Reforma Política: um aperfeiçoamento da Democracia?
Acompanho este tema de perto desde minha chegada ao Senado Federal em 2003 e principalmente agora, como membro da Comissão Especial na Câmara dos Deputados. Pretendo não ser pessimista quanto aos resultados esperados, nem tanto sobre os trabalhos desta comissão, pois a mesma não tem caráter terminativo, apenas sugestivo. O que me chama a atenção é quanto às deliberações das casas do Congresso.
Acompanho este tema de perto desde minha chegada ao Senado Federal em 2003 e principalmente agora, como membro da Comissão Especial na Câmara dos Deputados. Pretendo não ser pessimista quanto aos resultados esperados, nem tanto sobre os trabalhos desta comissão, pois a mesma não tem caráter terminativo, apenas sugestivo. O que me chama a atenção é quanto às deliberações das casas do Congresso.
Entendo que um país emergente como o Brasil tem um tortuoso caminho em busca de seu aperfeiçoamento na economia, no social, nas relações externas e é claro na democracia, instrumento criado pelo sistema capitalista já nas suas origens. Neste caso, três Reformas são fundamentais para o Desenvolvimento deste país com território continental e quase 200 milhões de habitantes esperançosos de uma oportunidade de vida melhor: a) Tributária; b) Previdenciária e c) Política.
A Reforma Tributária deve ser encarada não apenas como um fator de redução da carga tributária sobre a circulação de mercadorias e serviços dentro e fora do território, claro que isso é muito importante pois quando exportamos um determinado produto, seu comprador não pretende “comprar” os nossos impostos, fator principal da competitividade no mercado internacional e entre os estados. O grande gargalo na Reforma Tributária está na “partilha das perdas”. Quem quer perder? A União, os Estados ou os Municípios? Devemos então atribuir à Reforma Tributária outro papel senão maior, ao menos igual ao anterior: orientar o Desenvolvimento igualitário a todas as regiões do país. Nos ensaios de Reforma Tributária temos a “Lei Kandir” que recompensa os Estados exportadores da redução de suas receitas e a criação da Zona Franca de Manaus – ZFM e de seu Parque industrial levando indústria de ponta ao coração da Amazônia.
Num passado recente, governadores se embrenharam numa política maluca para atrair investimentos para seus estados com tamanha fúria que passou a colocar em risco a estabilidade e o controle da economia. Este processo ficou conhecido como “Guerra Fiscal”. A partir destes resultados, o Congresso ensaiou uma Reforma Tributária chegando a formar uma comissão especial para este fim, sem sucessos maiores.
A Reforma Previdenciária por sua vez, se discute a partir das preocupações em garantir direitos a uma velhice tranqüila e às condições que o sistema dispõe para isso. É sabido que a população do Brasil caminha para uma aceleração do envelhecimento. A pirâmide da demografia mudou muito, até 2050 teremos perto da metade de nossa população maior de sessenta anos; a expectativa de vida está acima dos setenta anos; o Brasil já conta com cerca de vinte e seis mil pessoas maiores de cem anos e em muitos casos, as pessoas que se aposentam procuram outro trabalho remunerado ou por complemento de renda ou mesmo para se manterem ocupadas por se sentirem em plenas condições físicas e intelectuais.
Numa Reforma Previdenciária se busca colocar o sistema em equilíbrio entre os contribuintes e os beneficiados e como tal ela tem que tomar dois caminhos: a) Cuidados próprios do sistema: neste caso, a Reforma deve investir no combate à sonegação/corrupção; tecnologia de informação e controle; estabelecer o piso e o teto; estabelecer/reestabelecer alíquotas; ampliar a base de contribuintes e abrir um fundo próprio com recursos do Tesouro da União para as categorias não contribuintes. As categorias com renda melhor ficam com a possibilidade de financiar uma “Previdência Complementar” e assim poder gozar de uma aposentadoria mais elevada no futuro. Sabemos que nesta fase da vida, os cuidados com a saúde aumentam as despesas do beneficiado. b) Cuidados complementares do sistema: em primeiro lugar os esforços do governo para “formalizar” a categoria dos “informais” (só o programa empreendedor individual formalizou mais de um milhão de pessoas e já tramita uma Medida Provisória que reduz de 11% para 5% a alíquota desta categoria); cobrar das empresas pela Folha de Pagamento ou pelo Faturamento onde couber; criar o fundo de “Resseguro Previdenciário” para evitar desastres de falência dos Regimes Próprios e redefinir o “Refis Previdenciário”. Acho melhor uma empresa em dificuldades pagar pouco e parcelado do que ficar devendo.
