Periscópio Internacional nº 47 – Um olhar sobre o mundo (Julho de 2010)
Casamento de pessoas do mesmo sexo foi legalizado na Argentina
Uribe provoca a Venezuela
Eleição no Suriname
Eleições parciais no México
Relatório da Comissão de Alto Nível da OEA sobre Honduras
EUA – Guerra no Afeganistão pode custar a eleição aos democratas
Alemanha – reforma da cooperação mascara indefinição nos compromissos assumidos com aumento da ODA
Corte Internacional de Justiça considera legal a independência de Kosovo
Israel – documento entregue à ONU confirma informações do Relatório Goldstone
Indicação de Uribe mina a investigação da ONU sobre o ataque à flotilha humanitária
Eleição parcial do senado japonês
ONU – relatório interno ataca Ban Ki-Moon e ameaça sua campanha pelo segundo mandato
Casamento de pessoas do mesmo sexo foi legalizado na Argentina
O senado argentino tomou uma decisão histórica na madrugada de 15 de julho ao alterar a lei civil que regula matrimônios substituindo o conceito de casamento como a “união entre homens e mulheres” pela “união entre pessoas”. Desta forma tornou-se o décimo primeiro país no mundo e o primeiro na América Latina a reconhecer a legalidade do casamento de pessoas do mesmo sexo.
O primeiro país a adotar legislação neste sentido foi a Holanda em 2001 e a maioria dos países que também a adotaram posteriormente, são europeus.
Parte importante da opinião pública argentina era favorável à decisão e a proposta da lei teve o apoio da presidente Cristina Kirchner. Porém, o debate dividiu as opiniões tanto no interior dos partidos de oposição quanto nos da situação e o resultado da votação foi de 33 votos a favor, 27 contra e três abstenções. Houve, inclusive, uma tentativa de alguns senadores que se opunham à lei de propor um substitutivo que legalizasse somente a união civil, alternativa mais restritiva por impedir, por exemplo, a adoção de crianças, além de postergar a decisão.
A oposição da Igreja Católica foi estridente com argumentos tais como “obra do demônio” aos quais o ex-presidente e atual deputado federal, Nestor Kirchner, respondeu que “a igreja precisa modernizar-se e compreender que houve profundas mudanças na composição da estrutura familiar nos últimos tempos”.
A decisão do senado, além de significar a ampliação de direitos em benefício de um setor social vulnerável, demonstrou que o governo argentino encontra-se com capacidade de ação apesar de ter perdido a maioria no parlamento nas eleições parciais em 2009.
A popularidade da presidente Cristina encontra-se em recuperação após o abalo político da rejeição da proposta de lei 175 que alterava a cobrança de impostos dos produtores agrícolas em 2008. Se as eleições presidenciais de 2011 ocorressem hoje, Nestor Kirchner, provável candidato para substituir Cristina, seria o mais votado no primeiro turno. Leia mais em: El Senado convirtió en ley el matrimonio homosexual; e Kirchner: "Aspiramos con todas nuestras fuerzas que la Iglesia se modernice" .
Numa sessão especial da OEA solicitada pela Colômbia e realizada em sua sede em Washington no dia 22 de julho, o representante colombiano apresentou uma série de fotos de acampamentos e membros dos grupos guerrilheiros FARC e ELN afirmando que estes se encontravam em território venezuelano.
A reação imediata do governo venezuelano, além de rechaçar a acusação foi a de romper relações diplomáticas com o país vizinho e reforçar a segurança da fronteira alegando que o governo de Álvaro Uribe, que estava concluindo seu mandato presidencial, poderia tentar provocar algum incidente que agravasse ainda mais a situação.
As fotos não são recentes, tampouco inéditas e suas cenas não permitem afirmar aonde foram tiradas. Portanto, não comprovam absolutamente nada, mas a Uribe interessava causar esta crise para reforçar o apoio dos setores políticos da Colômbia, forças armadas incluídas, que se beneficiam das políticas de segurança e do “Plano Colômbia” financiado pelos EUA, bem como, segundo algumas versões alimentadas pela imprensa, diferenciar-se de seu sucessor Manuel Santos que vem adotando um discurso mais pragmático na relação com a Venezuela. No entanto, é difícil acreditar que Uribe tenha agido sem, pelo menos, o conhecimento do novo presidente. Porém, este não tem se manifestado sobre o assunto.
