A Assembleia Nacional Francesa (parlamento) palco de marcantes acontecimentos políticos históricos, abriu suas portas na noite desta segunda-feira (14) a um importante evento, que reuniu intelectuais, dirigentes políticos e diplomatas: o lançamento do livro “Grupons-nous, et demain?”. (Agrupemo-nos, e amanhã?).

 

O título é uma alusão a um dos versos do hino Internacional para o livro, publicado pela Editora Les Temps de Cèrises, sobre a crise internacional e as alternativas de esquerda, fruto do seminário realizado em São Paulo, Brasil, em 20 e 21 de junho, sob os auspícios do PT, o PCdoB e suas respectivas fundações de estudos, a Perseu Abramo e a Maurício Grabois, e da Rede Corresponências Internacionais.

Promovido pela bancada parlamentar do bloco Esquerda Democrata e Republicana, do qual fazem parte os comunistas e pela Fundação Gabriel Peri, o ato foi coordenado por Patrick Theuret, de Correspondências Internacionais e contou com as presenças do renomado economista francês de esquerda, Paul Boccara, do jornalista e escritor Henri Alleg, do embaixador de Cuba na França, Orlando Gual, dos dirigentes políticos Robert Griffiths, secretário-geral do PC da Grã Bretanha, Chris Mathlako,do Birô Político do PC da África do Sul, Sérgio Ribeiro, do Comitê Central do PCP, Lô Gourmot, da União das Forças pelo Progresso, da Mauritânia, Gyula Thurmer, do Partido dos Trabalhadores da Hungria, Valter Pomar, do Partido dos Trabalhadores e José Reinaldo Carvalho, editor do Vermelho e membro da Comissão Política e do Secretariado do Partido Comunista do Brasil. Presentes entre o público a embaixadora da Bolívia na França e representações diplomáticas do Brasil, Venezuela e Sri Lanka.

Brasileiros abrem o debate

As intervenções de abertura foram feitas pelos brasileiros José Reinaldo e Valter Pomar, organizadores do seminário de 2009. Para Reinaldo, “As análises interpretativas sobre a crise reproduzidas no livro Grupons-nous et demain?” refutam certas teses que de maneira insidiosa e oportunista penetraram de uma ou outra maneira, no pensamento da esquerda, em particular a ideia que marcou todo o período da década de 1990, segundo a qual o capitalismo, com a transnacionalização e a globalização financeira, teria atingido um nível de expansão irreversível e reunido as condições para a inauguração de uma nova ‘idade de ouro’”. A esta visão, segundo Reinaldo, correspondeu também o “diagnóstico errôneo de que o imperialismo estadunidense tinha superado a etapa regressiva, decadente e senil observada desde os anos 1970”.

O dirigente do PCdoB disse em sua alocução que a crise atual tem dimensões sistêmicas e estruturais, manifesta-se nas esferas financeira e produtiva e é determinada pela natureza intrínseca do capitalismo ; atinge duramente os direitos dos trabalhadores e os interesses nacionais dos povos e nações que lutam por sua independência e está ligada à erosão das posições da economia norte-americana e à deterioração do dólar como padrão monetário internacional.

José Reinaldo criticou também as medidas supostamente anti-crise” dos governos dos países capitalistas: “São políticas que correspondem aos interesses da burguesia monopolista e financeira, dilapidam ainda mais as finanças públicas, e se destinam a salvar o sistema da falência”. Contundente e agudo na crítica, Reinaldo considera que a crise “longe de acabar, está em pleno desenvolvimento, reflete a bancarrota do neoliberalismo e constitui a manifestação do fracasso do próprio capitalismo”.

Reinaldo fez ainda uma análise do quadro político internacional, chamou a atenção para a instabilidade da situação mundial, criticou a política externa atual da Casa Branca, supostamente “doce e independente”, denunciou a militarização, com o novo conceito estratégico da Otan, a Quarta Frota e o Africom, assim como a continuação das ocupações militares dos EUA no Oriente Médio e na Ásia central. Tomando como exemplo as rebeliões populares no norte da África, sobretudo na Tunísia e no Egito, o dirigente do PCdoB considera que “o anti-imperialismo é o espírito da época”. Reinaldo informou que está em curso a edição do livro em Português, prevista para 2011.

