Pessoalmente, continuo esperando transformações importantes na sociedade americana sob a presidência de Obama. Talvez ele devesse ser mais ousado, como querem muitos, mas é difícil fazer julgamentos desse tipo aqui de longe. O conservadorismo americano passa por uma fase de surpreendente exacerbação; talvez como resultado da própria eleição de Obama. O fato é que, diante desse sentimento tão forte, expressado nas últimas eleições parlamentares, fica realmente difícil avançar, e a prudência sussurra para ter cautela e paciência, esperar pelos melhores dias que certamente virão, provavelmente depois da reeleição e durante todo o segundo mandato. Se não houver reeleição, aí, sim, se pode chorar a tristeza da frustração.

Uma observação pode e deve ser feita, sobre o momento político americano, que serve para todas as democracias do mundo, que clamam por reformas  purificadoras. Trata-se da influência cada vez mais forte e decisiva do poder econômico nas eleições de deputados, através do financiamento das campanhas. Em eleições majoritárias de presidente e governador, essa influência existe, é importante também, mas não tão decisiva. A razão, creio, é que nessas disputas de enormes votações, a compra de cabos eleitorais e a compra de votos através de prestação de assistência em várias formas não garante o gigantesco número de votos necessários. Na eleição de deputados essa compra é muito mais eficiente, ela traz os votos necessários, muito menos numerosos, e hoje é quase indispensável. Daí a ânsia dos deputados eleitos em garantir o financiamento para a reeleição, que é o caminho mais comum da corrupção. Daí a dependência cada vez maior dos deputados em relação ao grande capital.

Postas essas preliminares, vamos propriamente à visita: por que veio o Presidente Obama ao Brasil? Bem, quase todos os presidentes americanos dos últimos 50 anos vieram ao Brasil; é natural visitar o maior país do sul do continente. É claro porém que, além do gesto protocolar de boa vizinhança, cada visita tem a sua motivação própria, diferentemente dos presidentes brasileiros que vão ao Norte, sempre para pedir dinheiro, de uma forma ou de outra.

No caso de hoje, parece que Obama veio em busca de duas prioridades do seu país para as próximas décadas: a garantia do suprimento de petróleo e a continuidade da hegemonia econômica na América do Sul seriamente ameaçada pela China.

A primeira decorre das dificuldades crescentes que os americanos vão encontrando na região que, há quase cem anos, lhes fornece abundantemente o óleo fundamental, que é o Oriente Médio, e, por outro lado, a descoberta das grandes reservas brasileiras no pré-sal. No atendimento dessa prioridade, os EE. UU. não deverão encontrar dificuldades maiores, desde que não pretendam se sobrepor às políticas de exploração e de exportação traçadas autonomamente pelo Brasil com vistas aos seus interesses. A melhor maneira de garantir esse suprimento é manter um bom relacionamento político em bases respeitosas e democráticas; é de se esperar que eles tenham chegado a esta conclusão depois dos problemas que estão tendo no Oriente.

A segunda questão é, a meu ver, mais complicada. O crescimento da China é avassalador e suas relações econômicas, além do espaço natural da Ásia, já bem ocupado, vão naturalmente extravasar para a América do Sul. O nosso comércio com a China já ultrapassou o dos Estados Unidos e os investimentos chineses na região estão sendo gigantescamente projetados.

A redinamização das nossas trocas comerciais com a América do Norte não depende hoje muito de iniciativas governamentais, a não ser certas liberações por parte dos Estados Unidos que dificilmente ocorrerão, como é o caso do etanol, onde são fortíssimos os interesses dos plantadores de milho. E no jogo do mercado, os preços chineses, o seu avanço tecnológico e sua capacidade de investimento parecem imbatíveis. Assim é pouco provável que se arrefeça a invasão chinesa na América do Sul nos próximos anos, e os americanos não conseguirão acompanhá-la.

O interesse do lado brasileiro, além dessas aberturas improváveis no comércio, seria mais de natureza política, especialmente no apoio decisivo dos Estados Unidos à nossa pretensão de ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Diga-se, de passagem, que esta é uma condição que o Brasil deveria ter tido desde a origem da ONU, como país independente que enviou tropas para o combate ao eixo nazi-fascista.

Outros países que enviaram, o Canadá, a Austrália e a Índia, eram membros do Império Britânico à época, e estariam representados pelo Reino Unido. Assim, o Brasil foi o único que realmente ficou de fora, certamente em decorrência do velho preconceito de país sem seriedade.

Houve, sim, uma referência de Obama ao apreço americano por esta pretensão, mas relativamente fraca, indicando a espera de um longo caminho a percorrer. De qualquer maneira, havendo uma reforma no  Conselho de Segurança, e ela ocorrerá em futuro mais ou menos distante, quase certamente o Brasil será admitido. Enfim, a visita, mesmo sem resultados ambiciosos, não deixa de ter sua importância política e os vários tratados assinados certamente trarão benefícios a longo prazo. Um ponto ficou por ser esclarecido nessa visita: por que Lula não compareceu ao almoço junto com todos os ex-presidentes? Algum ressentimento forte, obviamente. Com probabilidade maior de ser ligado ao caso das negociações com o Iran. A verdade virá à tona.

*Roberto Saturnino Braga, ex-senador (PT/RJ), presidente do Instituto Solidariedade Brasil – ISB e membro do Conselho Curador da FPA.