Aliás, com a provocação feita a Venezuela, Uribe gerou uma imagem melhor para Santos no exterior do que este realmente merece, uma vez que foi ministro de defesa do seu governo, seu fiel aliado e conivente com toda a política de abusos e violação de direitos humanos cometidos na Colômbia ao longo dos últimos anos. No entanto, aguardáva-se sua posse para dar início às gestões da Unasur para tentar normalizar as relações entre Colômbia e Venezuela o que é um desejo dos países vizinhos e, não menos, do empresariado dos dois países, pois o comércio bilateral que já chegou a movimentar US$ 7,0 bilhões ao ano, hoje caiu para US$ 1,2 bilhão.
O próprio presidente Hugo Chávez da Venezuela, apesar das altercações com Santos durante a campanha eleitoral colombiana, também tem manifestado expectativas com a sua posse à qual disse que somente não comparecerá por razões de segurança.
Até Alfonso Cano, comandante das FARC desde 2008, manifestou, por meio de comunicado de imprensa, interesse em estabelecer conversações com o novo governo a partir de determinadas condições. Leia mais em: Relatório sugere vínculos entre cooperação americana e assassinatos cometidos pelo exército, Relações rompidas são base para novos problemas, Next Colombia VP Tells FARC that New Government is Ready for Talks, Fiscal venezolana descarta valor jurídico de acusaciones colombianas, Chávez: "Queremos detener la locura guerrista de Colombia", e Medición de fuerzas militares entre Colombia y Venezuela.
O ex-presidente e ditador do Suriname Desiré (Desi) Bouterse foi escolhido pelo recém eleito parlamento do país como o novo presidente sucedendo em 12 de agosto o atual, Ronald Venetiaan. Seu partido político, o Partido Democrático Nacional (NDP) junto com outros agrupamentos partidários formou uma coalizão chamada “Mega Combinatie – MC” (Mega Combinação) que obteve 23 dos 51 assentos no parlamento. Ao aliar-se depois da eleição a dois outros partidos menores alcançou a maioria necessária de dois terços para se eleger presidente.
Desi Bouterse presidiu a junta militar que tomou o governo do país em 1980 por meio de um golpe e declarou que estavam instituindo uma república socialista. No entanto, esta intenção foi debelada na época pela pressão do governo brasileiro de João Batista Figueiredo que chegou a enviar seu chefe da casa militar, General Danilo Venturini a Paramaribo para comunicar aos seus colegas do Suriname que um governo socialista não seria aceito nas fronteiras do Brasil.
O governo militar no Suriname durou até o final dos anos 1980 e Bouterse é acusado de ser responsável pelo fuzilamento de 15 opositores em 1982. Ele admite a responsabilidade política, mas afirma que a decisão foi adotada na ocasião pelo já falecido comandante do Forte Zeelandia sem o seu conhecimento. Também foi condenado à revelia na Holanda em 1999 por tráfico de drogas, situação que o impedia de viajar ao exterior e acusação da qual ele também se diz inocente.
O Suriname se tornou independente da Holanda em 1975 e é um país muito pobre cujas atividades econômicas principais são a exploração de ouro e bauxita, bem como uma incipiente extração de petróleo. Faz parte do Caricom (Comunidade do Caribe), bem como da Unasul e a expectativa é que possa beneficiar-se da integração.
No dia 4 de julho ocorreram eleições municipais em todo o México e também para governador em 12 dos 31 estados. As atenções estavam voltadas, particularmente, para as eleições estaduais como um possível indicador das tendências políticas para as eleições presidenciais de 2012, tendo também em vista que o Partido da Revolução Institucional (PRI) que governou o país por mais de 70 anos e perdeu o governo em 2000, havia obtido um bom resultado nas eleições parlamentares do ano passado.
No entanto, as eleições não revelaram mudanças substanciais no quadro político, apesar da crise econômica mundial que afetou duramente o México devido a sua estreita vinculação comercial com os EUA por meio do Nafta e à baixa popularidade do presidente Felipe Calderón do Partido da Ação Nacional (PAN). O PRI continuará governando nove destes estados como ocorria antes, embora tenha perdido em três de seus bastiões tradicionais Oaxaca, Puebla e Sinaloa. Nos dois primeiros perdeu para inusitadas coalizões formadas entre o PAN e o Partido da Revolução Democrática (PRD), mas venceu em três outros estados, dois deles governados pelo PAN e um pelo PRD.
O que de fato caracterizou esta eleição foi a violência que intimidou os eleitores principalmente em estados fronteiriços com os EUA como Chihuahua e Tamaulipas aonde o governo mexicano vem tentando reprimir o narcotráfico com apoio americano por meio do Plano Mérida. Mesmo um candidato a governador pelo PRI em Tamaulipas, Rodolfo Torres, foi assassinado a seis dias da eleição, supostamente, por narcotraficantes.
