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Como parte de suas atividades no IV Fórum Social Américas – realizado de 11 a 15 de agosto na cidade de Assunção (Paraguai) a Fundação Maurício Grabois promoveu o painel “Governos de esquerda e progressistas e integração solidária na América Latina”. O debate, promovido em parceria com a Fundação Perseu Abramo (Partido dos Trabalhadores) e o Foro de São Paulo, aconteceu no último sábado (14) e contou com representantes de forças de esquerda de Brasil, Argentina, Cuba, Paraguai e Venezuela.

Heranças malditas
O primeiro conferencista a fazer uso da palavra foi Hector Fraginals, do Partido Comunista Cubano. Ele iniciou sua intervenção postulando que a nova realidade da América Latina exige profunda reflexão. Segundo Fraginals, na América Latina de nossos dias “o movimento histórico em espiral é visivelmente perceptível”: forças progressistas e mesmo revolucionárias alcançam o governo em várias partes do continente, e são chamadas a enfrentar uma herança maldita de atraso que marca a realidade cotidiana dos países da região. 

Na visão do dirigente cubano, as dificuldades são muitas e não cessam por aí. Como ficou demonstrado no episódio do apoio da Casa Branca aos golpistas hondurenhos, resultados eleitorais só são aceitos quando interessam ao imperialismo. O episódio é representativo, ademais, de algo que tem sido observado na América Latina ao longo de décadas: o financiamento concedido a forças locais aliadas do imperialismo, buscando erigi-las em “quintas colunas”.

Ao fazer referência à realidade mundial, Fraginals  citou o histórico líder cubano Fidel Castro. Em reiteradas oportunidades Fidel tem chamado atenção para os graves perigos por que passa hoje a humanidade, em especial após a eclosão da crise econômica capitalista e o crescimento das ameaças militares do imperialismo.

Fraginals afiançou ainda que, apesar de todas as tentativas de sabotagem, em Cuba se persiste no projeto de uma sociedade mais humana. Para ele o projeto de integração materializado na Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba) tem importante valor na aplicação do princípio da solidariedade. “Pensamos, porém, um conceito mais amplo que inclui a solidariedade como princípio, a cooperação, mas também a economia, o mercado. É preciso que os países da região se apoiem mutuamente para que possam contar com uma base mínima econômica e de infraestrutura.”

O dirigente cubano encerrou sua intervenção afirmando que, “neste momento excepcional, precisamos aumentar as lutas por paz, justiça e dignidade”. Para tanto, será necessário buscar a integração cada vez maior entre os países e povos da América Latina. “Está claro que precisamos trabalhar diversas formas de integração e de cooperação possíveis”, finalizou.

Integração necessária
Para o secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista da Argentina, Jorge Kreyness, fato marcante da realidade atual é a crise econômica que se abate sobre a Europa e os Estados Unidos, provocando desestruturação produtiva e altas taxas de desemprego. Essa realidade encontra-se conectada a outro traço saliente da realidade mundial contemporânea: a hegemonia da política militar dos Estados Unidos. “São quatro frentes militares abertas no mundo, ameaçando governos progressistas e de esquerda”, denunciou.

No que diz respeito à América Latina, segundo Kreyness muitos insistem em estabelecer distinções entre os vários governos progressistas, discutindo “quem é mais ou menos revolucionário, quem segue mais ou menos o Consenso de Washington”. Na visão do dirigente argentino, “pode-se até ver diferenças de grau entre os governos, mas isso não é o importante. O importante é a integração”, assegurou, afirmando em seguida que esta deve ser uma integração “profunda”.

Novas formas de organização

O dirigente partidário argentino destacou ainda a importância da União das Nações Sul-Americanas (Unasul). Lembrou o papel jogado pela entidade supranacional nos casos da Bolívia e do recente entrevero entre Venezuela e Colômbia, bem como a forte crítica feita na reunião da Unasul em Bariloche ao processo de instalação de bases militares na Colômbia. Fatos como esses, somados a iniciativas como o Conselho de Defesa Sul-Americana, mostram que “a integração latino-americana avança e se aprofunda”.

O papel da Unasul no processo da integração latino-americana também foi valorizado por Jacopo Torres, do Partido Socialista Unificado da Venezuela (Psuv). Para ele, o papel jogado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) está esgotado. “Insulsa [presidente da OEA] já era, agora é Unasul”, afirmou, lembrando ainda a importância de que seja elevado o papel do Parlamento Latino-Americano.

Em sua intervenção, Jacopo Torres afirmou que os partidos revolucionários têm sido um símbolo da resistência na América Latina. O dirigente venezuelano destacou ainda a importância de que esses partidos incorporem as novas formas de organização da sociedade e dos movimentos sociais, tema caro ao Fórum Social e a todo o processo organizado em torno dele.

