contraposição à uma suposta irracionalidade atávica daqueles que poderiam ser designados como mulatos, ibéricos e católicos daí extrapolando para as diferenças norte-sul. Gilberto Freire faria um esforço para se contrapor à acusação de uma sanha assassina de escravos valendo-se da noção de democracia racial permeando a convivência entre a Casa Grande e a Senzala num campo de subjetividade e lirismo, sem, contudo elucidar a questão.

A dimensão política viria a ser um complemento importante para o delineamento regional do “espaço em crise”, dentro das fronteiras da antiga Capitania de Pernambuco e suas Anexas: Ciará, Rio Grande do Norte, Paraíba e porção norte do território da Bahia (Comarca de Manga) até 1799. Estas fronteiras seriam dadas pelos contornos da Revolução Pernambucana e a Confederação do Equador, em termos de um movimento de caráter proto-nacionalista de libertação colonial, em bases republicanas. Coincide com toda a decadência da dominação colonial portuguesa. Sua sustentação e controle foi obra do poderio naval inglês, sob comando do almirante Cockrane. A Inglaterra não tinha interesse em retaliação nacional do território colonial que já dominava em termos mercantis. À crise econômica agora se somava a crise política, de um pretendido território nacional submetido e derrotado.

O contorno da antiga Capitania de Pernambuco e suas Anexas identifica, pois um processo de independência de um país que não aconteceu. Esta identidade proto-nacional passaria por sucessivos processos de reforço de conteúdo ideológico com capacidade de moldar um imaginário social. Contudo esta expressão da identidade regionalista somente estará formada quando for reconhecida pelo "outro", ou seja, enquanto resultante de uma alteridade extrapolada e rebatida para além da fronteira imaginária da região.

A outra especificidade que busco destacar na formação identitária é a de que as terras no Nordeste foram se fechando dentro do regime de concessão de sesmarias (que seria extinto em 1822). Ensejou uma gradual desarticulação da economia de base escravista com a substituição do trabalho escravo por um campesinato dominado, com base em relações de lealdade e submissão. Não se tratava de trabalho livre e sim de novas e complexas relações de trabalho coercitivo. Daria continuidade aos fatores impeditivos da formação de um mercado interno e da acentuada concentração de poder e de renda regional.

Na economia açucareira o fato das terras encontrarem-se fechadas e sua produção vinculada aos engenhos implica na derivação da renda do escravo para a renda da terra como forma de expropriação do excedente. Terras fechadas tiveram reflexo, também, na ausência de correntes migratórias para o Nordeste. Isto porque a atratividade dos imigrantes se dava sobre o aceno de virem a se tornar proprietários.

As pesquisas de Stuart Schwartz no Engenho Sergipe do Conde são bastante elucidativas. Penetram nos Segredos Internos (título de seu livro devido a uma expressão de Marx) para esclarecer e corrigir as estruturas de propriedade e trabalho na economia açucareira.

A economia da plantation destacada por Caio Prado Jr. com base no tripé: grande propriedade; monocultura exportadora; e trabalho escravo era esquemática e não possuía poder explicativo para dar conta da realidade, em que a economia passava a não depender mais do trabalho escravo.

Procuro estabelecer uma comparação entre a economia canavieira nordestina e a economia cafeeira. Esta se expande em terras abertas e passa a requerer inicialmente trabalho escravo em grande quantidade. Passa a ocorrer a venda de escravos em grande escala do Nordeste e Maranhão para o Oeste Paulista, porque o trabalho escravo já não era mais necessário na região.

Quando a escravidão deixa de ser sustentável para a economia cafeeira, ocorre enorme esforço em direção à busca de socialização de subsídio governamental a uma política imigrantista, que não era cogitada e nem reivindicada pela classe política e proprietária do Nordeste, que já tinha resolvido o problema da submissão do trabalho junto com o trabalhador.

A baixa permeabilidade às correntes imigratórias na Região vai fixar bases culturais de uma matriz populacional e demográfica formada pela população indígena, negra e portuguesa. Irá assegurar traços mais bem conservados das tradições culturais e linguísticas portuguesas, indígenas e negras. A matriz de crescimento da população nordestina estará, portanto, mais fortemente assentada sobre a mulher indígena.