Relatório da Comissão de Alto Nível da OEA sobre Honduras
A Comissão de Alto Nível estabelecida pelo Conselho Permanente da OEA no início de junho para analisar a atual situação em Honduras entregou seu relatório no dia 29 de julho. A Comissão, após consultas, foi nomeada pelo Secretário Geral da organização, José Miguel Inzulza e era composta por representantes governamentais da Argentina, Bahamas, Belize, Canadá, Costa Rica, República Dominicana, Equador, El Salvador, EUA, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá e Peru.
O relatório reconhece que a situação “reflete avanços significativos por parte do governo e de outros atores hondurenhos para lidar com os principais problemas derivados do golpe de estado que teve lugar em Honduras em 28 de junho de 2009 e denota uma atitude positiva do presidente Porfírio Lobo”. Também afirma que “há um ambiente mais favorável para o entendimento e reconciliação mediante o diálogo político e o respeito aos direitos humanos”.
Entretanto, este reconhecimento se contradiz com as observações de que “não foram concluídas as investigações para esclarecimento dos assassinatos de várias pessoas incluindo jornalistas e defensores de direitos humanos ocorridos depois do golpe”, que “permanecem as ameaças e intimidações aos defensores de direitos humanos, jornalistas, comunicadores sociais, professores e membros da Frente Nacional de Resistência” e que “as violações de direitos humanos, incluindo aquelas verificadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e Alto Comissariado das Nações Unidas, seguem impunes”.
O relatório apresenta várias recomendações, inclusive o fim das ações judiciais iniciadas durante o golpe contra o ex-presidente Manuel Zelaya e seus colaboradores, mas não se posiciona sobre reingresso de Honduras na OEA e tampouco sobre a postura de seus membros quanto à normalização de relações com o país, uma vez que muitos não reconhecem o governo Lobo como legítimo por ter nascido de um processo golpista e viciado. No entanto, o relatório foi suficiente para os governos do Chile e México reatarem suas relações com o regime hondurenho. Leia mais em: Periscópio 46 e a íntegra do relatório da Comissão de Alto Nível da OEA Sobre a Situação em Honduras.
EUA – Guerra no Afeganistão pode custar a eleição aos democratas
Após o embaraçoso episódio em que foi forçado a demitir seu comandante no Afeganistão que deu uma franca e ofensiva entrevista à revista Rolling Stone, o presidente Barack Obama agora enfrenta outro problema relacionado ao esforço de guerra naquele país que já dura nove anos e se tornou o conflito mais longo da história dos Estados Unidos.
No dia 25 de julho, o site especializado em divulgar questões de inteligência, WikiLeaks, disponibilizou ao público mais de 90 mil arquivos secretos com informações sobre as operações militares no Afeganistão com o nome de Diário da Guerra Afegã, 2004-2010.
Estes documentos estão sendo comparados aos “Pentagon Papers” durante a Guerra do Vietnã em referência ao estudo vazado por Daniel Ellsberg ao New York Times em 1971 que mostravam que os Estados Unidos tinham expandido seus bombardeios ao Laos, Camboja e Vietnã do Norte sem que isso fosse divulgado pelo presidente Nixon à imprensa e que o presidente Lyndon Johnson já tinha planejado bombardear o Vietnã muito antes da eleição de 1964, além do envolvimento de Kennedy antes dele.
Os documentos divulgados pelo WikiLeaks revelam que o Pentágono superestimou sua habilidade de controlar eventos; que o Talibã possui apoio muito mais amplo da população do que se faz crer; que possui assistência ativa dos serviços de inteligência do Paquistão e que as forças armadas e policiais do Afeganistão, cujo treinamento é a peça central da estratégia de retirada do exército norte-americano do país são instituições menos confiáveis para a população do que se imaginava.
Após tanto tempo de ocupação estrangeira, está claro que o Afeganistão com toda sua complexidade como as divisões étnicas, o profundo histórico de resistência a forças de ocupação, o sistema de governo descentralizado e alta suscetibilidade com a interferência dos vizinhos não possibilitam uma operação de contra-insurgência que possa ter sucesso.
Mesmo assim, o presidente Obama insistiu há oito meses em enviar mais 30.000 soldados ao país a fim de expandir as operações. Antes da divulgação dos documentos secretos do Pentágono, o auditor deste organismo discorria para a imprensa sobre o aumento do orçamento para a compra de armas em meio aos cortes no orçamento geral dos EUA.