Sobre a Venezuela, Torres destacou que o país ainda não se diz socialista, embora venha operando importantes mudanças no rumo de uma sociedade mais justa, o que tem gerado forte reação por parte das elites locais. “Desde que Chávez assumiu não há um ano sequer em que o imperialismo não tenha investido em provocações. A última delas ocorreu recentemente, com os ataques desferidos por meio da Colômbia de Uribe.”

Solidariedade entre povos
A quarta exposição do painel foi feita por Hugo Richard, secretário-geral do Partido Convergência Popular Socialista do Paraguai. Ele iniciou sua fala perguntando qual o real impacto dos governos pós-neoliberais para os povos latino-americanos. Em sua visão, o principal legado desses governos foi terem mostrado ser possível construir uma integração radicalmente diferente, solidária e anti-imperialista.

Sobre a realidade paraguaia, ele explicou que seu partido apoia o governo de esquerda do Paraguai resguardando, contudo, sua crítica aos setores conservadores e de direita que participam do governo. “É preciso fazer essa distinção, sob pena de perdermos de vista que Lugo vem dos setores populares, das comunidades de base, das lutas sindicais, indígenas e dos movimentos sociais.”

Para Hugo Richard, há pontos extraordinariamente positivos no governo Lugo. Entre eles, o dirigente citou o crescimento de 7% a 8% previsto para 2010, fenômeno que há décadas não se verificava na economia do país. “O que existia antes era crescimento econômico baixo e, além disso, com muito pouco impacto social.”

O dirigente político-partidário da vizinha nação guarani lembrou o esforço cotidiano empreendido pela direita golpista do Paraguai, que busca a todo custo deslocar o presidente Lugo e retomar o poder, lançando mão, para isso, de uma campanha mentirosa e manipuladora, bem como da proposta, aventada pelo imperialismo, de extensão do Plano Colômbia para o Paraguai.

Richard encerrou sua fala afirmando que uma integração justa precisa também resolver o déficit do Paraguai em questões como infraestrutura, sob pena de não se conseguir ganhar a população para a bandeira da integração.

Sem revoluções
A última exposição do painel foi feita por Valter Pomar, secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores e secretário-geral do Foro de São Paulo. Em sua instigante exposição, Pomar lembrou que todos os governos progressistas e de esquerda da América Latina têm proporcionado mais justiça social, mais crescimento econômico, mais soberania, democracia e integração. Apesar disso, “não tivemos nenhuma revolução no sentido clássico”.

Pomar externou seu descontentamento com “a situação que temos no Brasil, na Venezuela ou no Paraguai, dentre outros, onde temos processos eleitorais fortemente dependentes de lideranças carismáticas, o que revela as debilidades orgânicas e institucionais da esquerda e das forças progressistas nesses países”.

O dirigente petista falou também da importância da integração. “Sem integração não podemos avançar. Os países maiores e mais ricos podem conseguir até certo ponto, mas haverá sempre limites.” Para Pomar, o atual processo de integração ainda guarda em si muitos limites. “Nossa integração é ainda hoje muito mais política que econômica, social ou cultural.”

Referindo-se ao termo “integração solidária”, Pomar perguntou: “Que estamos fazendo de real na América Latina? Estamos fazendo uma integração entre economias capitalistas desiguais. E uma integração nesses marcos pode até mesmo aprofundar as desigualdades. Por isso é possível que o processo de integração esteja voltado fortemente para o combate às desigualdades.”

Pomar lembrou ainda que, se no Paraguai e na Bolívia diz-se que o Brasil está devolvendo hoje “parte do que roubou” desses países, a direita brasileira afirma que estamos fazendo “caridade”. Seja como for, completou Pomar, a verdade é que a bandeira da integração ainda não tem forte apoio político de massa. “Temos que convencer inclusive a burguesia de que a integração interessa também a ela, senão não teremos apoio. A integração não pode ser apenas um imperativo moral, ela tem uma dimensão de interesse que precisa ser considerada”, argumentou.

Fazendo referência ao futuro dos processos vividos atualmente na América Latina, o representante do Brasil afirmou que nenhum deles está livre da possibilidade de regressão.  “Principalmente se considerarmos toda a contraofensiva da direita e do imperialismo e o fato de três importantes países – Peru, México e Colômbia – estarem nas mãos da direita.”

Ao contrário daqueles que afirmam estarmos vivendo algo como uma “crise terminal do capitalismo”, capaz de engendrar uma ofensiva geral da esquerda e uma situação pré-revolucionária, Pomar afirmou crer que o que temos é uma crise crônica do capitalismo e um processo avançado de mudanças. “Nossos governos são todos de esquerda e progressistas, não exatamente revolucionários, porque em todos, à exceção de Cuba, há expressão das camadas burguesas. Estamos administrando o capitalismo latino-americano. Melhor termos consciência disso que nos enganarmos”, disse Pomar ao final de sua exposição.

 

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