O café começara a avançar a partir de 1820, do Vale do Paraíba em direção ao Oeste Paulista, ao mesmo tempo em que a Coroa Portuguesa, vendo o seu poder absolutista cair em Portugal, dá o golpe que significa a permanência do poder absolutista na sua principal Colônia, encarnada pelo Imperador D. Pedro I.

O poder absolutista no Brasil perdurará durante todo o Império, onde os Conservadores não darão vez aos liberais, que serão derrotados e perseguidos. Mas os liberais nunca tiveram um projeto nacional, perdidos na defesa do localismo.

Os Conservadores foram mais atuantes em termos de um projeto nacional burguês e de superação da escravidão para “libertar” a economia sob inconteste influência externa.

Assiste-se a uma política econômica no Império, que é aquela destinada a proteger o café emergente dentro de padrões monopolistas da infusão que combinava com os requisitos da revolução industrial dentro daquilo que se convencionou denominar de modelo primário exportador.

Baseava-se em desvalorização cambial que protegia a renda do setor cafeeiro exportador, que tinha melhores condições concorrenciais no mercado internacional, mas não era o suficiente para preservar a renda do setor canavieiro e algodoeiro nordestino. Reafirmava e reforçava a tradição do Nordeste: “espaço em crise”.

Nos primórdios da República ocorre uma mudança na política de preservação dos interesses do café. A política de desvalorização cambial é substituída pela política de valorização do café no mercado mundial. E logo no início do governo de Campos Sales se assiste à estruturação daquilo que ficou conhecido como a “Política dos Governadores”, onde se trocavam apoio incondicional à Política e Interesses Nacionais (do café, por exemplo) por favores e verbas orçamentárias.

Essa política faria desaparecer o Nordeste de alguma participação no contexto da política nacional. Em troca os governadores recebiam apoios direcionados e despojados dos referenciais nacionais.

 A política dos governadores juntamente com a política do café com leite (alternância de poder entre S. Paulo e M. Gerais) vai ser responsável por consolidar uma completa assimetria de poder, cuja base regional nordestina vai estar representada pela figura local do coronel e as práticas do clientelismo e lealdade, reforçadas e viabilizadas pela “política dos governadores”.

Este é o programa da Primeira República – a chamada República Oligárquica. A defesa do café iria contraditoriamente provocar crescimento industrial, sobretudo no Rio e S. Paulo, dentro de um quadro internacional e cambial propício. O País iria aos poucos trafegar em direção ao modelo industrializante de substituição de importações, e formação de um mercado interno na Região Sudeste.

Temos aí, pois os fatores determinantes que projetam a identidade do Nordeste como espaço em crise, lócus da pobreza e da seca, de reiterada ausência política perante os projetos de Nação em troca do que ficou conhecido como o simbólico trato do “pires na mão”.

Com Vargas o nacional-desenvolvimentismo teve fortes impulsos no pós-guerra com abrangência em toda a América Latina. Envolve a criação de importantes instituições como o BNDES, o BNB o BASA cuja temática tem por eixo o desenvolvimento econômico e as concepções que emanavam do vigoroso pensamento da CEPAL, centrado em nossas próprias realidades.

Celso Furtado, um dos expoentes do pensamento cepalino, ao lançar o documento do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – conhecido pela sigla GTDN em 1959, que daria origem à SUDENE, analisa, retrospectivamente, aquilo que iria denominar o modelo de “triangulação das trocas”. Mostra que a economia nordestina perdia igualmente com o modelo de substituição de importações, assim como lhe fora perniciosa a política cambial no primário exportador. A explicação de Furtado era a de que o Nordeste gerava um saldo positivo na balança comercial, cujas divisas serviam para adquirir máquinas e equipamentos para as instalações industriais do Sudeste. O Nordeste passava a comprar bens manufaturados a preços mais elevados no mercado interno do que se importasse os mesmos, traduzindo-se numa perda de substância econômica, reforçando com isso a diretriz de desenvolvimento industrial na Região.

O que se assiste com a industrialização é a continuidade de um processo que tivera início com o café que é a vigorosa transmigração de população nordestina, primeiro para o café e depois para a indústria, e que vai ser em parte responsável pelo desenvolvimento e pelo crescimento de todo complexo cafeeiro que é, sobretudo, urbano, comercial, financeiro, ferroviário e do setor exportador em mãos de capitais estrangeiros.

