Gilberto Carvalho: Sindicatos não podem cair no canto dos bancos e da oposição
O ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, teve uma manhã difícil na sexta-feira (05/05). Não pelas reuniões e problemas que encara todos os dias desde 2003 no Palácio do Planalto. Na véspera, o Palmeiras, time dele, tinha levado uma surra de seis a zero. Foi alguém ainda abalado que atendera a um telefonema do ex-presidente Lula. Assunto sério, urgente? Se você gosta de futebol, como os dois, sim. O corintiano ex-presidente ligara para provocar o ministro, como tantas vezes fizera frente a frente, nos oito anos em que Carvalho chefiara seu gabinete.
Mantido no Planalto pela presidenta Dilma Rousseff, Carvalho é a presença mais forte e nítida do antigo chefe dentro do coração do governo, mas não por causa de futebol. O passado sindical e a proximidade com os amigos sindicais de Lula levaram Dilma, que não tem a mesma experiência e o mesmo traquejo, a entregar-lhe a missão de ser o interlocutor principal do governo com os movimentos sociais. "Nunca antes na história desse país, as centrais vieram tanto ao Planalto, como nestes últimos cinco meses. E vai continuar assim", brinca Carvalho, usando um bordão do ex-presidente.
Em entrevista exclusiva a Carta Maior, concedida naquela sexta-feira, o ministro conta que o governo chamou as centrais para mostrar como decidiu enfrentar a inflação, problema mais delicado do início da gestão Dilma. Para ele, os trabalhadores não podem cair no "canto da sereia a favor de medidas mais duras" liderado pelo sistema financeiro e achar que os preços estão fora de controle. Mas também vai pedir que as centrais compreendam a situação atual e não sejam "egoístas" em negociações salariais, o que poderia pressionar a inflação.
Sindicalista, Carvalho afirma ainda que considera "natural" a aproximação entre algumas centrais e o PSDB, como ocorreu nas comemorações do Dia do Trabalho. Mas acredita que é mais um desejo dos tucanos, que ainda teriam de "comer um saco de sal" para merecer a confiança dos neo-amigos, do que uma vontade dos trabalhadores. E dispara: "O que nós mais queremos é que, de fato, o PSDB faça uma inclinação para o povo".
O leitor confere abaixo a primeira parte da entrevista com o ministro.
A Secretaria Geral parece hoje mais exposta, participando mais, dentro do governo, do que no governo Lula. O que está acontecendo?
Gilberto Carvalho – Para mim, não é muito fácil analisar, porque estou no epicentro da questão. Evidente que há um estilo pessoal diferente. Sou mais conversador do que o (ex-ministro Luiz) Dulci, mais atirado, talvez, para o bem e para o mal. No essencial, o que muda de verdade é que a presidenta me encarregou de realizar um trabalho na relação com os movimentos que é complementar ao estilo dela. Enquanto o Lula chamava para si muitas destas relações, pela história dele, a presidenta Dilma tem consciência de que, mesmo sendo totalmente comprometida com os movimentos, ela não tem a mesma convivência histórica com eles. Então, ela fica mais retraída e me deu ordem para eu ter uma relação sistemática com eles. Houve ainda uma coisa circunstancial, a negociação do salário mínimo, que a presidenta me pediu para tocar, e aí eu acabei me expondo mais também.
Ontem, houve a segunda reunião sua da mesa permanente de diálogo com as centrais sindicais. O que você enxerga como agenda principal na relação com as centrais?
Eles colocaram algumas prioridades e nós colocamos as nossas, mas isso tudo foi apenas elencado, ainda será debatido. As centrais querem discutir com muita força o fator previdenciário e a valorização dos aposentados, querem discutir a reforma tributária, sobretudo a desoneração da folha de salários, elas estão muito preocupadas com isso. Também querem debater a terceirização, que precariza as condições de trabalho, e o que eles chamam de violação dos direitos sindicais. Tem empresas demitindo sindicalistas, empresas que conseguem na Justiça proibir que os sindicalistas atuem dentro da fábrica, coisas que não tinham nem na década de 70, quando eu panfleteva na porta de fábrica. Nós, por nosso lado, propusemos uma discussão sobre a economia. Nas próximas reuniões da mesa, vai ter a participação do ministro (da Fazenda) Guido Mantega. Também já marcamos para 25 de maio uma reunião para discutir o plano de erradicação da miséria.
