40 mil vítimas mortais, 18 mil pessoas desaparecidas, mais de 230 mil pessoas desalojadas, 10 mil seqüestros de migrantes, 30 prefeitos assassinados, são alguns dos resultados da guerra entre e contra o narcotráfico que sofre o México. Ante estes números, a sociedade civil tem saído às ruas, pela segunda vez em um mês, em uma grande mobilização na capital do país e em outras 40 cidades. “Sim, temos caminhado até aqui em silêncio, porque nossa dor é tão grande e tão profunda e o horror tão imenso que já não há palavras para se dizer”, disse ao concluir a marcha Javier Sicília, um conhecido poeta que, depois de perder a seu filho em 28 de março, se converteu no estandarte contra a violência. Seu grito de dor e indignação ressoou em uma sociedade que se arruína desde que o presidente Felipe Calderón colocou o Exército nas ruas praticamente como única estratégia para combater o narcotráfico.

Mas não só tem golpeado a delinqüência, a escalada de violência tem atingido a uma multidão de pessoas, como Juan Francisco Sicília, de 24 anos. Juanelo, como o chama seu pai, havia se licenciado em junho em Administração de Empresas. Sua grande paixão eram seus amigos e o futebol. Queria ser jogador profissional, mas uma lesão no joelho não o permitiu. Ainda assim, jogava na equipe da universidade. Era um amante das coisas simples da vida, evitava a política e não lhe interessavam as abstrações filosóficas de seu pai, como recorda este agora. No dia 27 de março, o rapaz abriu, como de costume, a clínica de cardiologia onde cuidava das contas. Na manhã saiu um momento para pagar o imposto de circulação do carro. Deixou em casa os recibos. No meio da tarde encontrou alguns amigos em um bar. Havia ficado de ver depois a sua noiva. Às 9 da noite lhe mandou uma mensagem: “A coisa está muito feia, já me arrependi de ter vindo”. São suas últimas palavras conhecidas. No dia seguinte, apareceu morto, junto a três amigos e outras três pessoas. Os sete estavam com as mãos e os pés atados em uma caminhonete. Asfixiados.

Ou Mara Teresa Gómez, uma advogada de 24 anos. Em 29 de novembro de 2009 foi com outros três companheiros de trabalho a uma reunião com o Promotor de Durango. No caminho desapareceram, com o veículo e tudo. Os familiares receberam uma única chamada pedindo resgate. E nunca mais voltaram a saber nada, nem dos supostos seqüestradores nem das autoridades, que até esta data não averiguaram nada. Sua mãe continua buscando-a e exigindo respostas.

Também em busca, Teresa Carmona, mãe de Joaquim, que em seus 21 anos estudava o terceiro curso de arquitetura na Cidade do México. Estranhava o mar de sua cidade natal, Cancun, até que em 7 de agosto de 2010 o assassinaram brutalmente em seu apartamento de estudante. As autoridades tampouco têm resolvido nada, mas sua mãe não se rende, quer justiça e um país melhor para seus outros dois filhos. “A dor abrange a tudo, mas hoje, aqui, me sinto mais viva do que nunca”, alfineta Carmona, com a foto de seu filho na mão.

 “Nós acreditávamos que estávamos sós e foi um prazer vir e ver que somos muitos”, assinala Nelson Le Barón. Seu irmão mais velho, Benjamin Le Barón, era rancheiro em um pequeno povoado na serra de Chihuahua. Benjamin encabeçou o movimento Sociedade Organizada Segura, SOS Chihuahua, depois que um grupo do crime organizado seqüestrou a seu irmão mais novo, Erick. A organização conseguiu a libertação de Erick e deu certa tranqüilidade à região durante alguns meses. Até que Benjamin foi assassinado em seu rancho diante de sua esposa. Tinha 33 anos e 5 filhos, o maior de 7 anos. “Estamos nesta marcha porque sabemos que os governantes estão estremecidos com o crime organizado”, conta agora Nelson e assegura que neste país “não existe o poder judicial”. Junto a outro de seus irmãos, Adrían, Nelson tem viajado 1.500 quilômetros para somar-se ao Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade que encabeça o poeta.

As suas são algumas das histórias, que como disse Sicília, fazem pensar “quando e onde se perdeu a dignidade”. Este pai de coragem tem conseguido reunir no Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade cerca de 200 organizações sociais de todo tipo: grupos da sociedade civil, associações de familiares de vítimas, empresários, intelectuais, camponeses, indígenas, LGBT, católicos de base, migrantes. Todos marcharam sob um silêncio unânime de protesto até chegar ao centro da Cidade do México, onde os gritos das vítimas e de seus familiares se juntaram ao clamor do resto da sociedade.

