Por que o Brasil não quer punir torturadores?
Pesquisa do Datafolha divulgada hoje no jornal Folha de S. Paulo mostra que 45% da população é contrária à punição de agentes que torturaram presos políticos durante a ditadura militar contra 40% a favor. Outros 4% são indiferentes e 11% não souberam opinar.
Pesquisa do Datafolha divulgada hoje no jornal Folha de S. Paulo mostra que 45% da população é contrária à punição de agentes que torturaram presos políticos durante a ditadura militar contra 40% a favor. Outros 4% são indiferentes e 11% não souberam opinar.
Tenho no fundo a esperança de que o assunto deu margem a múltiplas interpretações por parte dos entrevistados. Em outras palavras, espero que o pessoal tenha respondido sem saber exatamente o que foram as torturas durante a ditadura e para que serviram. Caso contrário, mais do que um Brasil sem memória e sem Justiça, temos diante de nós um país conivente com o pau-de-arara como ferramenta de obtenção de informações.
Não estou esquecendo que existe uma Lei da Anistia, que está em vigor, e que o Supremo Tribunal Federal (infelizmente) decidiu por mantê-la. A discussão aqui não é legal, ou seja, não é um debate sobre a mudança da lei e sim sobre a percepção coletiva sobre esses crimes. Posso ser a favor da punição, mas entender que existe uma legislação que a proíbe.
O impacto desse apoio se faz sentir no dia-a-dia dos distritos policiais, nas salas de interrogatórios, nas periferias das grandes cidades, nas grotões da zona rural, com o Estado aterrorizando parte da população (normalmente mais pobre) com a anuência da outra parte (quase sempre mais rica). A ponto de ser banalizada em filmes como Tropa de Elite, no qual parte de nós torceu para os mocinhos que usavam o mesmo tipo de método dos bandidos no afã de arrancar a “verdade”.
A justificativa é a mesma usada nos anos de chumbo brasileiros ou nas prisões no Iraque e em Guantanamo, em Cuba: estamos em guerra. Ninguém explicou, contudo que essa guerra é contra os valores que nos fazem humanos e que, a cada batalha, vamos deixando-os um pouco para trás.
Não é de se estranhar, portanto, que boa parte da sociedade que agora apóis o esquecimento também tenha se calado diante do processo de defenestração pública de propostas do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), levado a cabo por setores descontentes em universalizar direitos.
Esse é o problema de ser o país do “deixa disso” ou mesmo do “esquece, não vamos criar caso, o que passou, passou” e ainda do “você vai comprar briga por isso? Ninguém gosta de briguentos” Enquanto não acertarmos as contas com o nosso passado, não teremos capacidade de entender qual foi a herança deixada por ele – na qual estamos afundados até o pescoço e nos define. Foram-se as garrafas, ficaram-se os rótulos. A ditadura se foi, sua influência permanece. Não somos um país que respeita os direitos humanos e não há perspectivas para que isso passe a acontecer pois, acima de tudo, falta apoio da própria população.
A verdade é que não queremos olhar para o retrovisor não por ele mostrar o que está lá atrás, mas por nos revelar qual a nossa cara hoje. E muitos de nós não suportarão isso.