No final da década de 50 nos deparamos com um quadro onde as articulações políticas no País se estruturam em termos de lutas por Reformas de Base. Muitas dessas mobilizações sociais iriam resultar em conquistas, dentre as quais o surgimento da SUDENE e de todos os processos que vão caracterizar os incentivos fiscais e maior atenção dispensada à questão regional que finalmente entraria na pauta política, não sem ampla oposição no Congresso Nacional.

Os incentivos fiscais regionais tiveram efeito positivo em termos de iniciar um processo efetivo de industrialização. Padeceram, é verdade, dos problemas decorrentes do choque com a cultura tradicional e imaturidade empresarial, mas serviram de arranque em direção a uma integração econômica da Região com o País, que hoje é patente. A debilidade relativa da estrutura industrial e econômica na Região era responsável por vazamentos na renda, cujos efeitos se concentravam na Região Sudeste. Nessa condição a política de incentivos fiscais operava como os processos de cooperação internacional, onde os recursos “doados” suprem a economia receptora para continuar realimentando os benefícios para o doador.

A ditadura, após 1964, desarticulou o vetor político de afirmação do espaço político da Região. O Estatuto da Terra aprovado já por Castelo Branco no mesmo ano será responsável por alimentar resistências no campo e movimentação sindical amparada pela igreja progressista, a favor da Reforma Agrária. Resultará, em resposta, na expulsão do trabalhador das propriedades no Nordeste e num amplo movimento de concentração populacional fora da propriedade que dará ensejo a forte criação de novos municípios na Região, que tendem a reproduzir o ambiente político de exceção.

Em meados de 70 o Brasil adentra uma forte crise, principalmente pela elevação do preço do petróleo, e na vã tentativa de Geisel de crescer em meio à crise resultando em maior endividamento externo e interno. Logo em seguida, nos anos 80, passamos pelo processo do qual resulta o chamado Consenso de Washington e de toda a avalanche do movimento neoliberal e de enfraquecimento do Estado e das ações de planejamento. Movimento de rearticulação do poder de império americano ameaçado. Coincide com o desmonte do socialismo real e a queda do muro. Mergulhamos num processo de baixo crescimento e estagnação e avanços em relação a estabilidade econômica e mecanismos de controle e responsabilidade fiscal. Os processos de desnacionalização e privatização concorrem para a caracterização das duas décadas perdidas.

Quando se analisa a situação atual do Nordeste alguns pontos merecem destaque. O processo através do qual sua identidade foi forjada permanece testemunhada nos seus indicadores sociais e econômicos rebaixados em relação ao Brasil. Esta marca regional porém não apresenta coesão política interna em relação a conduta dos governos estaduais e perante o reconhecimento de elevadas diferenciações existentes em seu território.

A economia nordestina encontra-se atualmente bem integrada com a economia brasileira. Acompanha de forma bem ajustada as flutuações econômicas do País, com alguma vantagem em momentos de crise como ocorreu recentemente, devido a sua menor exposição ao mercado externo, e peso das políticas sociais e trabalhistas que tiveram o condão de puxar o avanço do mercado interno. Seu PIB tem se situado em torno de 14% do PIB nacional e sua população corresponde a 28% do Brasil. Implica numa renda per cápita equivalente a aproximadamente metade da renda média nacional. Há evidências estatísticas de uma lenta convergência temporal em relação à média do País projetada para ocorrer nos próximos cinqüenta anos!

Em termos demográficos o Nordeste vem apresentando uma reversão nos seus fluxos migratórios. De tradicional perdedor líquido de população passa a receber contingentes populacionais de outras regiões de forma decisiva. É um indicador de dinamismo regional, e também do desenvolvimento de mecanismos que trouxeram maior resistência em relação a adversidade climática. O Nordeste vem acompanhando o processo demográfico nacional responsável pela queda na taxa de crescimento vegetativo, com sensível queda da taxa de fecundidade tanto na área rural quanto urbana e consequente estreitamento da sua pirâmide etária.

Estudos desenvolvidos pelo Banco do Nordeste mostram que a região encontra-se ajustada à desenvoltura das exportações brasileiras, ainda que sua pauta seja menos diversificada e atinja mercados menos dinâmicos.