“A guerra contra o narcotráfico é uma manifestação de políticas e acordos internacionais que transformam o México em um campo de batalha onde os pobres pagam um alto preço de vidas humanas para que as drogas cheguem a seu destino, as armas sejam vendidas e se consolidem grandes negócios”, leu ao começar um comunicado, Olga Reyes, uma juarense cuja irmã Josefina Reyes, ativista pelos direitos humanos, e outros familiares foram assassinados nos últimos dois anos.

Ao lado dela, subiu ao palco Patrícia Duarte, uma das mães de 49 crianças que morreram em um incêndio na Creche ABC, em Sonora, norte do México há dois anos, e cujo caso ainda não foram atribuídas responsabilidade. "Todos os que cometeram crimes são resultado da ineficiência do governo", exclamou Duarte. "Por que foi permitido ao presidente da República e por que ele decidiu lançar o exército nas ruas em uma guerra absurda?”, perguntou Sicília e acrescentou que "a sociedade não tem que continuar pagando o custo da inércia e da omissão do Congresso e seu banal cálculo operacional”. Por isso, além de mostrar a indignação, o Movimento propôs um pacto entre a sociedade civil e todos os níveis de governo para acabar com a violência, "um compromisso fundamental com paz, justiça e dignidade, que permita à nação reconstruir a sua terra", como o descreveu Sicilia.

Compromisso cívico

Este pacto estabelece 6 pontos fundamentais para tirar o exército das ruas, acabar com a impunidade e a corrupção, resgatar a memória das vítimas, dar oportunidades aos jovens, fortalecer a democracia e reconstruir o tecido social.

Em um país onde 98% dos casos destas 40 mil vítimas não foram resolvidos, o Movimento pela Paz e a Justiça exige o esclarecimento, em um prazo de três meses, de 8 casos emblemáticos: os da família Reyes, a morte de Marisela Escobedo diante do Palácio do governo de Chihuahua onde denunciava o homicídio de sua filha Rubi, o assassinato da ativista contra os feminicídios, Susana Chávez, as mortes de Bety Cariño e Jiri Jaakola em uma caravana pela paz, o esclarecimento do assassinato das meninas e meninos da creche ABC, o caso da família Le Barón, o massacre de 18 jovens de Villas de Salvárcar em uma festa estudantil, e o das 7 pessoas asfixiadas em Morelos entre eles, Juan Francisco Sicília. Para os integrantes do movimento, este seria um primeiro passo para acabar com a impunidade e restaurar a memória das vítimas, para o que propõem o nome de cada uma nas praças de suas cidades de origem.

Como terceira demanda, pediram mudar a estratégia de guerra por uma baseada no conceito de segurança cidadã com enfoque de direitos humanos. O quarto ponto é combater a impunidade e a corrupção, basicamente ao eliminar o privilégio dos políticos – que freqüentemente têm vínculos com o crime, especialmente nos governos estaduais – e acabar sistematicamente com a lavagem de dinheiro. Para reconstruir o tecido social apostam pela intervenção na educação, na saúde e na cultura assim como dar oportunidades aos jovens e transformá-los em atores reais da sociedade com a promoção da auto-organização de projetos produtivos, culturais e desportivos por eles mesmos. Por último propõem um avanço na democratização da sociedade que contemple mais participação, uma retomada dos meios de comunicação a serviço da comunidade e a possibilidade de candidaturas cidadãs. Igualmente, estipulam prazos para que as autoridades realizem algumas reformas políticas que contemplem estes elementos.

Estes protestos são “o início de um caminho”, não seu fim, segundo disseram. “Não se trata de sentar-se e tirar fotos com os governantes”, mas afirmam que estão conscientes de que se trata de "um esforço de unidade e de organização nacional” e, portanto, convidam a “deixar a apatia, a queixa, o paternalismo, as visões sectárias, para somar-nos ativamente com uma nova responsabilidade de participação nos assuntos públicos” e às instituições exigem um “compromisso real”. Para isto, as convocam para a assinatura do pacto no próximo 10 de junho em Ciudad Juarez e, no caso de não se cumprirem, chamam à desobediência civil.

Enquanto isso, mantém a esperança. “Ainda cremos que é possível que a nação saia de suas ruínas”, disse Sicília. Mas primeiro, para saber se o presidente Felipe Calderón e seu executivo têm lhes escutado, pediram a demissão imediata do ministro de Segurança, Genaro García Luna.

O governo, por sua vez, expressou seu respeito à marcha em um comunicado, mas reiterou que “a presença (do Exército) hoje é indispensável ante a falta de capacidade de diversas corporações policiais estaduais e municipais para enfrentar com eficiência à delinqüência”.
Mas, para Sicília, se o governo não se soma ao pacto, continuará “a ignomínia que fará mais profundas as valas onde estão enterrando a vida do país”. A marcha também teve suas réplicas internacionais com concentrações em Barcelona, Paris, Washington, Amsterdã e Rio de Janeiro.
 

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