Moniz Bandeira: “Sociedade norte-americana está dividida e desorientada”
As eleições parlamentares americanas ocorridas no dia 3 de novembro deixaram o presidente Barack Obama e o Partido Democrata em uma situação extremamente difícil ao perderem a maioria no Congresso para os republicanos.
As eleições parlamentares americanas ocorridas no dia 3 de novembro deixaram o presidente Barack Obama e o Partido Democrata em uma situação extremamente difícil ao perderem a maioria no Congresso para os republicanos.
Em entrevista a revista uruguaia “La Onda Digital”, o cientista político e analista internacional, Luiz Alberto Moniz Bandeira, analisa as perspectivas de Obama após esse fracasso. O intelectual brasileiro também fala sobre a crise econômica global na Europa e na América Latina.
Moniz Bandeira, 74 anos, nasceu na Bahia e atuou por vários anos como jornalista e ativista político. Formado em Direito e doutor em Ciências Políticas pela USP, é professor universitário no Brasil e no exterior, especializado em política internacional.
La Onda Digital: Afirma-se que o recente derrota dos democratas nas eleições legislativas norte-americanas deve-se ao fracasso das políticas econômicas de Obama. Você acredita que Obama já está politicamente acabado?
Moniz Bandeira: A derrota eleitoral do presidente Barack Obama era perfeitamente previsível. Sua política, em geral, era muito inconsistente. Não conseguiu – ainda – realizar metade das suas promessas de campanha. Conseguiu aprovar somente a reforma do sistema de segurança social e da regulação do sistema financeiro, o que desagradou os republicanos.
Mas por outro lado, intensificou a guerra no Afeganistão, a retirada das tropas do Iraque foi parcial, ou melhor, uma piada, uma vez que os Estados Unidos continuam a ocupar o país com 50 mil soldados. Ninguém pode dizer que está politicamente acabado. Na política você não pode dizer isso. Dependerá das circunstâncias.
O que vai acontecer com os EUA?
A crise é uma crise global profunda, mas o epicentro está localizado nos Estados Unidos. Os próximos anos serão muito difíceis, tanto economica e financeiramente quanto social e politicamente. A sociedade está profundamente dividida e confusa. A crise é, talvez, muito pior do que a desencadeada pelo crash de 1929. Agora, com a desvalorização do dólar, acontece algo semelhante a crise do início do anos 1930.
Nos Estados Unidos, milhões de investidores empobreceram e milhares de bancos e outras instituições financeira tornaram-se insolventes. O grande grupo bancário J. P. Morgan, com seus vastos recursos, foi afetado, os créditos esgotaram-se e os Estados Unidos não foram capazes de financiar o pagamento de dívidas da Alemanha.
O crack de 29 de outubro de 1929, em Nova York, difundiu-se e afetou profundamente os países europeus, evidenciando o profundo entrelaçamento das suas economias no sistema capitalista mundial.
França, Inglaterra e todos os países da Commonwealth (exceto o Canadá), a Irlanda, os países escandinavos, a Austrália, Nova Zelândia, Iraque, Portugal, Tailândia e alguns países sul-americanos (Brasil, Chile, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela), acompanhados Grã-Bretanha, abandonaram o padrão ouro em 1931.
A desvalorização do dólar está à beira de deflagrar uma guerra cambial, que abrange, na realidade, a guerra comercial, como ocorreu em 1930. E o que pode acontecer nos Estados Unidos também é imprevisível. A situação é muito repentina, em rápido processo de mutação.
A injeção de 600 bilhões de dólares, feita pela FED para fornecer liquidez suficiente para o mercado e dar ao país maior competitividade no mercado internacional não vai resolver os problemas dos EUA. A depreciação do dólar não fará necessariamente a economia dos EUA crescer. Irá ao certame do Mercosul, terão que aumentar as tarifas aduaneiras para impedir o dumping que os EUA querem promover no mercado mundial. A guerra comercial, como resultado da guerra cambial, será um desastre.
A baixa presença dos cidadãos nas urnas mostra que os jovens e os afrodescendentes não votaram em massa nesta ocasião, como quando Obama foi eleito presidente. Eles estão desapontados com Obama?
Sim, os jovens e os afrodescendentes estão obviamente desapontados com o tímidas reformas do presidente Barack Obama, que não se afastou, de modo geral, da linha política do ex-presidente George W. Bush. Não houve mudança significativa em sua política internacional. Apesar de algumas pálidas iniciativas em relação à Cuba, manteve a política de Bush em relação a Israel e a questão palestina. Ele recuou e aceitou o golpe militar em Honduras.
E também intensificou operações no Afeganistão, onde durante os dois anos de seu governo (2009-2010), 741 soldados norte-americanos morreram, mais do que nos oito anos anteriores, desde que o presidente George W. Bush começou a guerra em 2001, e cuja soma foi de 620 vítimas. Até agora, para 2010, o total de soldados americanos mortos no Afeganistão é de cerca de 1371 e a guerra continua.
Nos Estados Unidos e na Europa, a crise econômica está fazendo a extrema direita ganhar posições e avançar eleitoralmente. Os setores progressistas não têm um projeto viável para sair da crise da economia?
A crise econômica está levando a direita, mas não a direita radical, a ganhar posições eleitorais, embora alguns governos tenham de fazer certas concessões em certos casos, tais como a imigração. Mas o avanço da direita é devido ao fato de que também os partidos que seriam considerados progressistas e de esquerda não oferecem nenhuma solução para os problemas da atualidade.
A crise econômica ainda é muito grave e ainda não acabou, o que faz intensificar as lutas sociais em quase todos os países europeus. Mas a verdade é que os partidos de centro-direita e de centro-esquerda quase não se diferenciam e os partidos mais de esquerda, vivem no passado, historicamente ultrapassados, e suas propostas não são coerentes com as novas circunstâncias econômicas, sociais e políticas apresentados no século XXI.
A classe trabalhadora segue existindo, mas não é o mesma do tempo de Marx e Lênin. O desenvolvimento tecnológico tem mudado a estrutura do capitalismo e das próprias classes sociais.
O pensamento norte-americano é o pensamento único?
Eu não acho que o pensamento americano pode se tornar o pensamento único. A crise econômica e consequentemente social, irá produzir diferenças políticas e de maneiras de pensar. As circunstâncias em que os povos vivem são muito diferentes e não aceitarão o pensamento americano. E além disso, é necessário ter claro que os EUA estão em uma acentuada decadência, o que pode durar décadas ainda, mas é inevitável que mais cedo ou mais tarde o seu domínio imperial chegará ao fim.
Diz-se que os setores republicanos que agora ascendem ao Congresso buscarão uma reforma conservadora, o que significa via livre para as guerras no Irã e no Afeganistão e a promoção do livre mercado. Será que isso pode ser possível com Obama?
O Departamento de Defesa dos EUA empregava em outubro de 2009 um total de 193.674 de contractors (mercenários contratados por empresas privadas militares – Militares Empresas Privadas [PMCs]) – no Iraque e no Afeganistão, o número equivale ao de soldados regulares, de acordo com o serviço de pesquisa do Congresso.
No entanto, menos de 5% dos mercenários eram americanos e uma quantidade menor ainda, de iraquianos. Os restantes 88% vieram de outros países, tais como Fiji, Chile, Nepal e Nigéria. O que acontece é uma terceirização da guerra, a guerra como negócio para grandes empresas, mas mesmo assim, há um limite, porque a crise econômica e financeira não vai permitir que o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, o Pentágono, continue a gastar recursos para financiar companhias militares privadas.
Quanto à promoção do livre mercado, o governo dos EUA vai insistir apenas para expandir seus negócios e reduzir seus déficits comerciais permanentes. Contudo não sei se vai ter êxito completo, porque países como Brasil e Argentina e outros irão resistir. Se eles aceitassem, seria suicídio nacional, o fim das suas indústrias e, inclusive, de sua agricultura, porque a dos EUA é subsidiada.
Alguns vencedores na eleição dos EUA apoiaram o golpe em Honduras, mostraram-se hostis aos governos da Venezuela e da Bolívia, propõem militarizar a fronteira com o México e paralisar toda a abertura proposta a Cuba. Podemos esperar um novo período de confronto com a América do Sul?
Tensões na América do Sul tendem a se incendiar. E uma potência é mais perigosa quando está perdendo a sua hegemonia, como ocorre com os Estados Unidos, quando expande o seu poder, seu domínio em outras regiões.
Dada a recente vitória do de Dilma no Brasil e a morte de Kirchner na Argentina, podemos esperar mudanças no curso da integração sul-americana?
O triunfo de Dilma Rousseff no Brasil e a morte de Kirchner não vão produzir mudanças no processo de integração da América do Sul. A morte de Kirchner, infelizmente, é uma grande perda, mas acho que Cristina Kirchner vai conduzir o progresso com Dilma Rousseff.