A maioria dos norte-americanos (58%) se opõe ao conflito e apóia a retirada das tropas do Afeganistão, o que Obama prometeu começar apenas em julho de 2011. Porém, muitos congressistas democratas já não querem esperar mais um ano para a retirada das tropas e o presidente depende cada vez mais dos republicanos para manter sua política de segurança e estes têm apenas uma missão, a de bloquear qualquer agenda positiva do presidente, tendo em vista o ano eleitoral.
Mesmo a redução de tropas no Iraque de 144.000 para cerca de 50.000 durante um ano e meio não melhorou o humor da opinião pública americana. Uma pesquisa divulgada no inicio de julho já apontava que seis em cada dez norte-americanos tem pouca ou nenhuma fé que o presidente tomará as decisões certas e 51% dos entrevistados crê que os republicanos os representariam melhor estando à frente do congresso.
Em um país abatido pela crise, com desemprego na faixa de 9,5% em junho e com estudos que apontam uma década como prazo para a economia se recuperar e voltar a criar postos de trabalho, os discursos e justificativas para manutenção de uma guerra injustificada começam a soar como imorais senão ilegais.
O presidente Obama, sempre tão preocupado com sua imagem, não tem sido capaz de agir para que seu legado na presidência não seja a continuidade de uma guerra desastrosa, o aumento considerável da pobreza e da desigualdade em seu país oferecendo um congresso embrulhado para presente ao partido republicano em outubro de 2010. Leia mais em: WikiLeaks – Afghan War Diary, 2004-2010, Thank God for the Whistle-Blowers, Do Disclosures of Atrocities Change Anything?, Confidence in Obama reaches new low, Washington Post-ABC News poll finds e Pre-Recession Unemployment Rates May Not be Reached for a Decade.
Alemanha – reforma da cooperação mascara indefinição nos compromissos assumidos com aumento da ODA
Desde a eleição passada na Alemanha, em setembro de 2009, com a manutenção de Angela Merkel no poder e a aliança com os liberais do FDP, o governo passa por debates internos e mudanças também intensificadas pela crise econômica global que afetou fortemente os investimentos alemães interna e externamente.
Logo após a composição do governo, Dirk Nibel, parlamentar e secretário-geral do FDP foi indicado para chefiar o Ministério da Cooperação Econômica e Desenvolvimento (BMZ). Ele é conhecido por ser defensor radical de mudanças no serviço público e principalmente a extinção da pasta que hoje encabeça.
Em virtude de sua descrença no papel de um ministério que possa organizar e gerir as ações da cooperação técnica alemã no mundo, mas tendo em vista os compromissos assumidos pela chanceler Angela Merkel de aumentar a participação da ajuda ao desenvolvimento no orçamento alemão, Dirk Niebel está investindo em reformas internas nas agências ligadas ao BMZ em busca de pistas.
Em 2005, os países da OCDE e da União Européia assumiram o compromisso de contribuir com no mínimo 0,7% de seu PIB para a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (Official Development Assistance – ODA na sigla em inglês). Em 2005 a Alemanha contribuía com 0,35% de seu PIB e em 2009 alcançou aproximadamente 0,5%, segundo dados oficiais. Sua meta é chegar aos 0.7% em cinco anos.
Em 2010, o país deverá finalizar o ano gastando 6,1 bilhões de euros em ajuda para o desenvolvimento – um aumento de 250 milhões com relação a 2009, mas ainda abaixo da meta para o ano de 0,51% do PIB. Com o orçamento federal contabilizando um déficit de 80 bilhões de euros, qualquer aumento é descartado.
O ministro Dirk Niebel expressa dúvidas se a Alemanha cumprirá o compromisso de destinar 0,7% do PIB para a cooperação em 2015. Caso alcance a meta, acredita-se que será mais por ajustes na contabilidade do que pela aplicação de mais recursos.
O trabalho do Ministério da Cooperação se concentra hoje em seis eixos principais: reduzir a pobreza de forma sustentável; reduzir déficits estruturais nos países aliados; envolver a sociedade civil nas ações da política de desenvolvimento, nos países aliados e na Alemanha; envolver o setor privado; melhorar a visibilidade da cooperação para o desenvolvimento para receber apoio da população; e por fim, melhorar a eficácia da cooperação alemã para o desenvolvimento.
Este último ponto despertou muita atenção do BMZ com a utilização de dois documentos como base de todos os processos: a Declaração de Paris e a Agenda de Acra para a Ação. Além disso, foi decidido que o governo fará reformas estruturais e organizacionais visando o aumento da eficácia da política alemã para a cooperação.