A debilidade de seu mercado interno, aspecto enfatizado por Celso Furtado nos seus fundamentos históricos, vem passando por uma transformação que se configura como uma das principais mudanças no panorama regional nordestino. Tem se constatado uma melhoria ano a ano na distribuição de renda e um avanço nominal e relativo na massa de renda fortemente concentrada nas classes C e D. Com efeito, esse processo que é nacional vem ocorrendo com maior intensidade no Nordeste. As classes C e D apresentaram um crescimento na participação da massa de renda de 43% em 2002 para 59% em 2010. Esse crescimento que é da ordem de 8,6% ao ano entre 2002 e 2010 passa por uma aceleração entre 2007 e 2010, em meio a crise, elevando-se a 11,8% ao ano! Já a massa de renda da classe D chega crescer 22,3% ao ano entre 2007 e 2010. Em virtude desse crescimento a classe E vem apresentando significativo esvaziamento, espelhando um forte deslocamento para cima da linha de pobreza. Como corolário é perceptível maior resistência ao fenômeno da seca.

Trata-se de um processo inusitado na história nordestina e ainda em fase inicial. Vem gerando um efeito encadeado em alguns circuitos produtivos, comerciais e de serviços dotados de razoável multiplicador regional.

É possível admitir que o Nordeste configura-se como uma fronteira de crescimento econômico do País, e o avanço sobre as áreas de cerrado têm representado a incorporação do agro-negócio à região, com a observância de elevados padrões de produtividade, e esperados efeitos-transbordamento.

O esforço de dotação de infra-estrutura na Região, sobretudo em energias renováveis, logística e comunicações vem resultando em investimentos estruturadores e complementaridades significativas em termos nacionais. Deverão ser aprofundados mais os vetores de capilaridade e acessibilidade e integração modal envolvendo os investimentos do PAC, o que propiciará novos investimentos na esfera produtiva e de serviços qualificados, inclusive a internalização de indústria pesada petroquímica e de retroportos em Suape e Pecém.

As projeções estimam uma evolução da taxa de investimentos no Nordeste de 14,8% em 2009 para 19,5% em 2014, e um acumulado de investimentos no período de 2010 a 2014 da ordem de R$ 450 bilhões. Isso requererá maior capitalização do sistema bancário e mais recursos adequados ao financiamento de longo prazo, bem como avanços em relação ao mercado de capitais, e maior desenvoltura na estruturação de parcerias público-privadas em âmbito estadual e municipal.

A estruturação industrial e agroindustrial ainda mostra circuitos incompletos na configuração de complexos industriais na região responsáveis por evasão de renda e emprego. Também os circuitos de natureza financeira, bastante débeis na região, são responsáveis por vazamentos regionais. A participação do crédito no PIB regional era de 23,3% em 2009, bastante inferior aos 45,5% atingido pelo País.

Existem perspectivas de desenvolvimento de setores produtivos e de projetos menos danosos ao meio ambiente abrindo novas oportunidades produtivas, assim como investimentos na melhoria da eficiência energética dos processos e equipamentos industriais e de consumo. A incorporação de tecnologias que reduzam desperdícios e melhor aproveitamento dos recursos hídricos torna-se um requisito importante.

Há uma expectativa na Inclusão efetiva do Nordeste na emergência e difusão de novos paradigmas da política industrial envolvendo biotecnologia, nanotecnologia assim como a criação em marcha de Empresa de Projetos do Nordeste com participação do BNB e capitais privados buscando a estruturação de projetos dotados de complementaridades e poder integrador com expressão regional.

Busca-se viabilizar empreendimentos estratégicos tais como as ZPEs, a plataforma de foguetes lançadores de satélites, indústrias vinculadas às forças de segurança nacional, portadoras de tecnologia mais avançada que geram efeitos encadeados para os setores da produção civil.

O desenvolvimento do turismo com todo potencial que encerra requer a regulamentação e intensificação da aviação regional e bases aeroportuárias regionais somadas às iniciativas em marcha envolvendo a Copa e as Olimpíadas.

