A agenda socioambiental e as responsabilidades do PT
Que projeto político podem os socialistas democráticos, organizados no Partido dos Trabalhadores, apresentar ao debate do país que seja capaz de reencantar os amplos setores populares que emergiram na cena política ao longo do governo Lula e nossa juventude submetida ao bombardeio permanente contra todas as utopias coletivas, contra tudo que escape ao consumo imediato de um par de tênis, um automóvel, um I-pod, um Mp3,4,5,6…?!
Que projeto político podem os socialistas democráticos, organizados no Partido dos Trabalhadores, apresentar ao debate do país que seja capaz de reencantar os amplos setores populares que emergiram na cena política ao longo do governo Lula e nossa juventude submetida ao bombardeio permanente contra todas as utopias coletivas, contra tudo que escape ao consumo imediato de um par de tênis, um automóvel, um I-pod, um Mp3,4,5,6…?!
Ao concluir oito anos de mandato podemos afirmar que o governo Lula cumpriu o compromisso que o Partido dos Trabalhadores e seus aliados e o próprio candidato estabeleceram com a sociedade brasileira: retomamos o crescimento depois de duas décadas de estagnação. E fomos além desse compromisso: imprimimos uma nova qualidade ao desenvolvimento. A retomada levantou para nós quatro desafios para qualificar o ciclo do século XXI: desenvolver o Brasil aprofundando as conquistas democráticas; com distribuir renda e combater as criminosas desigualdades sociais e regionais; afirmar sua fisionomia soberana e pacífica diante do mundo e incorporar a sustentabilidade socioambiental à cultura do novo ciclo.
Os três primeiros desafios estão encaminhados: vivemos uma experiência democrática em que as instituições funcionam e se amplia a participação popular nos processos de tomada de decisão; vivemos uma dinâmica de investimento do Estado no combate às desigualdades sociais e regionais que nos permite dizer ao mundo, como na recente pesquisa do IPEA, que no Brasil as camadas mais pobres da população elevam sua qualidade de vida em meio à crise mundial; o Brasil ocupa hoje com altivez e competência seu lugar nas decisões nos foros mundiais.
O quarto desafio é planetário. Não é apenas da sociedade brasileira: o novo ciclo de desenvolvimento ainda não incorporou, de maneira adequada, a dimensão da sustentabilidade socioambiental à sua cultura. Mesmo considerando as conquistas alcançadas ao longo dos oito anos de mandato na formulação e condução das políticas socioambientais. Temos, portanto, aí um grande desafio a vencer para conferir uma nova qualidade à continuidade do nosso projeto, sob a liderança da companheira Dilma Rousseff.
Durante muito tempo a esquerda – o Partido dos Trabalhadores em particular – ouviu com atenção apenas discreta os argumentos daqueles que puseram no centro de sua agenda, de suas expectativas políticas, a luta pela sobrevivência do planeta. Mas mesmo os mais críticos hão de concordar que o governo Lula – expressão mais completa do projeto político do PT – é o governo da história republicana brasileira que mais fez pelas políticas públicas voltadas para a sustentabilidade socioambiental. Não se conhece outro no qual a tensão entre desenvolvimento econômico e a preservação da natureza tenha ido ao centro de sua dinâmica.
Entre suas conquistas estão a redução consistente no desmatamento da Amazônia, o alargamento inédito das áreas de preservação, a busca de alternativas econômicas para a “floresta em pé”, por meio da Lei de Florestas Públicas, a aprovação da Lei de Resíduos Sólidos no Congresso Nacional, o encaminhamento reconhecido internacionalmente dos compromissos relativos ao combate ao aquecimento global. Pela primeira vez na história, o Estado brasileiro passou a regular investimentos econômicos pela lógica da sustentabilidade. A Resolução do Conselho Monetário Nacional, Nº (…) em 2008 que condiciona a liberação de recursos para empreendimentos do agronegócio nas áreas da fronteira agrícola, aos critérios de sustentabilidade socioambiental, o que moderniza as práticas desta área sensível da economia sobre o ambiente. Este é apenas um exemplo.