Um primeiro esforço neste sentido foi feito a partir de diversas avaliações que apontavam para a falta de um sistema claro e coordenado da cooperação alemã apesar de suas muitas atividades. Este argumento tem sido amplamente utilizado pelos governos europeus nos últimos anos a fim de reduzir o escopo de suas atividades de cooperação e concentrar sua agenda nos países mais pobres. Esta mudança da política européia de cooperação tem afetado também a atuação de muitos agentes sociais como sindicatos e ONGs que foram obrigados a seguir a política oficial, afastando-se de parceiros nos países em desenvolvimento com os quais desenvolviam não apenas relações de cooperação técnica, mas também política.
Esta tendência também não levou em conta as disparidades regionais internas em países onde os índices de desenvolvimento humano médio evoluíram positivamente no geral enquanto as desigualdades regionais permanecem altos como apontam os relatórios da ONU sobre desenvolvimento humano. E tampouco levaram em conta os cenários regionais e a capacidade de expansão de boas práticas desenvolvidas em países com melhor capacidade institucional onde as barreiras que levam à manutenção das desigualdades são mais facilmente rompidas.
Ao final de junho, o BMZ apresentou uma proposta para a unificação de três agências que hoje operam a cooperação técnica no escopo do ministério e que trabalharão de forma coordenada no futuro: DED (Serviço Alemão de Cooperação), GTZ (Sociedade Alemã para a Cooperação Técnica) e InWent (Capacitação Internacional de Recursos Humanos e Cooperação para o Desenvolvimento). Com a união das entidades, o aparato para a Cooperação Técnica alemã poderia abranger 14.000 trabalhadores em 130 países com orçamento de cerca de 1,5 bilhão de euros.
O fortalecimento da cooperação é sempre bem vindo, pois em tese é um instrumento importante para reduzir as assimetrias, mas é preciso cuidado para que as metas, medições e impactos não se sobreponham aos valores de solidariedade que são fundamentais para o estabelecimento de qualquer esforço comum. Leia mais em: The 0.7% target: An in-depth look, Relatório Regional sobre Desenvolvimento Humano para a América Latina e Caribe 2010 e Página Oficial do Ministério para Cooperação Econômica e Desenvolvimento – BMZ (disponível em alemão e inglês).
Corte Internacional de Justiça considera legal a independência de Kosovo
Em decisão concluída no dia 22 de julho, a Corte Internacional de Justiça que é parte do Sistema das Nações Unidas decidiu por dez votos a quatro que a declaração de independência em 2008 de Kosovo, até então província da Sérvia, não foi ilegal.
Kosovo de etnia majoritariamente albanesa era parte da ex-Iugoslávia e após a dissolução desta permaneceu como parte da Sérvia. No entanto, a tentativa de buscar sua autonomia em 2008 foi reprimida pelo governo sérvio e os países da OTAN intervieram militarmente com intenso bombardeio sobre a Sérvia que destruiu praticamente toda sua infra-estrutura obrigando-a a retirar suas tropas da província, embora continue não aceitando a independência da província que é inclusive historicamente considerada o berço da nação sérvia na idade média.
Após o fim da guerra, o governo sérvio fez a consulta à Corte sobre a legalidade ou não da declaração de independência. Com o recente parecer desta instituição, que surpreendeu o governo sérvio, a expectativa não é que este reconheça a independência, mas que, pelo menos, ocorra um acordo aonde a parte norte da província de etnia majoritariamente sérvia seja incorporada a Sérvia e a região de etnia albanesa mantenha o status atual sem posteriores questionamentos.
Até o momento, 69 países reconheceram Kosovo como novo estado soberano. Estes incluem os EUA e 22 dos 27 membros da União Européia. Entre os que não o reconhecem encontram-se a Rússia, China, Índia, Brasil, Espanha, entre outros.
No entanto, o parecer da corte deverá favorecer novos reconhecimentos de Kosovo, mas poderá também estimular os esforços por autonomia e independência em áreas, inclusive na Europa, onde há demandas neste sentido. Leia mais em: Jubilant Kosovo, chastened Serbia – The fallout from a surprisingly pro-Kosovo legal decision, Texto da Decisão da Corte Internacional de Justiça sobre a Independência do Kosovo, Key Kosovo ruling grips Europe’s press – Many European analysts believe the UN judges’ ruling on Kosovo’s 2008 independence declaration will pave the way for more countries to recognise the territory, despite Serb opposition e Kosovo’s struggle not over yet.