E a Reforma Política? O grande desafio de um governo democrático é conciliar isto ao Desenvolvimento e o equilíbrio fiscal de seu país, tarefas quase impensáveis para uma nação subdesenvolvida ou em desenvolvimento. A Democracia brasileira é uma criança que inicia seus primeiros passos considerando apenas o período republicano, cujo processo de escolha de seus representantes às funções de Estado estão marcados por métodos e sistemas que é melhor não comentá-los aqui. Podemos então afirmar que as Cartas Magnas do Brasil que aspiram os ideais democráticos são as 1946 e 1988.
Muitos comentam que no Estado Capitalista o que liga a sociedade ao Estado é o Partido Político, e este é, por sua vez, apenas parte do pensamento da sociedade. Sendo apenas parte do pensamento da sociedade, então não cabe a figura do “Partido Único” defendido por outros sistemas. Porém, o que dizer dos países subdesenvolvidos/desenvolvimento que tiveram regimes totalitários mantidos pelos países líderes do capitalismo? Aprendi com isso que lutar por democracia vai muito além da luta por um “espaço equilibrado” entre os partidos políticos na representação da sociedade nas funções de Estado.
Vamos aos fatos: com a abertura política em 1979, nasceram o Partido Social Democrático – PDS, organizado e liderado pelos militares e seus apoiadores; o Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, organizado e liderado por militantes do ex-MDB sobreviventes do regime militar; o Partido Democrático Trabalhista – PDT, organizado e liderado por Leonel Brizola; o Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, organizado e liderado por Ivete Vargas numa tentativa de ressuscitar o Varguismo e por fim o Partido dos Trabalhadores – PT, organizado e liderado por militantes do operariado, campesinato e sobreviventes do regime militar.
Nos primeiros passos pela redemocratização o então presidente José Sarney legaliza os Partidos Comunistas e em 1989 votamos para presidente que na metade de seu mandato recebeu o impedimento. Fernando Henrique Cardoso por sua vez “arranha” novamente a nossa Democracia impondo o “direito de reeleição” esticando seu mandato por mais quatro anos ferida que jamais vai sarar vindo de alguém com sua biografia. Lula termina seus dois mandatos com tanta popularidade que levou alguns militantes a pensarem numa Emenda Constitucional pedindo o plebiscito pelo “terceiro mandato”, à luz dos acontecimentos vividos na Bolívia e Venezuela. Sou autor de uma PEC que propõe o fim da reeleição do executivo aumentando os mandatos para cinco anos votada na CCJ do senado com substitutivo do relator mantendo os mandatos em quatro anos.
À luz do processo eleitoral de 2006, aqueceu no congresso nacional os debates sobre Reforma Política chegando a Câmara a por em votação o projeto sobre o voto em lista fechada e preordenada sendo derrotado inclusive com a ajuda de Deputados do PT, já o Senado não passou de uma “mini-reforma” que proibiu o showmício e as camisetas em campanhas eleitorais.
