Durban, África do Sul, 1/3/2011 (IPS/Al Jazeera) – Os protestos no Oriente Médio só são interrompidos quando chega a hora da oração, com os manifestantes muçulmanos se ajoelhando sobre seus tapetes baratos enquanto a polícia antimotins faz uma pausa para tomar chá. Enquanto isso, na África negra – mas longe das câmeras – não faltam sinais de instabilidade político e social. A crise na África subsaariana não atrai a atenção dos grandes meios de comunicação como as revoltas populares no Norte do continente e no Oriente Médio, embora se deva a condições semelhantes de opressão.

O mundo observa o desenvolvimento dos acontecimentos no Egito por sua importância para o Oriente Médio, embora seus bancos se alimentem da África central. Poucos parecem lembrar que o Egito fica na África, um continente com milhares de milhões de habitantes, a maioria vivendo sob regimes despóticos, sofrendo dificuldades econômicas e sem direitos políticos, nem mais nem menos que seus vizinhos egípcios.

“Não deve ser apoiada a tentativa do Norte de dividir os países do Norte da África do resto do continente”, disse Firoze Manji, editor do Pambazuka Online, um site dedicado a promover a justiça social neste continente. “Suas histórias estão unidas há milênios. Alguns egípcios podem não se sentir africanos, mas isso nada muda. São parte da herança continental”, afirmou. Como em outras partes do mundo, os africanos acompanham o que ocorre no Norte do continente com grande interesse. E também “se inspiram para suas próprias lutas”, ressaltou Firoze.

A globalização e a consequente liberalização econômica fizeram com que as populações do Sul compartilhassem experiências muito similares, insistiu Firoze. Esses problemas que compartilham são “maior empobrecimento, crescente desemprego, limitadas possibilidades de cobrar seus governantes, menos renda para a produção agrícola, crescente concentração da riqueza e, portanto, despojo, e a disposição dos governos para cumprir os desejos políticos e econômicos do Norte”, afirmou.

Tampouco há semelhanças entre os governantes. “Peguemos o Gabão, país exportador de petróleo com uma trágica falta de desenvolvimento e cujo produto interno bruto por habitante é mais do que o dobro do egípcio, com uma população que subsiste com salários que fazem o Egito parecer a terra do pleno emprego”, acrescentou.

“A família Bongo governou esse país há quatro décadas, antes que Mubarak pudesse lidar com algo maior que não fosse um avião da força aérea, e ainda continuam ali”, disse Drew Hinshaw, jornalista norte-americano que vive na África oriental. “É compreensível que a oposição do Gabão promova uma onda de manifestações ao ver o que aconteceu no Egito e na Tunísia”, acrescentou.

No Sul também “há muitos africanos jovens e desempregados que não têm perspectivas de futuro e que são governados por elites políticas que controlam seus países há 25, 30 ou 35 anos”, disse Scott Baldauf, editor-chefe do Christian Science Monitor. “Os mesmos problemas do Egito estão presentes no Sul. Há governantes que ostentam o poder há décadas e acreditam que o país só pode funcionar com eles”, acrescentou.

A agitação e o descontentamento não são alheios aos africanos. Os protestos e a consequente repressão são moeda corrente em alguns regimes opressivos do continente. Nos últimos três anos houve violentos protestos na África do Sul e distúrbios por causa do preço dos alimentos em Camarões, Madagascar, Moçambique e Senegal. Contudo, é impossível saber se a crescente insatisfação derivará em manifestações do teor das de Egito, Líbia ou Tunísia.

“A mesma madeira seca da má governança existe em muitos países africanos à espera de um fósforo que a acenda”, disse Scott. “No entanto, é preciso liderança e organização social”, uma variável que, segundo ele, não existe nos países da África subsaariana. A diferença entre o êxito dos protestos no Norte da África e as do Sul do Saara pode ser a formação étnica das duas regiões, disse Emmanuel Kisiangani, pesquisador do Programa de Prevenção de Conflitos Africanos do Instituto de Estudos de Segurança, da África do Sul.

“Na maioria dos países onde os protestos conseguiram a mudança, as sociedades são bastante homogêneas em comparação com as da África subsaariana, onde há múltiplas etnias com seus próprios problemas”, explicou Emmanuel. “No Sul, onde os governos puderam dividir as pessoas por sua origem étnica, é mais fácil apropriar-se de uma rebelião, o que não acontece no Norte da África”, acrescentou.

Este é um ano importante para a África. Estão previstas eleições em mais de 20 países do continente, entre eles Nigéria e Zimbábue. Com o aumento do preço dos alimentos e as dificuldades econômicas que a região sofre, é possível imaginar os africanos se rebelando, abandonando as eleições e recorrendo a outros métodos para remover seus governantes do poder.

“As pessoas querem a democratização da sociedade, da produção, da economia e, de fato, de todos os aspectos da vida”, insistiu Firoze. “Por outro lado, são oferecidas as urnas. As eleições não atendem os grandes problemas das pessoas nem permitem por si só que as pessoas possam determinar seus destinos”, ressaltou.

Isso se deve ao fato de “o processo de democratização em muitos países africanos ser mais ilusório do que substancial”, explicou Emmanuel. “Os protestos criaram a esperança de que as pessoas comuns podem forjar seu próprio destino político. As revoltas populares deixam os africanos mais conscientes de sua capacidade para definir seu próprio destino político”, acrescentou. Envolverde/IPS

*Publicado sob acordo com a Al-Jazeera