2003-2010: O novo modelo de desenvolvimento nacional e a sustentabilidade socioambiental
Realizado em São Paulo nos dias 07 e 08 de junho, e promovido pelas fundações Perseu Abramo e Jean Jaurès, o seminário “Brasil 2003-2010: transformações, perspectivas e desafios para o próximo período” debateu desenvolvimento nacional e sustentabilidade socioambiental, e a relação entre Estado, políticas sociais e redução das desigualdades, entre outros assuntos.
O primeiro debate, com o tema "O novo modelo de desenvolvimento nacional e a sustentabilidade socioambiental", teve a participação de Márcio Pochmann (presidente do IPEA), de Artur Henrique (presidente da CUT), de Wellington Moreira Franco (vice-presidente da Caixa Econômica Federal) e de Liszt Vieira (presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro).
O presidente do Ipea, Marcio Pochmann, enfatizou que um dos resultados mais importantes da crise de 2008 foi a abertura de possibilidades de novas centralidades no mundo para além da estadunidense, que, atualmente, mostraria sinais de decadência. A recuperação global, segundo ele, é movida por países como o Brasil. Pochmann parte do pressuposto de que hoje o mundo vive um momento especial do capitalismo mundial, com a profunda revolução tecnológica da sociedade do conhecimento, e compara a situação atual com a do final do século XIX – época na qual, lembra o economista, a combinação entre mudanças na tecnologia e hegemonia capitalista resultou na decadência inglesa e na ascensão dos Estados Unidos e da Alemanha como potências globais.
Ao falar sobre desenvolvimento e sustentabilidade, Márcio Pochmann ressaltou que o Brasil tem grande potencial, elencando os motivos: 45% da energia brasileira vem de fontes renováveis; houve aumento do investimento na malha ferroviária; cresceram as unidades de conversação federais e estaduais; e foi reduzido o consumo de substâncias que destroem a camada de ozônio. E, apesar de 76% das emissões de carbono no Brasil estarem relacionadas a queimadas, trata-se de uma situação reversível, com o país dando mostras de saber como combinar expansão econômica com redução do desmatamento.
Pochmann acredita que o Brasil pode chegar a um modelo de desenvolvimento que combine a distribuição de ganhos com expansão econômica e sustentabilidade. E fez um alerta: o Brasil precisa repensar seu padrão de consumo. “O consumismo tem impacto; e a realidade, em termos de sociabilidade, está apoiada na idéia do ‘ter’, e não necessariamente no que somos”, enfatizou o economista.
O consumismo vivido hoje no país, acredita Pochmann, se espelha nos moldes estadunidenses. Ele citou como exemplos o tamanho das casas, que apesar de maiores do que há 50 anos, quando eram concebidas como espaço de sociabilidade, hoje abrigam menos pessoas; e citou ainda, como paralelos, a questão do armazenamento de alimentos e do transporte individual, entre outros.
Foto: Eduardo Fahl
O presidente da CUT, Artur Henrique, tratou, em sua fala, do atual cenário político, enfatizando que o maior desafio é o de impedir a volta dos defensores das regras neoliberais. “Bastou a crise da Grécia para que a direita dissesse que a crise dos países da Europa é fruto da gastança e da falta de responsabilidade fiscal”, disse o sindicalista, para quem o que está acontecendo no país europeu e nos Estados Unidos é fruto da desestruturação do modelo econômico atual. A saída, segundo ele, é a construção de saídas globais.
Sobre as questões relativas à sustentabilidade, o presidente da CUT afirmou que a central sindical tem visão fundamental e clara sobre as mudanças do padrão de consumo. O desafio é debater o crescimento econômico junto à noção de desenvolvimento sustentável – o que, defende, é plenamente possível.
