por Marilene Corrêa da Silva Freitas

A Fundação Perseu Abramo coordenou em Belém, entre 14 e 15 de abril de 2010, uma conferência amazônica no melhor sentido do termo. Reuniu tradições da organização da sociedade, técnicos do governo Lula, convidados de sua base social petista, dirigentes partidários, lideranças, governantes do PT, enfim, suas forças mobilizadoras de sindicatos, movimentos, articulações políticas e institucionais. O foco na Amazônia tem propósito claro: mobilizar suas referências de base, e de representação política e simbólica, para dar vigor a uma reflexão importante da vida nacional onde a Amazônia tem lugar importante nas tarefas de organização política do país e no imaginário coletivo do PT.

A Amazônia é em si própria, ainda, um emblema que desafia a gestão pública, a organização partidária, a relação entre estado e sociedade, e a capacidade nacional das políticas de governo. Isto posto, a conferência enunciou prioridades de interlocução e de temas de preocupação estratégicos para lançar ao futuro do Brasil a partir da Amazônia, e do ambiente político privilegiado que o PT desenvolveu durante os quase oito anos do governo Lula, a nossa avaliação e a nossa perspectiva. O produto esperado é uma contribuição ao debate democrático que Dilma Roussef representará, do nosso ponto de vista, com a sociedade nacional e com o mundo político brasileiro que se movimenta rumo à eleição presidencial de 2010.

O que há de novo nesta no debate realizado em Belém? O inventário das realizações do governo Lula filtrado pelo pensamento crítico de suas lideranças e pelas novas exigências da realidade brasileira. Uma realidade que se consolidou entre as escolhas de desenvolver a economia fortalecendo a inclusão social de segmentos mais vulneráveis às desigualdades e diferenças econômica e sócio-cultural. A escolha entre o neoliberalismo e a autodeterminação, por exemplo, permitiu ao Brasil transformar limitações históricas aceitas como naturais em todo o período republicano até 2003. O isolamento de territórios e povos da Amazônia do debate nacional é a mais visível ilustração da naturalização das dificuldades de construção de políticas de governo antes do governo Lula.

A vivência de políticas públicas nacionais, em todos os aspectos da organização da cidadania é uma realidade recente na Amazônia brasileira, ela própria a ilustrar o impacto mais profundo que o Brasil contemporâneo avançou mais do se previa no discurso da democratização. Educação, saúde, empregabilidade, renda, acessibilidade à energia e as tecnologias de informação e de comunicação, políticas científicas e ambientais com foco nas particularidades da região, ilustram mais do que um ciclo governamental, atesta um rito de passagem de milhões de brasileiros da Amazônia aos padrões de dignidade e cidadania da sociedade brasileira. Temos dívidas históricas com a região e suas populações têm sede de justiça e pressa consciente. A consciência de que o Brasil só avançará com a Amazônia junto, pois ela é emblemática do novo paradigma de desenvolvimento que o Brasil está construindo.

É fundamental lembrar agora, o quanto a Amazônia mudou, o quanto precisa revolucionar-se internamente e em relação à sociedade brasileira e pa Doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP; mestre em Sociologia Política pela PUC – SP. Tem Pós- Doutorado em Sociologia pela Université de CAEN, França. É professora e pesquisadora do Departamento de Ci6encias Sociais da Universidade Federal do Amazonas. Foi Secretária de Estado de Ciência e Tecnologia do Estado Amazonas entre 2003 -2007; Reitora da Universidade do Estado do Amazonas de março 2007 a março de 2010. É fundadora do PT no Amazonas.n-amazônica. Sim, porque nosso destino físico político está produzindo e recebendo impacto de nossas relações continentais, mais do antes. A universalização de direitos das minorias indígenas originárias, de populações tradicionais caboclas e quilombolas, de populações remanejadas para região por projetos econômicos, assentamentos oficiais e por projetos de infra-estrutura, e de grupos extrativistas com incorporação recente às demandas de mercado e às linguagens de comunicação e informação modernas têm ampla repercussão na Amazônia continental.

O enfoque de superar a condição de laboratório de ensaio das elites em que a região foi lançada desde a colonização, permitiu uma indicação viável no discurso e na ação materializada no Plano Amazônia Sustentável, marco do auto-conhecimento regional dos saberes da tradição e da política de governança sinalizada ao diálogo com o governo Lula. Permitiu, além do mais, que as vozes amazônicas penetrassem setores governamentais, modificassem correlações de forças internas de interesses setoriais e, a partir da busca de consensos, integrassem um ponto de vista amazônico na diversidade de interlocuções entre Estado e Sociedade.

A história recente atestara, pelo filtro crítico dos movimentos e de nossa evolução política como o primeiro governo de um partido de trabalhadores que os modelos de industrialização predatória, urbanização precária, agricultura e pecuária extensiva acentuaram as contradições entre ambiente e desenvolvimento, com perdas irrecuperáveis para as populações, povos e grupos de classe, setores rurais e urbanos. O rompimento com as práticas predatórias e de isolamento político da região só foi possível quando as vozes dos índios, caboclos, trabalhadores da floresta e das cidades, cientistas compromissados com nossas plataformas políticas integraram-se às vozes de transformação do Brasil.

Foram as vozes populares dos trabalhadores da Amazônia, e não as vozes das classes dominantes, necessário é insistir, que defenderam com vida e sacrifício a floresta em pé, a relação entre as formas tradicionais de adaptabilidade da floresta e o desenvolvimento sustentável, a integração do conhecimento científico e da inovação tecnológica ao manejo dos biomas e ecossistemas amazônicos, a revolução institucional da universalização das políticas públicas às populações ribeirinhas, extrativistas e indígenas.

O Partido dos Trabalhadores integrou em seus exercícios de debate, desde a campanha histórica de 1989 por meio do governo paralelo, a formulação da especificidade e da diversidade amazônica, e do direito à diferença, em sua complexidade e integridade na sociedade nacional. Se hoje as elites democráticas integram nossos princípios políticos identitários em suas estratégias de conciliação de classes, e até em suas táticas de coalizão ao quadro democrático do Brasil no governo Lula, necessário é distinguir o que é mitigação de transformação.

Pois bem, nós distinguimos. As vozes amazônicas em sua matriz de classe que ainda clamam por justiça tributária, política energética sustentável, e bases sólidas de uma economia ecológica que integre as melhores experiências da valorização dos serviços ambientais e a utilização científica da biodiversidade, são aquelas historicamente desenvolvidas e integradas às tradições de sustentabilidade não predatória praticada pela adaptabilidade histórica das populações regionais. Elas sim, com suas experiências e vivências na luta pela vida e pelos direitos de um Brasil para todos, têm a legitimidade esperada para indicar os novos passos da Amazônia no mundo em fase superior do governo dos trabalhadores na sociedade brasileira. E a conferência da Amazônia 2010 foi um momento especial de produção desta síntese.

 

*Marilene Corrêa da Silva Freitas é Doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP; mestre em Sociologia Política pela PUC – SP. Tem Pós-Doutorado em Sociologia pela Université de Caen (França). É professora e pesquisadora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas. Foi Secretária de Estado de Ciência e Tecnologia do Estado Amazonas entre 2003 -2007; Reitora da Universidade do Estado do Amazonas de março 2007 a março de 2010. É fundadora do PT no Amazonas.