Não temos problema em reconhecer que estes avanços históricos incontestáveis são ainda insuficientes diante do novo ciclo de desenvolvimento brasileiro iniciado nessa primeira década. Mais energia, mais carros e pressão imobiliária nas cidades, não podemos perder de vista que 80% dos brasileiros vivem nos centros urbanos; mais pressão sobre a Amazônia e as fronteiras agrícolas, reprodução em escala ampliada de padrões de consumo típicos de países capitalistas centrais. A agenda da sustentabilidade estará perdida se condenada a lutar apenas na resistência, caso a caso, na regulação e na contenção das vertentes mais agressivas do crescimento. O que se requer é um novo paradigma de desenvolvimento. Não apenas uma contenção e regulação dos mercados, mas uma reposição e uma tradução programática e política dos fundamentos socioambientais do desenvolvimento brasileiro.
O PT foi o primeiro partido socialista brasileiro a incorporar, a temática do desenvolvimento sustentável. Seguramente se encontram na extensa rede de militantes, filiados e simpatizantes do nosso partido a maior parte dos que sustentam a bandeira da utopia verde, em particular a juventude. Mas essa temática é uma agenda setorial, isto é, não estrutura, não orienta as prioridades da sociedade. Mas sinalizou claramente no processo eleitoral de 2010 que se instala em definitivo na agenda do desenvolvimento do século XXI.
O claro diagnóstico da comunidade científica, a pressão da opinião pública internacional, a sensibilidade crescente diante dos desastres ambientais tem feito surgir um fenômeno novo, no centro e na periferia do mundo capitalista: um liberalismo ecológico. Isto é, a formação de uma consciência e de um programa que pretende unir capitalismo e sustentabilidade, mercado e regulação. No Brasil, se observa hoje, um claro esforço por parte de certos segmentos empresariais, particularmente o setor financeiro de abraçar uma agenda verde.
Mas esse Eco-liberalismo apresenta dois grandes limites. O primeiro é que, centrado em uma base empresarial, terá como horizonte sempre os interesses do mercado, de sua potência agressivamente destrutiva, e não a formulação de um novo paradigma que não pode estar assentado na exploração e na maximização do lucro. O segundo, e de implicações mais graves, é o que aparta o grito do planeta – cuja expressão está sob nossos olhos com as catástrofes climáticas – do grito dos oprimidos, aparta o grito da Terra do grito dos pobres, a causa da sustentabilidade ambiental da causa da justiça social, como nos lembra Leonardo Boff!
No Brasil, esta separação entre a causa ambiental e a causa social, entre a luta ecológica e movimento sindical, o Movimento dos Sem-Terra, as CEBs e toda a rede social que organiza a luta dos pobres contra a exploração, seria uma tragédia. A luta em defesa da sustentabilidade socioambiental soma, mobiliza, sopra para além das esferas de um só partido. Ela requer grande ambiência social, um espírito novo de convergência, de horizontes e cores tão plurais como as da complexa sociedade democrática que estamos construindo. Mas, ao mesmo tempo impõe responsabilidades ao Partido que lidera o ciclo de desenvolvimento em curso.
Trazendo para o chão da política, a sociedade brasileira escolheu, no último dia de outubro de 2010, dar continuidade ao projeto que elegeu por duas vezes o Presidente Lula. Que o programa de governo oferecido ao país pelas forças políticas que levaram à vitória a companheira Dilma Rousseff, defina claramente uma zona de compromisso que incorpore, na formulação e execução das políticas públicas a dimensão da sustentabilidade socioambiental à cultura do novo ciclo de desenvolvimento. O Partido dos Trabalhadores tem o dever e a responsabilidade de oferecer seus quadros para garantir a continuidade das políticas públicas implantadas nos últimos oito anos e assegurar o circulo virtuoso do desenvolvimento brasileiro com democracia, com inclusão social, com soberania e com sustentabilidade socioambiental, capaz de recuperar a dimensão utópica do nosso projeto democrático e socialista e atrair para as árduas disputas de valores que vão se seguir as grandes massas de trabalhadores que resgatamos para o exercício da cidadania e particularmente reencantar nossa juventude.
*Hamilton Pereira (Pedro Tierra), foi Secretário do Ministério do Meio Ambiente, é membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo.