A explicação de nossa vitória encontra muitas razões no comentário da rua, abrangendo a aprovação e o carisma do Presidente Lula até as muitas qualidades da Presidenta Dilma, passando pelo amadurecimento do nosso partido e pela vacuidade da oposição, com desespero e agressões imorais. Há, entretanto, entre todas, uma que me parece a mais forte, mesmo que não plenamente explícita no consciente coletivo: é o profundo desejo da continuidade, a vontade popular de prosseguir no caminho aberto em 2002.

Significa isto, para o novo governo, o dever de humildade, sim humildade de prosseguir, sem grandes mudanças, o percurso iniciado naquele início do século. Um renovar de pessoas é sempre bom para evitar qualquer esclerosamento que uma permanência excessiva possa acarretar; mas não uma renovação substancial da linha política, das metas, das prioridades e dos processos.

Quero dizer com isso que, a meu juízo, o Brasil deve continuar, e aprofundar, os programas de redistribuição, como o do reajuste crescente do salário mínimo, o da bolsa família e o da agricultura familiar. Deve também alargar as sendas da democracia participativa, tratar da sua institucionalização e incentivar estados e municípios (estes muito mais) a adotarem políticas deste mesmo conteúdo. E deve prosseguir firmemente na linha de política externa traçada nos dois governos do Presidente Lula.

O prestígio mundial adquirido pelo Brasil ultimamente não resulta dos êxitos da economia, mas dos sucessos da democracia, da justiça social e da soberania. É importante lembrar as palavras de Afonso Arinos, ministro das Relações Exteriores, quando disse que o Brasil nunca foi nem quer ser uma potência da guerra mas uma potência da paz. Assim efetivamente tem sido, desde Rio Branco nas negociações de fronteira, Rui Barbosa em Haia e Oswaldo Aranha na ONU. Lula, na Presidência, evidenciou isso ao mundo inteiro, acrescentando Potência da Paz, da Democracia e da Justiça.

Evidentemente, uma potência desta natureza tem que eliminar a miséria da sua sociedade. E, para tanto, é preciso cuidar também da economia, aumentar um pouco o investimento público que está muito baixo e manter sempre o olho atento no câmbio para evitar ataques por este lado; e administrar bem o petróleo, claro, internalizando cada vez mais sua produção. Não precisa porém copiar a China nem a Ìndia com taxas de crescimento do PIB muito altas. Desculpem-me os economistas, os senhores do PIB, mas para mim, qualquer crescimento acima de 4% é bom, desde que se continue no processo de redistribuição, se melhore o atendimento à saúde, se cuide mais do meio ambiente, se aprofundem as práticas democráticas participativas e se siga na política de paz no mundo e de integração sulamericana.

Uma referência especial acho que deve ser feita à questão da cultura; e não apenas no sentido mais corrente, que abrange sobretudo a educação, os conhecimentos gerais e as artes, que obviamente não podem deixar de contar com a atenção prioritária, mas, numa extensão desta acepção mais comum, o cuidado com uma cultura política, uma cultura filosófica e humanística, uma cultura da sabedoria, como que em contraposição à cultura do consumismo, da competição no mercado, do marqueting e do “business” . Penso que esta é uma dimensão importante do conceito de Potência da Paz e da Democracia.

Vejo o destino do Brasil na História, num mundo ameaçado pela prepotência do PIB e pela cultura da eficiência no mercado, fortemente ligado a essa capacidade de mudar a composição da ambiência cultural. E acho que a contribuição da nossa Fundação no desenvolvimento desta dimensão entre os brasileiros pode ser enorme, extraordinária. É um tratamento incomum nos dias presentes e, por isso mesmo, difícil de ser equacionado em termos de propostas objetivas. Mas acredito que, através dos cursos de nossa Escola de Formação, se possa introduzir esta dimensão humanista da cultura, assim como pelas matérias da Teoria e Debate.