A intervenção do dirigente do PT,Valter Pomar despertou grande interesse. Em estilo didático, claro e conciso, fez uma exposição teórica sobre a luta pelo socialismo, um balanço das experiências revolucionárias do século 20. Com sólidas referências marxistas e leninistas, Pomar dissertou sobre a transição do capitalismo ao comunismo, a luta pelo socialismo no século 21 e os esforços para “superar o déficit teórico”. Advertiu que a crise atual pode ter uma saída conservadora ou uma saída progressista, socialista. Para ele, é dever da esquerda “lutar pela saída socialista”.

Crise da civilização ocidental

Paul Boccara disse que a crise é sistêmica e provoca “viragens radicais”. Para ele no ambiente de crise do capitalismo, crescem as oportunidades de transformação, pois “estamos vivendo não só uma crise do capitalismo, mas de toda a civilização ocidental”. O célebre economista francês considera que a “crise econômica fez saltar em pedaços as ilusões sobre o mundo dominado pelo neoliberalismo”. Boccara defendeu a necessidade de lutar por novas relações políticas, demográficas e culturais, de ultrapassar as atuais relações de mercados, as formas de delegação de poder e defendeu o compartilhamento de toda a humanidade para favorecer as atividades sociais livres de cada ser humano.

O dirigente comunista sul-africano Chris Mathlako referiu-se em sua intervenção à necessidade de encontrar alternativas de esquerda no mundo, à luta pela democracia e a soberania nacional. Disse que na África do Sul os comunistas promovem a união das forças progressistas e que vê grande potencial de avanço das lutas no quadro da crise atual. Mathlako elogiou a publicação do livro, que contém “a trajetória das forças progressistas e uma correta interpretação da crise” e fez um chamamento pela consolidação da rede Correspondências Internacionais”.

A revolução bate à porta

Outro africano que cativou o público foi Lô Gourmo, da Mauritânia, país simultaneamente árabe e da África negra. Para Lô, “o livro faz parte da luta para reconstruir a teoria num contexto de crise aguda, em que entra na ordem do dia a luta pela alternativa revolucionária”. Gourmo analisou os acontecimentos na Tunísia e no Egito e deplorou que toda a propaganda dos meios de comunicação burgueses procura reduzir a rebelião popular a uma luta pela democracia liberal e institucional. Ele opina, porém que “há outras questões de fundo, de natureza social, presentes nessas rebeliões”. Arrematou afirmando que “a revolução bate à porta, mas não são ainda os revolucionários que a abrem”.

Edição em Inglês

Robert Griffith, secretário-geral do Partido Comunista britânico anunciou a publicação do livro em inglês, no próximo mês. Em sua opinião, o livro vai jogar um importante papel “contra a ofensiva brutal do capitalismo e aprofundar a compreensão sobre a crise desse sistema”. O dirigente britânico fez referências à intensificação da luta dos trabalhadores na Europa.
Sérgio Ribeiro, do PCP, disse que “a crise não passou e prossegue a linha dura neoliberal”. Segundo ele, “muitas coisas ocorreram desde a realização do seminário”. Ele destacou entre esses acontecimentos a intensificação da luta dos trabalhadores, de que Portugal foi um dos destacados exemplos. Ribeiro aproveitou a ocasião para informar sobre o lançamento em Portugal do Livro 2 de O Capital, de Karl Marx, uma tradução aos cuidados do intelectual comunista português Barata Moura.
O húngaro Gyula Thurmer chamou a atenção para o fato de que “o elo débil da crise não é a Europa Ocidental, mas o Leste Europeu” e destacou entre os problemas econômicos e sociais aqueles vividos pela Rússia.

Renovação em Cuba

O ato foi encerrado com a intervenção do embaixador de Cuba na França, Orlando Gual. Ele opinou que há uma crise do modelo, mas que a alternativa não é criar novos modelos. Na luta pelas alternativas, cada país deve criar sua própria experiência e não copiar modelos, assegurou o embaixador, que fez também uma dura crítica à ordem internacional, “que não tem nada a ver com os interesses dos povos”. Gual considera que a tarefa revolucionária “está apenas começando, ao referir-se às atuais rebeliões populares. Ele elogiou a publicação do livro, afirmando ser necessário estudar, intercambiar experiências e ligar a teoria à prática. O embaixador cubano também informou sobre o desenvolvimento dos debates na Ilha sobre a renovação do modelo econômico. “Um grande debate popular, que já envolveu mais de 6 milhões de pessoas na discussão dos documentos preparatórios do congresso do PC Cubano, que terá lugar em 16 de abril deste ano.

Depois do ato houve um jantar de confraternização oferecido por Marc Everbecq, prefeito de Bagnolet, nos arredores de Paris, onde se realiza nesta terça-feira (15) o seminário da Rede Correspondências Internacionais

Da redação