Desde a implantação das políticas neoliberais no mundo, ainda no começo da década de 1980, a pobreza e a desigualdade não seguiram a trajetória esperada. Não obstante toda a ênfase do Consenso de Washington apontando para a liberalização das forças de mercado e a redução no papel do Estado como requisitos para a diminuição da pobreza e da desigualdade, observaram-se movimentos distintos.

Desde a implantação das políticas neoliberais no mundo, ainda no começo da década de 1980, a pobreza e a desigualdade não seguiram a trajetória esperada. Não obstante toda a ênfase do Consenso de Washington apontando para a liberalização das forças de mercado e a redução no papel do Estado como requisitos para a diminuição da pobreza e da desigualdade, observaram-se movimentos distintos.

As economias que mais aceitaram os pressupostos neoliberais foram aquelas que apresentaram os piores desempenhos em termos de indicadores sociais no mundo. De um lado, a América Latina e a África no bloco dos países não desenvolvidos, os Estados Unidos e a Inglaterra entre os países desenvolvidos, e a Rússia e a Polônia entre as economias em transição para o capitalismo se destacaram pelos sinais de agravamento na evolução da pobreza e desigualdade. De outro, os países asiáticos apresentaram resultados positivos na redução da pobreza, ainda que sem muitos avanços no combate à desigualdade da renda e da riqueza.

No período mais recente, contudo, a América Latina passou a apresentar uma melhora nos dados sobre pobreza e desigualdade de renda. Não sem motivo, pois esse cenário coincide com o afastamento dos governos da região das diretrizes das agências multilaterais com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial de defesa do neoliberalismo. Tudo isso, é claro, no ambiente democrático que permitiu a emergência de governos nacionais com políticas não neoliberais.

Neste contexto, o Brasil vem se destacando, não por ser o país com maior redução na pobreza, tampouco por apresentar a mais rápida diminuição na desigualdade de renda e riqueza. O que valoriza a posição brasileira diz respeito à simultaneidade da queda na desigualdade na repartição da renda do trabalho e na pobreza.

Isso não tem sido comum no mundo, muito menos na história brasileira. Os países asiáticos, por exemplo, conseguiram rapidamente retirar muitos da condição de pobreza sem, contudo, reduzir a desigualdade. Pelo contrário. Até parecem estar repetindo o Brasil das décadas de 1960 e 1970, quando a pobreza se reduzia por meio do forte crescimento econômico, que era, porém, acompanhado da piora no grau de concentração de renda e riqueza. O mesmo tende a ser observado em termos de retrocessos recentes nos países desenvolvidos.

No Brasil, constata-se que, no período de 1995 e 2008, a redução média anual da pobreza absoluta (até meio salário mínimo per capita) foi de -0,9% e de -0,8% na pobreza extrema (até 1/4 de salário mínimo per capita). Já o período de queda mais intensa na taxa de pobreza absoluta (–3,1% ao ano) e na pobreza extrema (-2,1% ao ano) ocorreu entre 2003 e 2008.

O mesmo pode ser dito em relação ao comportamento da diminuição na medida de desigualdade (índice de Gini, que varia de 0 a 1, sendo que, quanto mais perto de 1, mais desigual). No período de 1995 e 2008, a queda média anual na desigualdade de renda foi de -0,4%, enquanto entre 2003 e 2008 foi de -0,7%.

Ao se projetar este comportamento mais recente na queda da pobreza e desigualdade da renda para os próximos anos, consegue-se observar o horizonte de superação da miséria no Brasil. No ano de 2016, por exemplo, o país pode praticamente superar o problema de pobreza extrema, com pobreza absoluta de apenas 4% do total dos brasileiros.

No caso da medida de desigualdade de renda, o país pode registrar o índice de Gini de 0,488, o menor desde a primeira medição realizada no Brasil em 1960 (0,499) pelo IBGE. Estes indicadores apontam para uma realidade somente existente atualmente nas economias avançadas.

Ou seja, o Brasil seguiria para a condição de quinta economia mundial influenciado pelo comportamento avançado dos indicadores sociais. A desigualdade, contudo, ainda seria um problema a exigir ação renovada nas políticas sociais. Isso porque o índice de Gini nas economias capitalistas desenvolvidas encontra-se, em geral, abaixo de 0,4 – como na Alemanha (0,26), Dinamarca (0,24) e França (0,28).

Além do compromisso com o crescimento acima de 4% ao ano, com estabilidade monetária e sustentabilidade ambiental, cabem ajustes importantes nas políticas sociais. A sua consolidação em termos de reorganização matricial e coordenação em torno do bem-estar social devem fazer parte da agenda nacional de continuidade no aperfeiçoamento das políticas sociais brasileiras.

Da mesma forma, cabe a realização de uma profunda reforma no atual sistema tributário, uma vez que é ele que determina o atual fundo público brasileiro. Por ser extremamente regressiva, a arrecadação tributária assenta-se fundamentalmente sobre a base da pirâmide social do país, o que significa dizer que os segmentos de menor rendimento têm uma contribuição relativamente maior para a formação do fundo que sustenta o conjunto das políticas públicas brasileiras.

Isso implica a quase ausência de progressividade desejada na cobrança de impostos, taxas e contribuições. Atualmente, por exemplo, a carga tributária assenta-se justamente entre os mais pobres.

A mudança no perfil da tributação exigiria o alívio da carga tributária indireta sobre os segmentos de menor renda, assim como a introdução de novos tributos sobre os estratos sociais ricos, que permitiria ao país avançar nas políticas de caráter redistributivo. Dessa forma, o Brasil conseguiria chegar na segunda metade da segunda década do século 21 com padrão distributivo atualmente verificado em países desenvolvidos.

Essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum 83. Nas bancas.
 

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