O tema Reforma Política volta ao centro dos debates sendo destaque no pronunciamento de posse da presidenta Dilma Roussef e na leitura de sua Mensagem ao Congresso sendo muito aplaudida a ponto de repetir pausadamente que trabalharia muito pela Reforma. Neste clima o presidente do Senado criou uma comissão de senadores notáveis: ex-governadores e ex-presidentes da República a produzir uma síntese do que entenderem como sendo o melhor para o Brasil. Esta comissão recebeu um prazo de quarenta e cinco dias para apresentar suas conclusões, a saber: 1) votação em lista fechada e preordenada para Deputados e Vereadores; 2) Financiamento exclusivamente público de campanha; 3) Fim das coligações para Deputados e Vereadores; 4) Fim da reeleição para o executivo com mandatos de cinco anos; 5) alteração da data de posse para governadores e prefeitos; 6) Alternância de gênero nas listas preordenadas; 7) Mudanças na suplência para o Senado; 8) Obrigatoriedade do voto e 9) Possibilidade de candidaturas avulsas para as eleições municipais.
Na Câmara a sensação foi idêntica e como tal, o presidente Marco Maia convoca e instala uma comissão formada por quarenta titulares e quarenta suplentes, tendo um prazo de 180 dias para apresentar suas considerações. Na Câmara, o debate por enquanto está em volta do voto proporcional (Deputados e Vereadores) a saber: 1) Obrigatoriedade do voto; 2) Voto em lista fechada e preordenada ou aberta; 3) Financiamento de campanha; 4) Fim das coligações; 5) Voto Distrital Misto; 6) Voto Distritão e 7) Fidelidade partidária.
Não pretendo aqui discorrer sobre as vantagens e as desvantagens de cada uma dessas propostas, pois requer outro artigo, pretendo apenas comentar o que tenho observado das discussões e as minhas preocupações com os resultados. O que podemos assimilar como “Direita/Centro/Esquerda no Brasil mudou muito pós 1988/1989, depois, queiramos ou não, o Brasil vive uma certa “bipolaridade” entre o PSDB e sua aliança política que governaram por dois mandatos e o PT e sua aliança política que governa agora o seu terceiro mandato consecutivo.
Em outro artigo afirmei que se Dilma se elegesse era de se esperar mudanças profundas no tabuleiro político brasileiro com o nascimento de novos partidos, fusões e desaparecimento de outros (estes sinais já são vistos a olho nu). Então, o PMDB que sempre lutou pelo domínio regional agora quer ficar mais perto do Planalto Central (indicaram o vice de Dilma); o DEM perde seu principal território (os rincões/grotões do Norte/Nordeste) para as políticas de Lula e Dilma; o PSDB achou que Lula não passaria do primeiro mandato, amarga em suas noites de insônia sem saber nem como fazer oposição se agarrando como pode em São Paulo e Minas Gerais e os demais partidos na incerteza do futuro da tal Reforma preferem ficar como está.
Assim, dos temas de Reforma Política mais claros na Câmara estão mais para linha de construção das futuras maiorias de poder do que mesmo para a afirmação dos Partidos Políticos enquanto elos de ligação entre a Sociedade e o Estado (capitalista) brasileiro. O PT afirma que o voto em lista fechada e preordenada com financiamento exclusivamente público de campanha, com o fim das coligações para o voto proporcional fortalece os Partidos, a fidelidade, acaba com o abuso do poder econômico e o caixa dois em campanhas eleitorais. O PSDB afirma que o voto Distrital Misto inova no processo (não está claro como se dá). O PMDB propôs o Distritão, no qual todas as candidaturas viram majoritárias esmagando a figura do Partido Político.
Nesse emaranhado me pergunto se é possível os partidos oferecerem uma nova ordem ao Brasil acima das disputas pela formação de maioria. Se a Reforma ficar vinculada apenas nas expectativas “das próximas eleições” teremos um grande casuísmo e até um retrocesso em nossa Democracia tão sofrida. Diante disso, fico cada vez mais convencido de que a Reforma Política é uma luta pela expectativa de poder, ela não cai do céu nem é obra da compaixão de ninguém, portanto se queres essa Reforma vá à luta, às ruas, manifeste-se, pressione ou ela não sai.
*Sibá Machado é deputado federal integrante da Comissão Especial da Reforma Política da Câmara dos Deputados.