A agricultura familiar tem sido responsável por parcela significativa da ocupação no campo, e da produção de alimentos. Responde atualmente por 43% do Valor Bruto da Produção Agropecuária, e ocupa 83% dos trabalhadores rurais. É importante na fixação do homem no campo. Necessita avançar em termos tecnológicos envolvendo maior produtividade e melhoria nas condições de vida e educação. Importantes mudanças vêm sendo implementadas nesse segmento envolvendo: ampliação de crédito e bancarização, inovação no processo de assistência técnica com maior autonomia do produtor em relação ao setor público; controle sanitário das zoonoses, maior abrangência do Seguro-Safra, continuidade nos esforços estaduais para a regularização fundiária; inovação em relação a produção e financiamento de máquinas e equipamentos adequados à escala da pequena produção com ganhos de produtividade.

O papel da microfinança urbana e rural, notadamente do microcrédito produtivo e orientado, assim como o atendimento da micro e pequena empresa, dentro do perfil de intensificação da mobilidade social no Nordeste, irá requerer expansão do crédito, maior eficiência bancária e da adequação de produtos e linhas pertinentes envolvendo custeio e investimento. São esperados esforços para avanços institucionais na eliminação de fatores de refreamento de caráter tributário, desoneração fiscal, incentivos vinculados, sobretudo a marcos ambientais.

É certo que vivemos hoje momentos de incerteza na presença de riscos elevados em relação à economia internacional. A crise recente desmistificou a noção de que o mercado tinha o poder de tudo ajustar.

Nota-se uma reação importante por parte dos organismos internacionais, e o crescimento em destaque dos países emergentes adquire um novo peso na ordenação monetária internacional perante a hegemonia americana. A incorporação dos BRICS na direção do FMI representa avanços.

Enrique Iglesias ex presidente do BID ao expor seus pontos de vista no XLIV Congresso da Federação de Bancos da América Latina e Caribe – FELABAN afirmou que os temores em relação a uma possibilidade de guerra cambial e comercial colocam em evidência uma conjuntura internacional complicada. No entanto, em relação à America Latina a situação encontra-se melhor do que nunca. Acompanha os países emergentes, numa posição mais sólida após os anos difíceis em que ocorreram perdas substanciais na participação dos mercados mundiais.

O avanço de regimes democráticos na America Latina, o surgimento de bancos centrais mais independentes e uma melhora sensível nos padrões das políticas macroeconômicas e de responsabilidade fiscal foram responsáveis pelo que se assiste hoje. Os níveis de endividamento são hoje bem menores, implicando em menor dependência econômica e de imposições exógenas.

Ainda que continuemos sendo grandes produtores de matérias-prima e alimentos, a conjuntura de preços internacionais é positiva e abre-se um campo de oportunidades favoráveis, sendo bem verdade que a valorização cambial vem acentuando os riscos de desindustrialização.

O sistema bancário e financeiro latino americano tem se tornado eficiente e palco de intensivo aperfeiçoamento envolvendo mecanismos de controle e supervisão que tem resultado em ampliação das reservas de capital e níveis de Basiléia mais seguros do que os praticados nos países líderes.

Assiste-se na América Latina a um crescimento das classes médias, ou de classes emergentes envolvendo aumento na demanda, no crédito e financiamento e estímulo à bancarização e presença das microfinanças. Isso passa a requerer capitalização bancária mais decisiva, mecanismos de supervisão e governança mais atuantes e preparados e, sobretudo maior eficiência das instituições bancárias envolvendo qualificação e formação de quadros.

Temos, portanto, o esboço de uma agenda que contempla o universal pelo regional.

O quadro eleitoral recente que atravessou o País é um ingrediente importante para analises políticas sociológicas econômicas e tecnológicas de contextos regionais dentro da presença federativa. Esse é um papel que cabe à Universidade, uma analise criteriosa de nossa realidade e das perspectivas que se colocam em termos de inovação e progresso técnico-científico.

No entanto chamo a atenção que somos presas de um razoável coeficiente de analises preconceituosas, que perdem a noção e o caráter mais universal com que se reveste a realidade. A nossa análise histórica sempre foi impregnada da visão imposta por aqueles posicionados enquanto vencedores, jogando uma carga de culpa e rebaixamento de virtudes, exterminadores de autoconfiança e auto-estima nacional. São métodos de dominação e, portanto, de ideologia.

*Roberto Smith é ex-presidente do Banco do Nordeste – BNB