A maioria dos temas que você colocou são demandas das centrais, mas o que, para o governo, é importante negociar com elas?
É esse conjunto aí, não tem uma coisa destacada. Nós propusemos discutir o plano da miséria, a questão da economia, em que nós queremos a participação deles. No caso das demandas das centrais, quando entrarmos na discussão dos conteúdos, vai haver a posição do governo, a posição deles e uma tentativa de acordo. Eu brinco dizendo que nunca antes na história desse país, as centrais vieram tantas vezes ao Planalto como nestes últimos cinco meses. E vai continuar assim. Nós vamos cansá-los de tanta reunião.
O que o governo quer discutir com elas sobre economia?
A nossa preocupação é que o movimento entenda aquilo que o governo está fazendo contra a inflação. Há um canto da sereia muito grande que setores interessados propagam na imprensa hoje a favor de juros mais altos, de medidas mais duras, que o setor financeiro sobretudo tem interesse. E o governo acredita que não é bem assim, que tem de manejar o remédio em doses adequadas para evitar um efeito colateral recessivo muito grande. Nos interessa que os trabalhadores compreendam isso e possam vir a apoiar, nossa esperança é que venham a apoiar.
Vai ser complicado com as negociações salariais no segundo semestre…
Nós sabemos que vamos ter um ano duro de negociação. Praticamente todos os acordos realizados com o setor público terminam neste ano. Vamos ter campanhas salarias no fim do ano, quando a inflação já estará caindo, mas no acumulado ainda estará alta. Então, vai ter que ter maturidade do movimento sindical, do governo e do funcionalismo público, para que, num ano específico como este, as pessoas não queiram, egoisticamente, o seu próprio bem e ponham em risco o andamento da carruagem em geral.
Como o governo vai se comportar em relação a uma questão que racha as centrais, que é o fim do imposto sindical?
O governo não vai tomar uma posição. É real que havia um acordo, quando foram legalizadas as centrais, que previa a extinção do imposto, ficando apenas a contribuição voluntária de cada trabalhador ao sindicato. Mas, aí, as centrais mudaram de posição, e o governo tem que respeitar. O que esperamos é que haja um debate entre elas, que eles já estão fazendo, e que cheguem a um consenso. Se chegaram, da parte do governo, evidentente, não há nenhum problema em abolir o imposto sindical. Mas também o governo não vai forçar a barra para isso. Para nós, não é um ponto central nesse momento e diz respeito ao livre direito de organização dos trabalhadores.
Inflação no ar, desavenças no imposto sindical… O governo não teme a aproximação entre algumas entidades e a oposição, como vimos nas comemorações do dia 1 de maio?
A aproximação das centrais sindicais do PSDB, particularmente, é mais uma tentativa do PSDB, do que um movimento das centrais em direção à oposição. E é um movimento natural na democracia. Agora, como diz um velho provérbio, para você fazer um amigo, tem que comer junto um saco de sal. Eu acho que nós, de vários setores do governo, comemos esse saco de sal com o movimento sindical desde os anos 70 e 80. A oposição vai ter de comer esse saco de sal, leva tempo para consolidar uma aproximação. Não pode se iludir de que, em dois ou três atos, vai ganhar (o apoio do movimento). Nenhum sindicalista é bobo, conhece o que era o Brasil antes do Lula, conhece o Brasil agora. Então, o que nós temos a apresentar ao movimento sindical é esse Brasil em que eles foram chamados a participar, em que o trabalhador ganhou muito, e o que a oposição, o PSDB, fez historicamente. Não podemos subestimar o movimento sindical e achar que um canto de sereia vai mudar isso.
Mas e se essa aproximação for bem-sucedida?
Os caras (da oposição) vão ter de mostrar serviço. E, se mostrarem, vai ser bom para os trabalhadores, não tem nenhum problema, não tem ciumeira. O que nós mais queremos é que, de fato, o PSDB faça uma inclinação para o povo. E se eles demonstrarem isso nos governos de estado em que estão e depois, um dia, ganharem o governo (federal) e fizerem isso, não tem nenhum problema, nós não somos donos da classe trabalhadora. Nós defendemos mais do que ninguém a autonomia da classe trabalhadora.