Não sou Fluminense; sou Botafogo de coração, de pai, de avô, de irmão, de filhos, de sobrinhos, espero que também de netos e futuros bisnetos. Mas o Fluminense fez uma bela campanha e mereceu o nosso aplauso e a nossa torcida no final.

Não sou Fluminense; sou Botafogo de coração, de pai, de avô, de irmão, de filhos, de sobrinhos, espero que também de netos e futuros bisnetos. Mas o Fluminense fez uma bela campanha e mereceu o nosso aplauso e a nossa torcida no final.

Há pouco mais de cem anos, surgiu o futebol no Brasil, no Rio, com dois clubes: o Fluminense Football Club e o Botafogo Football Club. Logo depois foi criado o América Football Club, na Tijuca. Vasco da Gama e Flamengo eram clubes de regatas, esporte muito popular na época, até mais que o futebol nascente. Havia também o Botafogo de regatas, que depois se fundiu com o do futebol. Eram dois esportes eminentemente masculinos, como até bem pouco, e eram então esportes amadores, praticados por gosto, como se pratica hoje o futebol nos campos de várzea de qualquer comunidade, onde se formam os craques. Só que eram esportes de elite, de pouco acesso ao grande povo. Em São Paulo surgiram o Corinthians (nome bem elitista, bem paulista), o Palestra Itália, da colônia italiana, que na guerra virou Palmeiras, e o São Paulo Football Club, imitando o Rio.

Do amadorismo ao profissionalismo foi um tempo de pouco mais de trinta anos, o mesmo para que o  futebol ganhasse a preferência da grande massa. Apareceram os primeiros jogadores negros, no Flamengo principalmente, Domingos da Guia, Leônidas, Waldemar, grandes craques que, menino, eu vi jogar. E o Flamengo, por isso mesmo, se transformou no clube mais popular da Cidade. Fluminense e Botafogo, especialmente o primeiro, continuaram bastante elitistas, com times só de brancos. O Vasco logo depois teve também alguns negros, mas já tinha, obviamente, a adesão da grande e rica população portuguesa do Rio; ganhou, sim, uma boa massa de torcedores do bairro popular de São Cristóvão, onde se situava o seu futebol (o Vasco da Gama de regatas continuou na praia de Santa Luzia, no Centro, até se mudar para a Lagoa)

Mais uns quarenta anos, e o futebol evoluiu do esporte para o espetáculo e, logo, para o “show business”, campo de grandes negócios, movimentando somas de dinheiro antes impensáveis, associado ao espantoso crescimento da televisão.

Bem, o espetáculo é sempre feito por artistas, não mais por desportistas. Os craques do futebol de hoje são verdadeiros artistas que, ademais de terem o talento específico do corpo, dos movimentos e da percepção dos espaços, da velocidade e das oportunidades, são submetidos a um aprendizado, a um treinamento e a uma disciplina rigorosíssimos. Não precisam dos conhecimentos da cultura da elite, nem da capacidade de expressão correta nas falas, mas têm, necessariamente, de ser verdadeiros artistas, na acepção plena do termo. Evidentemente, artistas de talento ganham ricas remunerações, e este é um dos caminhos de realização e de sucesso aberto à população de baixa escolaridade.

O Brasil tem duas grandes vocações artísticas reconhecidas e inquestionáveis: a música e o futebol, e ambas de extração popular. Foi feita, recentemente, uma pesquisa entre as nações que alimentam os maiores mercados do mundo, as nações ricas (a pesquisa tinha fins comerciais), indagando dos aspectos do Brasil mais admirados no mundo; em primeiro veio a música e em segundo o futebol.

Claro, pois, que devemos valorizar o nosso futebol, e valorizá-lo como atividade artística que exige talento, esforço e rigor, dar-lhe o valor humanístico que tem, até para, quem sabe, reduzir a importância do valor econômico, de negócio capitalista mundial. É triste ter notícia de envolvimento de brasileiros no grande centro de negócios (não muito lícitos) em que se transformou a FIFA.

E festejar, sim, a vitória do Fluminense, que é uma vitória do Rio, no Brasileirão. A decadência do Rio, desde os anos sessenta, evidentemente se refletiu no futebol. Foi-se, há muito, o tempo em que o campeonato brasileiro era disputado entre seleções estaduais e o Rio (Federação Metropolitana de Futebol) sempre ganhava, dando vezinha ou outra aos paulistas, nenhuma aos mineiros e gaúchos. Como o Rio está emergindo do fundo do poço neste alvor do século, o Fluminense foi campeão, acho que os dois acontecimentos têm relação entre si. E foi merecidamente. Espera-se, em seguida, mantida a tendência de recuperação do Rio, espera-se que a próxima vez seja a do Botafogo, que quase chegou entre os quatro primeiros este ano. Enquanto isso,

Viva o Fluminense!

*Roberto Saturnino Braga, ex-senador (PT-RJ), integrante do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo.