Às vésperas das comemorações oficiais pelo bicentenário do país, milhares de manifestantes indígenas de todas as regiões da Argentina se reuniram na capital do país após marcharem por oito dias


 Indígenas argentinos exigem seus direitos

Com roupas típicas de suas regiões e cantando canções tradicionais, manifestantes das etnias Wichi, Toba, Mapuche, Huarpe, Guaraní, Ava Guaraní, Aimara, Kolla, Pilagá e Diaguita, entre outras, tomaram o centro de Buenos Aires por volta das 14 horas, nas esquinas da avenida 9 de Julio e Corrientes, junto ao Obelisco, o símbolo maior da cidade.

No início da tarde de quinta-feira, 20 de maio, chegou a Buenos Aires a Marcha de los Pueblos Originarios. Eram mais de 10 mil pessoas vindas de diversas comunidades indígenas argentinas – e havia também muitos bolivianos. A marcha havia saído oito dias antes de três pontos diferentes do país, passando por várias cidades até chegar à capital.

A “Marcha de los Pueblo Originarios, Caminando por la verdad hacia un Estado Plurinacional” – nome completo da manifestação – tem como objetivo reinvidicar os direitos ancestrais dos povos originários da Argentina à terra e ao respeito a sua cultura e tradições.

Os manifestantes chegaram à capital na véspera do ínicio das grandes comemorações oficiais pelo bicentenário da Revolução Maio, que deu início ao processo de independência do país, e por isso a manifestação ganha especial importância, pois pode ser vista como uma forma de contestar esses festejos. De acordo com os indígenas, nestes 200 anos os dirigentes nacionais sempre estiveram de costas para os povos originários. Na “Declaración de las Naciones Originarias”, exigem a devolução das terras às comunidades autóctones, a oficialização das línguas indígenas no ensino primário e secundário, e uma reparação econômica para gerar políticas de desenvolvimento identitárias.

Para chegar à capital federal, as três colunas da marcha percorreram centenas de quilômetros e atravessaram os estados de Misiones, Corrientes, Chaco, Formosa, Jujuy, Salta, Tucumán, Santiago del Estero, Córdoba, Santa Fé, Mendoza, Neuquén, Río Negro e Buenos Aires.
Com o apoio de muitos portenhos e de organizações sociais como a CTA (Central de Trabajadores Argentinos) e das Madres e das Abuelas de la Plaza de Mayo, entre muitas outras, marcharam até a Plaza de Mayo, onde se realizou o ato de encerramento da marcha. Estava presente o Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Perez Esquivel.

Depois do ato, representantes das comunidades indígenas foram recebidos pela presidente argentina, Cristina Fernandez Kirchner, que anunciou a criação de uma comissão destinada a acelerar o reconhecimento de seus direitos sobre as terras.

Entre os principais reclamos dos manifestantes está a exigência de consulta prévia antes de que sejam realizadas obras e intervenções nos territórios de suas comunidades. Segundo eles, muitas comunidades têm sido expulsas de suas terras para que estas sejam vendidas a grupos internacionais. Além disso, denunciam que sofrem com falta de água e desnutrição, e pedem a demarcação e documentação de seus territórios, e que se lhes sejam restituídas as terras férteis que foram tomadas pelo Estado.

Ao acompanharmos a manifestação, chama a atenção o fato de que, mais do que reivindicações materiais – que existem e são fundamentais –, parece que o objetivo principal da marcha é explicitar um embate cultural. Uma luta para que sua identidade seja reconhecida como parte inseparável e integrante da Argentina, pois os povos originários, como a própria denominação indica, estão no território do país desde muito antes dos colonizadores europeus chegarem aqui, e ainda que tenham sido discriminados e espoliados por séculos, marcaram – e marcam – de forma indelével a cultura, os costumes e a economia nacional. Uma das principais reivindicações é a de que possam ensinar e aprender suas línguas originais nas escolas públicas, de modo a garantir a sua sobrevivência e crescimento.Indígenas argentinos exigem seus direitos

Outra marca da manifestação é a alegria. Muitas cores, vivas e vibrantes, como se pode ver na bandeira multicor que caracteriza o movimento dos povos originários. Muita música e cânticos. Muitas crianças e jovens, mulheres e idosos. Um grupo de cerca de cem mulheres de Jujuy – no extremo norte da Argentina, fronteira com a Bolívia – destacava-se com cantos e danças contagiantes, mas havia vários outros grupos menores com a mesma energia.

Via-se também muitos bolivianos, deixando claro que o processo de ascensão política dos indígenas daquele país, cujo símbolo inquestionável é o presidente Evo Morales, mantêm-se forte e se espraia pelos países vizinhos.

Este 20 de maio talvez tenha marcado uma nova inserção dos índigenas argentinos em seu próprio país. Eles já ganharam mais visibilidade e voz, mas é preciso muito mais que isso, é preciso reparar injustiças centenárias e superar preconceitos arraigados.

 

Publicado em Escrevinhador, em 22/5/2010