Israel – documento entregue à ONU confirma informações do Relatório Goldstone
Um relatório das Forças de Defesa de Israel (IDF na sigla em inglês), submetido por seu Procurador-Geral Avichai Mandelblit às Nações Unidas no início de julho versando sobre a conduta de Israel na “Operação Chumbo Fundido” (como foi chamada pelo exército o bombardeio à Faixa de Gaza ocorrido entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009) confirma algumas afirmações feitas pelo Relatório Goldstone.
Em 1º de junho de 2009 uma comissão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, chefiada pelo juiz sul-africano Richard Goldstone, chegou à Faixa de Gaza, para investigar possíveis violações dos direitos humanos durante a ofensiva israelense. Em 15 de setembro de 2009, a comissão apresentou seu relatório, concluindo que Israel "cometeu crimes de guerra e, possivelmente, contra a humanidade", e que "embora o governo israelense tenha procurado caracterizar suas operações essencialmente como uma resposta aos ataques de foguetes, no exercício do seu direito de auto-defesa, a comissão considera que o plano visava, pelo menos em parte, um alvo diferente: a população de Gaza como um todo.
O relatório israelense, que documenta 150 investigações em curso, causou fortes reações nas Forças Armadas. A confirmação, por parte de Mandelblit, de utilização de fósforo branco em Gaza contra as instalações da ONU foi considerada a admissão mais chocante, uma vez que desmente a negação deste fato dita e repetida pelas autoridades israelenses nos meses após o Massacre de Gaza, que foi inclusive desmentida em relatórios oficiais da IDF posteriores à infame operação.
Além da utilização do fósforo branco, o relatório de Mandelblit torna pública a informação de que a procuradoria do exército abriu uma investigação criminal no caso de morte de 26 membros da família Al-Samouni; que o exército pode ter utilizado escudos humanos; que conscientemente atacou uma escola do Alto Comissariado da ONU para Refugiados lotada de crianças a fim de neutralizar um único morteiro inimigo, causando a morte em larga-escala de civis no processo; que atacou uma mesquita com mísseis poderosos com o intuito de matar dois supostos terroristas desconhecidos; que bombardeou a formatura de uma turma de policiais matando quatro civis no processo (de acordo com o relatório Goldstone foram 9 civis e 99 policiais); que destruiu uma série de fábricas, entre elas uma de cimento e outras de produção de alimentos; e que implicitamente reconheceu que destruiu propriedade privada.
O relatório de Mandelblit confirma, portanto as afirmações do documento preparado por Goldstone após a visita à região a pedido da ONU e também expõe uma política proposital de destruição da infra-estrutura civil palestina e desrespeito à vida civil.
Este documento não foi disponibilizado pelo Ministério de Relações Exteriores de Israel em hebraico, mas somente em inglês para que não encontre muita ressonância em território nacional. O relatório não encontrou muita atenção da mídia local e parece ser destinado apenas a repelir os críticos a Israel. Leia mais em: Relatório sobre Operação da IDF em Gaza (disponível em inglês), Israel’s Investigation into Gaza Offensive More Than Disappointing (abril de 2009) e Once Upon a Time, When Israel Was a Democracy.
Indicação de Uribe mina a investigação da ONU sobre o ataque à flotilha humanitária
Foi divulgado, em 2 de agosto, que o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe será o vice-presidente da Comissão da ONU para investigar o ataque do comando israelense contra a Flotilha da Liberdade a Gaza (Gaza Freedom Flotilla). O presidente será o ex-primeiro ministro da Nova Zelândia, Geoffrey Palmer.
Em 31 de maio passado, forças israelenses atacaram o navio turco MV Mavi Marmara que era ocupado por ativistas internacionais com o intuito de fazer chegar alimentos, remédios e outros materiais de apoio humanitário à Faixa de Gaza. O confronto deixou nove ativistas mortos e gerou uma onda de críticas à Israel pela violenta ação e pelo bloqueio ao território ocupado.
Todos os esforços internacionais de investigar e condenar as ações de Israel pouco ou nada alteraram a política deste em relação aos territórios palestinos Em meados de julho, um barco de origem líbia que também se dirigia a Faixa de Gaza com 2.000 toneladas de alimentos e remédios foi cercado em alto mar por oito naves de guerra israelenses e obrigado a se dirigir ao porto egípcio de El Arish. Atualmente, encontra-se em preparação no Líbano, uma viagem de um barco chamado “Maryan” (Maria) tripulado somente por mulheres.
O ex-presidente colombiano é conhecido por seu desrespeito aos direitos humanos e, portanto, sua indicação para dirigir este esforço mina a credibilidade do processo antes mesmo dele se iniciar.