Segundo Artur Henrique, é preciso tomar cuidado para evitar a transformação de uma matriz energética limpa numa suja por conta da descoberta do pré sal. “Devemos estabelecer como prioridade a aplicação de parte do fundo arrecadado com o petróleo em ciência & tecnologia e em educação, para o barateamento e a realização de pesquisas em energias renováveis. São necessárias usinas hidreléricas que causem menos prejuízos. O último blackout no Brasil [novembro, 2009] demonstra o estado criminoso das privatizações que ocorreram no país”, afirmou o presidente da CUT.
Artur Henrique também disse que é preciso equilíbrio quanto ao papel do Estado no planejamento de longo prazo. É necessário que se enxerguem projetos e planejamentos articulados, contruidos democraticamente a partir dos atores sociais envolvidos, estabelecendo como prioritários o desenvolvimento, a inclusão, a distribuição de renda, a valorização do trabalho e a sustentabilidade socioambiental.
“Devemos fazer o debate sobre qual sociedade queremos construir. No Brasil ainda não conseguimos estabelecer determinadas contrapartidas para empresas ou setores econômicos que recebem incentivos e são beneficiados, sejam por recursos públicos ou por subsídios que são oferecidos corretamente pelo governo”, finalizou.
Representando o PMDB no seminário, Wellington Moreira Franco, vice-presidente da Caixa Econômica Federal, enfatizou que o padrão de desenvolvimento no Brasil mudou nos dois últimos governos, tendo sido quebrada a tradição segundo a qual não seria possível crescer e distribuir renda ao mesmo tempo. Ele acredita que o padrão econômico deixou marcas do ponto de vista ambiental, e que hoje existe certa consciência generalizada, um compromisso com a sustentabilidade. “A maioria da sociedade brasileira é solidária e receptiva com a ideia de que precisamos crescer com responsabilidade socioambiental”, disse Moreira Franco.
Segundo Franco, é preciso manter o que foi conquistado e ampliar essas conquistas. Ele afirma que, para o PMDB, isso é possível a partir dos incentivos, da poupança interna (pública e privada) e dos investimentos da iniciativa privada. No macroeconomico, deve-se manter as políticas de metas de inflação, de câmbio flutuante e o realismo fiscal. “A experiência nos dois anos governo Lula provou que é possível crescer e manter estes compromissos”, disse.
A fórmula do PMDB, segundo Franco, é diminuir os gastos públicos, tendo um limite em relação ao seu crescimento. Este deveria permanecer sempre 2% abaixo do crescimento do PIB. Franco defendeu ainda a busca pela reforma tributária, e o debate sobre Previdência e a Educação.
O presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Lizt Vieira, falou sobre as duas visões em conflito nos dias atuais: por um lado, a daqueles que acreditam que o mercado resolve tudo e que o Estado deve ser regulado, cabendo a este investir em infraestrutura; por outro, a visão sociocêntrica, que prega o diálogo com o mercado, somado ao interesse público, e tendo o viés da sustentabilidade.
Lizt coloca o desafio: como crescer com redução da desigualdade social e com proteção ambiental? Ele citou algumas propostas traçadas pela secretaria de meio ambiente do PT, como políticas de crédito, política tributária, sustentabilidade, acessibilidades, manutenção da matriz energética atual, ordenamento territorial, entre outras.
“Meio ambiente é assunto de política pública porque envolve o Estado, o mercado e a sociedade”, enfatizou Lizt, que não vê questões como a da sustentabilidade presentes nas iniciativas de ministérios além do de Meio Ambiente. Ele também criticou a mídia, que restringe essa agenda à fauna e à flora, não fazendo a ligação com o ser humano. A sustentabilidade, segundo ele, ainda é vista como questão individual: “O que é que você pode fazer para salvar o planeta?”.
Lizt defendeu a proposta (saída da Conferência Rio92) de criação de conselhos de desenvolvimento sustentável, com poder deliberativo. As políticas públicas seriam deliberadas nesse conselho e, quando passassem à votação no Legislativo, já teriam essa vertente sustentável. “Meu modelo simbólico é Chico Mendes: ele queria produção com proteção ambiental, e ao mesmo tempo era sindicalista”, finalizou Lizt.