Já é lugar comum se comentar sobre a ampliação da participação das mulheres no mercado de trabalho. Afinal, hoje, elas formam 43,6% da força de trabalho no Brasil. Mas muito pouco se fala sobre o outro lado da moeda: o trabalho dentro de casa, aquelas tarefas que são indispensáveis no cotidiano para que as pessoas possam manter suas atividades, seja o trabalho, lazer ou cultura, ou participação política.

Já é lugar comum se comentar sobre a ampliação da participação das mulheres no mercado de trabalho. Afinal, hoje, elas formam 43,6% da força de trabalho no Brasil. Mas muito pouco se fala sobre o outro lado da moeda: o trabalho dentro de casa, aquelas tarefas que são indispensáveis no cotidiano para que as pessoas possam manter suas atividades, seja o trabalho, lazer ou cultura, ou participação política.

 Quando comparamos o número de horas dedicados ao trabalho doméstico realizado por homens e mulheres que também trabalham fora pode se ver o quão pouco vêm se modificando os hábitos e organização da vida familiar, a despeito de uma crescente participação das mulheres no mundo público.
 
Segundo dados da PNAD (Pesquisa Nacional de amostra de Domicílios), em 2008, trabalhando fora, as mulheres dedicam até 25 horas semanais aos afazeres domésticos. Os homens registram em média 10 horas semanais com o trabalho doméstico. Mas os estudos de uso do tempo demonstram que, em geral, ao informarem sobre o trabalho doméstico e familiar, as mulheres tendem a subestimar o tempo dedicado aos afazeres doméstico. Uma boa parte das tarefas realizadas não são lembradas ou mencionadas como trabalho. Afinal, são tão naturalizadas como obrigação feminina que é preciso desvendar o seu caráter invisível. Já os homens tendem a sobrevalorizar as tarefas domésticas realizadas por eles. Jamais se esquecem quando levam as crianças à escola, ou têm que preparar uma refeição ou arrumar a própria cama.

Realizado cotidianamente no interior das famílias, medir a quantidade de tempo gasta com esses afazeres não é tarefa simples. Afinal, não é uma jornada delimitada, com horário para começar e terminar, e intervalos cronometrados. Além das atividades realizadas na própria casa, como cuidar da alimentação, do vestuário, da limpeza da casa, atender as necessidades das crianças, nesses afazeres também se incluem as atividades relacionadas ao acompanhamento da saúde, o cotidiano da escola, a atenção aos familiares idosos etc.

Consequência importante da extensão do trabalho das mulheres realizado na família é o fato de serem elas que buscam compatibilizar o trabalho fora e casa com as “obrigações” familiares. Isso as pressiona a buscar menores jornadas de trabalho remunerado e atividades ou empregos mais flexíveis, onde o tempo possa ser readequado às necessidades do cuidado doméstico. São, em geral, trabalhos ou empregos com pior remuneração, com menores oportunidades de promoção, e menor grau de direitos regulamentados e proteção social, incluindo boa parte do trabalho informal.
Mas, mesmo tendo, em média, uma jornada menos longa no trabalho remunerado, a jornada total de trabalho das mulheres é significativamente mais extensa que a dos homens. Em 2008, elas trabalhavam 60,5 horas por semana, enquanto os homens tinham uma jornada semanal de 52,9 horas de trabalho. Isso corresponde a quase um dia de trabalho a mais por semana para as mulheres, como aponta estudo do IPEA.
Uma das principais razões das desigualdades entre mulheres e homens em relação ao emprego e renda decorre do fato de serem mulheres consideradas as responsáveis pelas tarefas domésticas, pelo cuidado com as crianças e a família. Isso influencia, inclusive, a divisão sexual do trabalho no próprio mercado, isto é, a persistente divisão entre trabalhos, carreiras, funções e atividades que aglutinam de forma distinta mulheres e homens.
Ao mesmo tempo em que se demanda a ampliação de políticas públicas que incidem sobre o trabalho doméstico – como creches e pré-escolas em período integral, refeições a preços acessíveis, lavanderias coletivas etc. – é essencial alterar o cotidiano das famílias, ampliando a responsabilização dos homens com os afazeres domésticos. Estudos sobre esse trabalho, com pesquisas sobre o uso do tempo, tornam mais explícitas as formas de desigualdade entre mulheres e homens em relação à divisão sexual do trabalho e ao trabalho doméstico.

Tatau Godinho, é mestre em Sociologia pela PUC/SP, atua no movimento de mulheres desde o início dos anos 1980, integra o Fórum de Mulheres Políticas do Cone Sul (que reúne ativistas políticas e assessoras do Brasil, Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai) e é membro do Conselho Curador da fundação Perseu Abramo.