Gênero e Representação Política no Brasil: condições e perspectivas para as eleições de 2010
O baixo índice de representação de mulheres deve-se pouco ao preconceito do eleitor e mais a obstáculos institucionais e políticos que dificultam a competição das mulheres em pé de igualdade com os homens, conforme indicam algumas pesquisas no país.
As mulheres são atores centrais nas eleições deste ano no Brasil. Elas não apenas compõem a maioria do eleitorado (51,7%), como também representam a maior proporção dos candidatos com chances reais de vencer as eleições de outubro. Dos três candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de votos dois são mulheres: Dilma Rousseff, a candidata do governo, que foi Ministra da Casa Civil na gestão atual, e Marina Silva do Partido Verde, que foi Senadora e Ministra do Meio Ambiente de 2003 a 2008. Segundo pesquisas do Ibope de 18 de setembro, Rousseff abriu uma vantagem sobre o segundo candidato, José Serra do PSDB, de 26 pontos percentuais. Ela tem 51% das intenções de voto, enquanto ele tem 25%; e Marina Silva, por sua vez, fica com 11%. Ou seja, a julgar pela intenção de votos, se as eleições fossem hoje Dilma Rousseff seria a Presidente da República e o Brasil se somaria a dois outros países no continente – Argentina e Costa Rica – que têm mulheres na sua chefia de estado. Mas enquanto nestes países as mulheres representam 38% dos membros do corpo parlamentar no Brasil elas não passam de 9%.
A possibilidade de eleger uma mulher para a presidência da república, portanto, representa um grande avanço em um país como o Brasil, que embora tenha um dos reconhecidamente mais ativos e bem articulados movimentos de mulheres e feminista do continente, tem um dos piores índices de presença feminina em cargos parlamentares da América Latina. Com 8,9% o Brasil é o penúltimo país do continente em termos de representação de mulheres nestas posições – estando abaixo dele apenas o Panamá (8,5) – e encontra-se na centésima quinta posição em nível internacional, diferente dos dois outros países citados acima, os quais têm as maiores medias do continente e ficam entre os 12 melhores colocados no ranking internacional, inclusive à frente de países desenvolvidos como a Alemanha e a Inglaterra que têm 32% e 22% cada. Na verdade índices de desenvolvimento econômico e social não são bons indicadores de igualdade política de gênero. Nos Estados Unidos, por exemplo, o percentual de mulheres Membros do Parlamento é de apenas 16,8%.
Desde o VI Conferência da Mulher na China, organizada pela ONU em 1995, houveram avanços políticos significantes: a representação feminina aumentou; a política de cotas ganhou legitimidade junto a governos, partidos e opinião pública; e medidas vêm sendo adotadas para promover a participação das mulheres em cargos eletivos. Com isso houve um aumento de 75% na representação feminina dos parlamentos do mundo, fazendo com que hoje elas representem 19,3% do total dos membros das Câmaras Baixas, e 18,4% dos membros do Senado. Na região das Américas elas somam 22,5% e 22,6% respectivamente nestas posições (Inte-Parliamentary Union, 2010). No Brasil, no entanto, o progresso tem sido mais lento. Embora o tópico da igualdade política de gênero tenha tornado-se mais evidente e ganhado espaço tanto na agenda dos governos quanto na de organismos da sociedade civil, a presença de mulheres em posições de tomada de decisão política, como em estruturas executivas e legislativas de governos, e nas lideranças internas dos partidos, continua muito baixa.
Pode, portanto, parecer paradoxal que tendo uma presença tão pequena de mulheres em cargos políticos decisórios, o Brasil esteja diante da possibilidade real de eleger a sua primeira mulher presidente da república. Na verdade não é. O baixo índice de representação de mulheres deve-se pouco ao preconceito do eleitor e mais a obstáculos institucionais e políticos que dificultam a competição das mulheres em pé de igualdade com os homens, conforme indicam algumas pesquisas no país. Que fatores explicariam este baixo desempenho eleitoral das mulheres no Brasil, então? Eu destacaria três: (a)o fato dos partidos serem pouco responsivos; (b) como a política de cotas é implementada no Brasil, (c) e o sistema eleitoral vigente no país (e relacionado a este fator a questão do financiamento das campanhas).
Primeiramente os partidos, estes desempenham um papel central para promover ou dificultar a entrada de mulheres em cargos de tomada de decisão política. São eles que fazem o recrutamento e a seleção dos candidatos, e que apresentam projetos e articulam políticas parlamentares que podem contribuir para impulsionar a igualdade política entre homens e mulheres; eles são, portanto, unidades importantes de análise no que se refere ao tópico da representação política por gênero. Um dos obstáculos centrais é encontrado no processo de seleção de candidatos.
Apesar de o país implementar uma cota de gênero de 30% desde 1997 para todos os cargos legislativos, o número de mulheres selecionadas como candidatas, da esfera local à nacional, tem sido bem inferior a este percentual. Em 1994 as mulheres representavam 6,4% das candidaturas para a posição de Deputado Federal e 7,3% para as de deputado estadual, e hoje elas somam 12,9 e 14,5 respectivamente dos candidatos à estes cargos. Para a posição de vereador, em 1992 elas eram 18% dos candidatos e hoje elas são 22%. Ou seja, embora o número de candidaturas femininas tenha aumentado, eles estão distantes do percentual previsto na lei, e quanto mais alta a senioridade da posição parlamentar menos mulheres são selecionadas como candidatas.
