A tecnologia digital a serviço da participação popular
A rápida expansão dos instrumentos tecnológicos de participação popular, nos últimos anos, demonstra a necessidade de adequação dos governos ao seu tempo. Apesar disso, os mecanismos de democracia digital permanecem pouco conhecidos entre os cidadãos brasileiros.
A rápida expansão dos instrumentos tecnológicos de participação popular, nos últimos anos, demonstra a necessidade de adequação dos governos ao seu tempo. Apesar disso, os mecanismos de democracia digital permanecem pouco conhecidos entre os cidadãos brasileiros.
O desafio bateu à porta da democracia participativa no século 21 e com isso surgiu o questionamento: é possível equilibrar o sistema de participação virtual com o presencial? Levando em conta que, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), entre os 180 milhões de brasileiros apenas 64,8 milhões tem acesso a Internet, como esperar que a democracia acompanhe o ritmo das novas tecnologias?
Para o doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Luciano Fedozzi, sempre que se trata de um novo instrumento de participação, é preciso questioná-lo. “Temos que saber para que atores sociais será destinada esta ferramenta, de que forma serão agregados e qual a real intenção de criar este mecanismo”, justifica.
Fedozzi fala que as novas tecnologias têm virtudes e riscos. Mas em uma democracia contemporânea, não dá para subestimar os instrumentos tecnológicos a partir de um discurso de “privatização da participação”. “Temos o risco da exclusão digital. Porém, os movimentos de contestação e anti-globalização que acontecem hoje no mundo não aconteceriam se não tivesse a possibilidade da utilização e interação das tecnologias de informação”, argumenta.
Para qualificar a democracia, o desafio é encontrar o equilíbrio entre os dois sistemas, opina o secretário geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Quintino Severo. Para ele, população deve ser incentivada a participar também de forma direta das decisões para o fortalecimento do Estado.
Cita o avanço com o uso das urnas eletrônicas, a consulta pública via rede, os portais de transparência e os pregões eletrônicos, todos exemplos da democracia digital. Por outro lado, critica o uso indiscriminado das ferramentas tecnológicas. “Não podemos apenas transformar os mecanismos de participação popular em atos mecânicos de apertar botões. Criar portais de transparência para disponibilizar dados de servidores, sem consultá-los, também é algo questionável”, disse.
Essa nova realidade traz um quase desaparecimento da função tradicional das organizações intermediárias, como conselhos, sindicatos ou associações, na medida em que as relações são mais diretas. O professor de Direito Constitucional da Ufrgs, Eduardo Carrion, crítica a euforia do uso da Internet, como se estivesse em apenas um clique do computador o aprofundamento da democracia. “Isto é privatizar o espaço público. Desqualificar e despolitizar o debate democrático”, defende.
O fascínio da tecnologia poderia se contrapor à verdadeira inspiração democrática. Mas é possível usá-la a favor das decisões populares, segundo Luciano Fedozzi. Ele sugere, por exemplo, o acompanhamento do Orçamento Participativo pela Internet, para facilitar a participação dos que não têm tempo ou defendem outras prioridades, em relação aos participantes de plenárias presenciais. “Tem sujeito que não quer saneamento básico, pois já mora em área contemplada. Seria possível pensar também na criação do Observatório de Porto Alegre, para reunir as informações de serviços, movimentos sociais e do governo”, sugere como forma de adquirir subsídios para as decisões populares e governamentais.
Resistências
No Brasil, há resistências ao avanço da democracia digital. O tema foi debatido no IV Congresso da Cibersociedade, no ano passado. No texto “O avanço da democracia digital e a ampliação do espaço público: realizações e obstáculos”, afirma-se que provavelmente o obstáculo mais comum está ancorado no argumento de que a exclusão digital, combinada com o analfabetismo funcional, impediria que a maioria das pessoas pudesse se engajar em qualquer formato de participação eletrônica.
A falta de acesso à informática e à internet, combinada com as limitadas habilidades discursivas, resultaria na inutilidade dos esforços pelo avanço do engajamento político através da rede. Isto, de alguma forma, justificaria a manutenção da situação atual, de consultas sem respostas e restritas a iniciados no assunto sob escrutínio. Há indicadores para sustentar tal argumento.
No Brasil, aqueles que usaram a rede, no total da população, ao menos uma vez nos últimos três meses, o que já é bem pouco, são apenas 17,2% da população. Na América do Sul, o Brasil está em terceira posição, atrás de Uruguai (20,6%) e Argentina (17,8%), e à frente de Venezuela (12,4%), Colômbia (10,4%), Equador (7,3%) e Paraguai (3,3%). E apenas 27,2% dos brasileiros estariam no nível de alfabetismo pleno, com capacidade para relacionar e interpretar informações de textos longos e fazer sínteses e deduções.