Israel x Gaza Livre: a guerra das versões
Passada a tempestade, começa outra. Depois do ataque das Forças Armadas Israelenses contra a flotilha do Movimento Gaza Livre, com os conhecidos resultados catastróficos e lamentáveis, começa a guerra das diferentes versões.
Passada a tempestade, começa outra. Depois do ataque das Forças Armadas Israelenses contra a flotilha do Movimento Gaza Livre, com os conhecidos resultados catastróficos e lamentáveis, começa a guerra das diferentes versões.
É desnecessário detalhá-las aqui. Estão em larga exposição na mídia, em declarações e imagens. Assim como a indignação internacional contra a ação de Israel. Conceitualmente, a operação armada foi um desastre.
Quem diz é Alon Liel, ex-embaixador israelense na Turquia e na África do Sul, até hoje um influente analista internacional em Israel, ao The Guardian: “definitivamente, cometemos erro e, numa [visão] retrospectiva, qualquer coisa teria sido melhor – inclusive permitir que os barcos chegassem a Gaza”.
Professor do Depto. de Ciência Política da Universidade de Tel Aviv, em artigo no Haaretz, diz: “uma ação que a Marinha Israelense planejou por tanto tempo acabou nesta severa débâcle”.
Claro, houve outras reações, argumentando que Israel é vítima de um complô orquestrado internacionalmente. Zvi Mazel, ex-embaixador na Romênia, Egito e Suécia, argumenta no Jerusalem Post que tudo será feito para deslegitimar a ação de Israel, porque assim estava planejado desde sempre, e conclui citando orgulhosamente a Bíblia: (Números, 23, 9): “Eis que este povo habitará só, e entre as gentes não será contado”, na versão clássica de João Ferreira de Almeida. A de Mazel é mais enfática, porque ao invés de “gentes” ele põe “nações”.
Uma coisa é certa, seja qual for a versão ou mesmo a inclinação dos articulistas. A catástrofe da operação partiu de sua concepção. Do seu conceito. Um dos argumentos mobilizados pela defesa oficial da ação israelense foi o de impedir uma “escalada” nesse tipo de desafio ao bloqueio imposto à população de Gaza por causa do Hamas. “Sabe-se lá o que viria depois”, diz esse argumento, repetido em várias versões: “armas, mísseis, até terroristas”.
Mas a presente flotilha já era uma “escalada”, embora de outro tipo que não a dessa versão “aterrorizada” e “aterrorizante” dos argumentos lançados. As flotilhas do Movimento Gaza Livre começaram em 2008. Inicialmente, nem flotilha eram: na verdade tratava-se de um barco, depois dois ou três, com dezenas de pessoas.
Essa, a oitava na ordem das coisas, não. Tinha seis barcos, pelo menos um de grande porte, que levavam 10 toneladas de carga e de 600 a 750 pessoas a bordo, segundo diferentes versões. Iam parlamentares de diversos países, um prêmio Nobel da Paz, um escritor de projeção internacional, organizações religiosas cristãs, muçulmanas e judaicas, pelo menos um sobrevivente do Holocausto: um “exército” considerável. Só a bordo do Marvi Mármara, o navio tomado de assalto, havia de 500 a 600 pessoas, também segundo diferentes fontes.
Li versões estapafúrdias – se mentirosas – e mais estapafúrdias – se verdadeiras – de que os primeiro soldados lançados ao convés do navio estavam armados apenas com armas “de brinquedo”, dessas que jogam tinta ao invés de balas. É difícil acreditar nisso, mas que seja: assim sendo, lançaram bois de piranha no meio de uma multidão sabidamente hostil. E no escuro.
Em todo caso essa versão, repetida por alguns dos comandos que primeiro invadiram o barco, conflita com a de que alguns dos passageiros teriam desarmado os militares e disparado suas armas contra eles. Se fossem de pintura, que mal isso representaria, exceto a desmoralização do soldado “de elite” (!?)?
Além de despreparo (talvez) de seus executores, essa missão conota outra coisa: uma espécie de sentimento de impunidade misturado com o de onipotência. "Podemos tudo em todo e qualquer lugar". Mas não é mais bem assim. O caso do assassinato de um militante do Hamas acusado de tráfico de armas, em janeiro passado, por agentes do Mossad (que Israel não reconhece nem confirma) que usaram passaportes falsificados, com identidades de cidadãos reais de diferentes países, ilustra bem esse novo estado da arte. Fotografados e detectados pelas câmeras de aeroportos e hotéis, pelo menos 11 desses agentes tiveram seus rostos expostos na mídia e o caso provocou o estremecimento das relações de Israel com aqueles países, incluindo o Reino Unido, a Alemanha e a Austrália.
Seja como for, seja visto de onde for, esse triste e inaceitável acontecimento com a flotilha do Movimento Gaza Livre não serve à hipótese da paz. Num extremo, pode servir de alimento para o sempre rastejante anti-semitismo; do outro, para o não menos ignóbil sentir-se parte de um povo “eleito” que se arroga o direito de tudo fazer contra todos.