Mas mesmo quando selecionadas as mulheres ficam em desvantagem, pois recebem menos apoio financeiro e político dos partidos, fazendo com que o percentual de eleitas seja significativamente inferior ao de selecionadas. O financiamento eleitoral é uma das principais causas apontada pelas mulheres candidatas para o seu baixo desempenho nas urnas. Como não há um teto para as despesas de campanhas, elas são muito caras, fazendo do fator financeiro um catalisador da desigualdade política. Alguns candidatos gastam milhões enquanto outros gastam quase nada em suas campanhas. Pesquisas sobre financiamento eleitoral e gênero no Brasil demonstram que o financiamento eleitoral é um dos fatores mais importantes para definir as chances de sucesso eleitoral dos candidatos, mas que as mulheres gastam em média a metade do que gastam os homens em suas campanhas (Sacchet, T. e Speck, B. 2010). As mulheres também recebem menos apoio político dos partidos para suas campanhas. Ou seja, sem dinheiro e sem apoio político fica mais difícil para as mulheres se elegeram.
A política de cotas é um dos principais instrumentos de promoção política das mulheres. Os países que tem percentuais mais equilibrados entre homens e mulheres em espaços parlamentares são os que utilizam ou utilizaram esta medida. O Brasil adotou sua primeira lei de cotas em 1995, logo após a IV Conferencia da Mulher na China, e esta dizia respeito às candidaturas para o cargo de vereador nas eleições do ano seguinte. A lei determinava que 20% das candidaturas para este cargo deveriam ser preenchidas por mulheres. Em 1997 esta lei foi ampliada para todas as posições legislativas, tornou-se uma política permanente da lei eleitoral, e o percentual aumentou para 30%. A lei estipulava que os partidos deveriam reservar em suas listas não menos que 30% e não mais de 70% para cada sexo.
A palavra reservar contida no texto permitiu aos partidos burlar a lei. Contanto que as vagas que deveriam ser preenchidas por mulheres não fossem ocupadas por homens, os partidos ficavam desobrigados de candidatar mulheres seguindo o que seria a intenção da lei. Na ausência de medidas punitivas os partidos não têm cumprido as cotas e o percentual de candidaturas femininas tem sido muito baixo, como apresentado acima. Além disso, a lei prevê um acréscimo de 50% no número de candidatos em relação ao número de vagas, que contribui para diluir o impacto das cotas.
No ano passado houve uma nova reformulação da lei. Desta vez o texto prevê que os partidos devam preencher suas vagas com no mínimo 30 por cento de um sexo e no máximo 70% do outro.? Portanto, a forma como a política de cotas tem sido implementada no Brasil é outro empecilho para permitir que o país acompanhe os índices crescentes de entrada de mulheres em cargos legislativos vista em outros países.
Por fim, conhecer o sistema eleitoral brasileiro é fundamental para entender as oportunidades políticas de homens e mulheres. O sistema de representação proporcional com listas abertas que é utilizado no país, além de enfraquecer as legendas, favorece a individualização das campanhas e o gasto exacerbado de recursos financeiros entre candidatos que competem entre si. Apesar de haver controvérsias sobre qual o exato papel desempenhado pelo sistema eleitoral, é normalmente reconhecido que o sistema de representação proporcional com listas fechadas favorece a eleição de mulheres e membros das minorias, particularmente naqueles países que adotam cotas. Isso porque quando as listas são fechadas os candidatos competem pela legenda e não individualmente gerando maior equidade na competição.
Aqui a luta é interna – nos partidos – para garantir com que as mulheres sejam colocadas em posições elegíveis (as posições superiores das listas). No caso da existência de cotas, uma medida utilizada para garantir um bom posicionamento das mulheres nas listas é o mandato de posição (placement mandate), que garante a observação das cotas na composição das listas. Portanto, a ausência de limites de gastos em campanha somada à individualização das campanhas, característica dos sistemas que operam com listas abertas, são fatores que dificultam a entrada das mulheres nos espaços políticos institucionais Brasileiros.
Uma questão que permanece é: dado a dificuldade que as mulheres encontram para se promoverem nas estruturas partidárias como é possível que o Brasil tenha uma mulher como candidata ao cargo de presidente da república por um partido no qual o governo tem 80% da aprovação popular? Há duas possíveis explicações para isso: primeiramente, apesar da responsividade dos partidos no Brasil para com a promoção política das mulheres ser no geral baixa, minhas pesquisas atestam que dentre os partidos maiores o PT é o partido que tem melhores índices de responsividade. Isso se deve em grande medida a história de formação deste partido, e ao seu apoio junto aos movimentos sociais em geral e do movimento de mulheres em particular. Outra explicação foi a falta de opção de candidaturas masculinas viáveis. Dilma Rousseff tem certamente as qualificações políticas e administrativas necessárias para tornar-se uma grande presidente. Mas, as estruturas de oportunidades políticas do contexto presente contribuíram para que ela se tornasse o candidato mais viável do partido. Escândalos recentes acabaram inviabilizando a candidatura de dirigentes históricos do PT. Sem os tradicionais grandes nomes masculinos que estavam à frente do governo Lula quando este assumiu a presidência em 2003, Dilma Rousseff tornou-se a melhor opção. Ou seja, ironicamente, como é comumente o caso, uma conjuntura desfavorável pode em grande medida contribuir para a promoção política das mulheres.
*Teresa Sacchet é do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP; mestre em Política e Sociologia pela Universidade de Londres, Inglaterra, e PhD em Ciência Política pela Universidade de Essex, Inglaterra.
– Referências:
Inter-Parliamentary Union (2010) Women in National Parliaments, http://www.ipu.org/wmn-e/classif.htm. Acessada em 16 de agosto de 2010.
Sacchet, T. e Speck. B. (2010) Political Representation, Gender, and Political Financing in Brazil: What Does the Data Suggest? Annual Meeting RC20 IPSA – Research Committee on Political Finance and Corruption, Liubliana, Eslovênia, 23 a 26 de julho.