Fora todo o terrível histórico de corrupção, espionagem de parlamentares da oposição e de magistrados, bem como suas discutíveis alianças com os Estados Unidos é importante lembrar um episódio em especial para justificar a surpresa na indicação de Uribe para qualquer esforço multilateral e investigativo sério, que foi o caso do resgate dos reféns que estavam sob o poder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) em julho de 2008. A ação do exército colombiano neste episódio foi extremamente questionada pelo uso do emblema da Cruz Vermelha com o intuito de ludibriar os guerrilheiros. Entretanto, sua utilização é proibida pela Convenção de Genebra para preservar a Cruz Vermelha nos locais de conflito, norma internacional que o governo de Uribe desrespeitou.
Avalia-se inclusive que o fato de Israel ter aceitado participar da investigação sobre o ataque à flotilha, cedendo à pressão internacional, tem relação com a indicação de Uribe que não pode ser visto como um árbitro imparcial das questões internacionais e humanitárias.
Entretanto, o Conselho de Direitos Humanos da ONU decidiu criar uma segunda comissão para investigar a violação de direitos humanos e da legislação internacional sob o ocorrido e que também entregará seu relatório para a Assembléia Geral da organização em setembro. Esta comissão será composta por três representantes do Conselho com origem em Trinidad e Tobago, Inglaterra e Malásia. Leia mais em: UN chief announces panel of inquiry on Gaza flotilla incident, Israel, Turkey agree to UN Gaza flotilla panel e Página Oficial da Flotilha da Liberdade.
Eleição parcial do senado japonês
Ocorrida em 11 de julho, pouco depois da renúncia do ex-primeiro ministro japonês Yukio Hatoyama por descumprir a promessa de campanha de fechar a base americana de Okinawa e sua substituição por Naoto Kan, foi uma derrota para o Partido Democrático do Japão (PD) e aponta para uma curta permanência deste partido frente ao governo se não conseguir promover mudanças profundas em suas políticas.
O mandato dos senadores japoneses é de seis anos, mas metade do Senado (Câmara Alta) de 242 cadeiras é renovada a cada três anos. O PD que é coligado com um pequeno partido, o Novo Partido do Povo (NDP) necessitaria eleger 56 senadores para manter sua maioria. Sua meta era eleger pelo menos 54, mas acabou elegendo apenas 44. O Partido Liberal do Japão (PL) que governou o país quase ininterruptamente desde a década de 1950 até 2009 e que hoje é o principal partido de oposição aumentou suas vagas de 38 para 51 nesta disputa.
O PD ainda mantém folgada maioria na Câmara Baixa (Câmara de Deputados), mas a perda da maioria no senado dificultará a aprovação, principalmente, de medidas econômicas fundamentais para tirar o Japão do seu baixo crescimento crônico.
O partido terá eleições internas em setembro e seu desafio será o de renovar políticas e dirigentes sob pena de retornar à situação de oposição que ironicamente havia começado a romper em 2007 quando elegeu a maioria das cadeiras em disputa do senado e que agora, apenas três anos depois, perdeu.
ONU – relatório interno ataca Ban Ki-Moon e ameaça sua campanha pelo segundo mandato
Ao se desligar das Nações Unidas e do cargo de chefe do Departamento de Serviços Internos de Supervisão (Office of Internal Oversight Services – OIOS na sigla em inglês), a sueca Inga-Britt Ahlenius endereçou à organização um memorando de 50 páginas no qual critica duramente a liderança do secretário-geral Ban Ki-Moon.
O documento acabou vazando à imprensa e tornou-se o segundo episódio no qual o secretário-geral é criticado por sua gestão e posturas em documentos internos. Em 2009, a embaixadora-adjunta da Noruega na ONU, Mona Juul, havia atacado o sul-coreano em um memorando interno chamando-o de líder passivo, ausente e impotente.
Em seu relatório de conclusão do período como chefe do OIOS, Ahlenius descreve Ban Ki-Moon como sendo obcecado por controlar os processos investigativos internos, mais do que garantir que possíveis evidências criminais possam ser levadas adiante. Ainda segundo ela, em função disso, muitos dos relatórios de seu departamento foram impedidos de se tornarem públicos, em detrimento de outros procedimentos investigativos internos tomados pelo secretário-geral, entretanto, sem se referir a casos específicos.
O porta-voz da ONU, Martin Nesirky, declarou após o vazamento que apesar de sentir pelo ocorrido, Ban Ki-Moon considera que as palavras francas de Ahlenius podem ser uma ferramenta importante para melhorar seu gerenciamento da organização e que ele e seus assessores estão revisando cuidadosamente o documento.
