O golpe de Estado em Honduras e a reação ambígua dos Estados Unidos acabaram com as ilusões de uma mudança de política em relação à América Latina. A avaliação é de Mark Weisbrot, o co-diretor do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas, em Washington, D.C. e também presidente da Just Foreign Policy. Especialista da região, ele acompanhou a crise em Honduras desde o começo, criticando a posição do Departamento de Estado americano.

 

Ópera Mundi: Qual é situação atualmente em Honduras um ano após o golpe de Estado?

Mark Weisbrot: É muito ruim, na verdade não poderia ser pior. O país continua mergulhado em uma grave crise política, econômica e social, e a repressão contra a oposição é cada vez mais forte. Houve e há ainda tortura, mais de 50 mortes de ativistas, manifestações proibidas, imprensa censurada, e até nove jornalistas assassinados. Não sabemos se o governo do presidente Porfirio Lobo, eleito depois do golpe de Estado em um contexto muito polemico, está atrás da repressão. Pelo menos, não está fazendo nada para impedi-la. O governo estabeleceu uma “comissão da verdade” sobre as violações dos direitos humanos contra a oposição, mas não inclui pessoas da sociedade civil, ou seja, é totalmente parcial. Isso significa uma total impunidade para os golpistas. Por exemplo, o general que liderou o golpe foi nomeado presidente da empresa de telecomunicação pública. Ele já anunciou que ia aproveitar o cargo para montar um núcleo de inteligência.

Qual foi o impacto da relação entre Estados Unidos e América Latina?

O impacto foi péssimo. Especialmente depois da ilusão da Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago. Naquela época, o presidente Barack Obama apresentou um discurso realmente novo, de mudança da relação com América Latina, e especialmente América do Sul, onde a eleição de vários presidentes de esquerda durante a última década (em Argentina, Brasil, Chile, Bolívia, Equador, Paraguai e Uruguai), mudou muito o contexto político. No entanto, apesar das promessas, nada aconteceu. Nem mudanças pequenas, nem grandes. Os Estados Unidos anunciaram a instalação de bases militares na Colômbia, provocando a fúria dos países da Unasul, e especialmente do Brasil, e inclusive a de senadores democratas, como John Kerry, que protestaram porque o assunto não foi discutido no Congresso. O golpe em Honduras confirmou esta absoluta falta de mudança. Eu acho que foi o momento que nossos vizinhos sul-americanos pararam de acreditar nos discurso de Obama. Foi uma enorme decepção.

A decepção foi provocada pelo fato de que os Estados Unidos não denunciaram o golpe?

Não é que os Estados Unidos não tenham denunciado o golpe, mas eles fizeram todo o possível para que fosse um sucesso. Já no primeiro dia, Washington não falou de golpe, mas optou pela ambiguidade, pedindo a “todos os atores políticos e sociais em Honduras” respeitar a democracia. Enquanto a OEA (Organização de Estados Americanos) e a Assembléia da Nações Unidas exigiam um retorno “imediato e incondicional” do presidente deposto Mel Zelaya, nenhum oficial da administração americana fez qualquer declaração similar. Aliás, quando, um dia após o golpe, jornalistas perguntaram para a Secretaria de Estado Hillary Clinton se “restaurar a ordem constitucional” significava a volta de Zelaya, ela recusou confirmar.

Em 24 de julho, ela denunciou as tentativas do presidente, eleito democratamente, de retornar ao seu país. Os Estados Unidos nunca suspenderam a ajuda que eles mandam para Honduras através do MCC (Millennium Challenge Corporation), uma agencia do governo. Isso é contraditório com o que aconteceu em outros países recentemente: Washington cortou a ajuda para Mauritânia apenas um dia depois do golpe do 6 de agosto de 2008, e três dias depois do golpe em Madagascar em 17 de março de 2009. O governo de Obama também vetou uma resolução da OEA, em setembro, que condenava a organização de eleições em Honduras enquanto o presidente Zelaya não recuperava seu cargo. E para concluir, a administração americana nunca condenou as numerosas violações de direitos humanos, denunciadas e documentadas por muitas ONG respeitadas, como Human Right Watch, Amnesty Internacional, e pela comissão de direitos humanos da OEA.

Qual será o impacto para o OEA?

Eu acho que a atuação dos Estados Unidos enfraqueceu muito a OEA. A impossibilidade para este organismo de fazer ouvir sua voz em relação ao golpe de Honduras incentiva os países sul-americanos a construir e instituições regionais alternativas, onde os Estados Unidos não terão o direito de opinar. Já é o caso da Unasul, cada vez mais estruturada. Também vemos progressos da cooperação acerca da defesa. Apesar do toda a pressão de Hillary Clinton, a maioria dos países da região continua a não reconhecer o governo de Porfírio Lobo. Ela conseguiu ter o apoio de Panamá, Peru, Colômbia, e Canadá, os aliados tradicionais, mas o resto de sua campanha é um fracasso.

O senhor acha que o golpe em Honduras abre a porta para outros na região?

É justamente este medo que explica porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou a então presidente chilena Michelle Bachelet condenaram o golpe com tanta firmeza. Eles lembram do que aconteceu em seus países e não aceitam uma repetição da história. A posição dos Estados Unidos deu a sensação para alguns militares que podiam voltar aos bons e velhos tempos. Olha o que aconteceu no Paraguai: alguns oficiais começaram a conspirar abertamente contra o governo do Fernando Lugo. Eu acho que o precedente de Honduras é muito perigoso, principalmente na América central, por ser tão perto e dependente dos Estados Unidos. Na América do Sul, acho que o Brasil não deixaria fazer.

Como o senhor explica que a política do presidente Obama na região seja tão diferente do que ele tinha falado em Trinidad e Tobago?

Primeiro, acho que toda a política externa do governo é uma decepção. No caso especifico da América Latina, acho que uma mudança significaria que Obama se engajasse pessoalmente, o que seria uma verdadeira causa. Não é fácil, já que ele teria que enfrentar o pensamento quase unânime do establishment. Nos Estados Unidos, temos debates sobre a política no Oriente Médio mas nada sobre América Latina. Fora uma pequena minoria, da qual nosso centro faz parte, todo mundo continua pensando que o único desafio é restaurar a autoridade dos Estados Unidos na região. Ninguém pensa que tal vez as coisas mudaram, que não somos o império de antes. Nos últimos dez anos a América Latina se tornou imensamente mais independente dos Estados Unidos do que jamais foi, e sua população, especialmente os pobres, se beneficiou disso.

Qual a avaliação do senhor sobre a tentativa do governo brasileiro de encontrar uma solução negociada do impasse em torno do programa nuclear do Irã?

O Presidente Obama pediu para Brasil e Turquia uma ajuda, e quando obtiveram o acordo, ele o recusou. Isso demonstra claramente que ele esperava um fracasso das negociações e que não queria nenhum acordo. Após um breve período de diálogo, a administração Obama reverteu à política externa da administração Bush com relação ao Irã. Voltamos a uma política de ameaças e sanções aumentadas, o que intensifica o risco de um confronto militar.

De qualquer maneira, acho que Brasil e Turquia já conquistaram uma vitória importante pelo fato de terem assumido a liderança nesta questão. É a primeira vez que potências regionais assumem uma posição sobre um tema geopolítico importante que não seja alinhada com os Estados Unidos e o resto do Conselho se Segurança da ONU, que como vocês sabem, representa as relações de forças em 1945. Os esforços do Brasil e da Turquia precisam ser vistos dentro do contexto de um desafio crescente à ordem política internacional.
 

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