Após mais de uma década de tramitação, o Estatuto da Igualdade Racial, recentemente aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, passou a vigorar a partir do dia 20 de outubro de 2010.

É um dispositivo legal que não deve ser tratado como a possibilidade de superação das desigualdades sociorraciais no país mas como um instrumento efetivo de afirmação de direitos sociais, políticos, econômicos e culturais da população negra brasileira.

Nos últimos trinta anos as conquistas da população negra, decorrentes da luta do movimento negro, seja no campo jurídico-legislativo, seja na área social e as de caráter simbólico, ajudaram o Brasil a compreender que o racismo existe e que a promoção da igualdade é fundamental para seguir mudando a vida de metade da população brasileira1.

A luta do Movimento Negro tem garantido mudanças na vida da população negra. É por meio desta luta que os governos, de caráter democrático e popular, dos municípios, dos estados e do governo federal, têm respondido a reivindicações históricas e diante do grave quadro de desigualdades sociais e econômicas, em razão das diferenças raciais, implementam políticas para a superação do racismo e para a erradicação da pobreza em nosso país.

Porém, mesmo valorizando esses avanços e conquistas, é preciso deixar explícito que o Brasil continua sendo um país injusto, onde as desigualdades sociorraciais continuam imensas, como comprovam os indicadores, pesquisas e estudos.

É a partir dessa realidade que a importância do Estatuto que entrou em vigor deve ser compreendida,  apesar dos limites impostos a ele pelo conservadorismo dos parlamentares que hoje compõem o Congresso Nacional.

O projeto do Estatuto, no período final de sua tramitação no Senado, na Comissão de Constituição e Justiça, teve como relator o senador Demóstenes Torres, do Partido dos Democratas (DEM-GO). O parecer do senador, que serviu de base para as negociações que permitiram a aprovação do Estatuto, com suas novas exigências e propostas de vetos, desfiguraram ainda mais o já mutilado projeto de lei votado na Câmara dos Deputados em setembro de 2009.

Abrindo um parêntese: é importante destacar que o partido do senador Demóstenes Torres, o Partido dos Democratas, move três ações no Supremo Tribunal Federal que colocam em risco a manutenção dos direitos e conquistas do Movimento Negro e da população negra:

  • a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) direcionada ao Decreto nº 4.887, que questiona o critério de auto-atribuição e a definição das terras ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos  confirmadas pela Constituição de 1988;
  • a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADFP) contra a política de cotas raciais para o ingresso nos cursos de graduação da Universidade de Brasília, que tem como objetivo principal questionar a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa de acesso ao ensino superior no país;
  • a Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a manutenção do Programa Universidade para Todos, o ProUni, que incorpora o recorte étnico-racial na concessão de bolsas totais e parciais para jovens pobres nas universidades particulares.

Fechando o parêntese: apesar do DEM e das elites conservadoras que continuam vivas, como demonstra o processo eleitoral em curso, disputando seus interesses, postos de mando e dominação no Estado brasileiro, a partir do dia 20 de outubro de 2010, o Brasil está diante de um fato concreto que é a existência de um Estatuto da Igualdade Racial.

Finalizado o processo eleitoral em curso, a tarefa de um Congresso Nacional renovado será tratar dos artigos que precisam ser regulamentados e a implementação de novas medidas que não estão presentes na redação final do Estatuto, como as cotas raciais em universidades públicas e escolas técnicas federais, que buscam gerar condições mais equânimes de acesso da juventude negra ao conhecimento e às instituições superiores de ensino.

Ao futuro presidente ou presidenta da República caberá fazer com que o Estatuto seja respeitado e que os direitos e conquistas da população negra sejam garantidos.

Como indica tendência de voto dos eleitores   entrevistados pelo Ibope que se autoclassificaram pretos e pardos, em pesquisa recentemente divulgada2, o candidato José Serra é o preferido entre brancos e amarelos e a candidata Dilma Rousseff entre pretos e pardos.

A população negra vai votar no dia 31 de outubro de 2010 para consolidar as mudanças conseguidas nos últimos anos através de uma efetiva política de promoção da igualdade racial; para ampliar as conquistas através de políticas que promovam a inclusão social e a redução das desigualdades; para impedir qualquer retrocesso na afirmação de direitos sociais, culturais, políticos e econômicos da população negra no Brasil.

*Flávio Jorge Rodrigues da Silva, diretor da Fundação Perseu Abramo e membro da direção executiva da Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN).

Notas:

1) Ver IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domícilio (Pnad) de 2009: 6,9% (13,3 milhões) de pessoas se declararam pretas e 44,28% (84,7 milhões) se declararam pardas.

2) A divisão do eleitorado por cor obedeceu às mesmas categorias do IBGE utilizadas no Censo de 2010.

 

Sobre o tema confira também:

Livro: Racismo no Brasil: Percepções da discriminação e do preconceito racial  no século XXI


Pesquisa: Discriminação racial