A questão ganhou certa atenção da mídia nos Estados Unidos porque em 2008, a ONU desmobilizou uma Força Tarefa Anti-Corrupção que funcionou por dois anos, ligada ao OIOS e que durante sua existência completou mais de 300 processos investigativos identificando 20 casos significativos de fraude ou corrupção. O grupo, chefiado pelo procurador federal norte-americano Robert Appleton, foi encerrado por pressão de alguns países membros.
Ahlenius havia sido indicada ao cargo por Kofi Annan em 2005 para um período de 5 anos não-renováveis e sua frustração viria do fato de que embora seu escritório tivesse sido criado para operar de forma independente dentro da ONU, suas funções estavam limitadas pela interferência do secretário-geral na escolha dos componentes da equipe do OIOS, particularmente, a nomeação de Appleton para a chefia de investigações do departamento.
Ele havia anteriormente coordenado a investigação sobre os desvios no programa “Oil for Food” para o Iraque após o fim da Guerra do Golfo, que chegaram a envolver o filho do ex-secretário geral Kofi Annan e foram amplamente utilizados pelo governo de George W. Bush para criticar a ONU e a falta de apoio à invasão ao Iraque.
Menos de quinze dias após o vazamento do relatório de Inga-Britt Ahlenius, uma substituta ao cargo foi apresentada, a canadense Carman Lapointe-Young, ex-auditora geral do Banco Mundial. A indicação sofreu questionamentos por parte de um grupo de países africanos, encabeçado pelo Egito, pela manutenção do controle do Departamento nas mãos de um representante de país desenvolvido.
De qualquer forma, os memorandos das duas escandinavas são apenas a manifestação pública da mediocridade deste Secretário Geral indicado e apoiado por George Bush. Uma de suas primeiras iniciativas no cargo foi visitar a parte ocupada de Jerusalém e para perplexidade dos anfitriões palestinos declarar que “estava muito satisfeito de visitar Israel”. Dois anos depois, durante os bombardeios indiscriminados de Israel contra a Faixa de Gaza que mataram mais de mil civis, entre eles centenas de crianças, não se dignou a interromper suas férias. Somente reapareceu em seu luxuoso escritório quando os israelenses bombardearam as instalações da ONU na Faixa de Gaza com fósforo branco e bombas de fragmentação para declarar que estava “aflito” com a matança.
Além de não se posicionar e interferir em violações de direitos humanos como as ocorridas em anos recentes em Darfur e Zimbabwe, ele possui critérios, no mínimo esdrúxulos, para nomear presidentes de comissões especiais como a escolha de Paul Kagame para avaliar a execução dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e de Álvaro Uribe para analisar o ataque israelense à flotilha que levava alimentos e remédios a Faixa de Gaza. Ambos são presidentes de países, respectivamente Ruanda e Colômbia, cujos currículos nada contem no que tange respeito a direitos humanos e democracia.
O mandato de Ban Ki-Moon termina em 31 de dezembro de 2011 e os membros do Conselho de Segurança iniciarão os debates sobre sua reeleição ou não no início do ano. Em outubro estará decidido se seu mandato será estendido ou se um sucessor será indicado. Os candidatos devem ter apoio de 9 dos 15 membros do Conselho de Segurança e não podem receber o veto de nenhum dos cinco membros permanentes. O nome do candidato selecionado é então submetido à Assembléia Geral em decisão normalmente tomada por consenso ou aclamação ou por uma maioria de dois terços caso uma votação seja necessária.
De acordo com a tradição de rotatividade das regiões para o cargo, o sucessor de Ban não deve ser asiático embora os países desta região possam argumentar o precedente gerado com a escolha de Kofi Annan para suceder Bhoutros Galli.
Não se conhece ainda a posição do governo americano sobre o tema, mas há rumores que a China vê o trabalho de Ban Ki-Moon de forma positiva, o que lhe garantiria um apoiador de muito peso.
No memorando interno vazado pela diplomata norueguesa em 2009, era mencionado o nome da ex-primeira ministra da Nova Zelândia, Helen Clark, atual chefe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), como uma candidata potencial. Além dela, o presidente brasileiro Luis Inacio Lula da Silva também tem sido muito lembrado caso a candidatura de Ban Ki-Moon não se sustente no próximo ano. Leia mais em: Sumário do Relatório de Inga-Britt Ahlenius e Íntegra do Relatório de Inga-Britt Ahlenius ao fim de seu mandato na ONU.